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Erro médico e sua complexidade
A tecnologia também pode auxiliar, principalmente, na segurança do paciente
Sandra Franco
07 de Abril de 2017 - 15:00
Erros médicos no Brasil são um dos grandes problemas enfrentados pelo setor da saúde e também de sua judicialização. De maneira equivocada, chamamos de erro médico todas as intercorrências, falhas e complicações presentes na seara da prestação de serviços médicos hospitalares. Vale ressaltar que a esmagadora doutrina pátria considera erro médico desde o erro na administração de medicamentos por equipe de enfermagem até a falha técnica em um procedimento cirúrgico ou erro de diagnóstico.
Assim, observando-se a amplitude semântica do termo, pode-se dizer que os erros médicos são normalmente sistêmicos e não envolvem apenas o médico. Estatisticamente, as maiores complicações hospitalares ainda se relacionam ao erro de medicamentos, alguns sem consequências percebidas por pelos pacientes e seus familiares e outras que levam à morte.
Ao considerar as especialidades mais demandadas judicial e administrativamente, reconhece-se ser a ginecologia e obstetrícia e a cirurgia plástica aquelas que possuem mais questionamentos pelos pacientes. Importante dizer que a especialidade ginecologia e obstetrícia tem reclamações diretamente relacionadas aos partos e eventuais sequelas aos bebês, quer pela demora na realização do procedimento, quer por manobras que deixam algum tipo de sequela como é o caso de uma lesão de plexo braquial. Muitas das reclamações originam-se de atendimentos na rede pública, considerando claro haver maior número de partos normais pela rede.
Nos casos envolvendo estética, raramente há um erro técnico, mas sim a insatisfação das pacientes, uma vez que nem sempre o corpo responderá da forma desejada pelo profissional e pelas pacientes. E, por vezes, faz-se necessário repetir procedimentos o que desagrada a muitos pacientes. Esse, porém, é um indicador de um problema que tem trazido muitas condenações aos médicos e instituições de saúde: a ausência de informações claras e objetivas sobre diagnóstico, terapêutica, prognóstico e, em especial, sobre intercorrências e possíveis resultados.
O ideal para minimizar os problemas nos casos cirúrgicos é realizar um checklist, tais como a identificação correta do paciente, do membro e lado a ser operado, da indicação cirúrgica, da disponibilidade do material necessário ao procedimento, da ciência dos deveres do acompanhante e outros aspectos.
A avalição anestésica deve ocorrer sempre nos casos da cirurgia eletiva, preferencialmente, com antecedência ao ato cirúrgico nunca no próprio ato. Utilizar um sistema com dupla checagem para dispensação e aplicação de medicamentos é essencial em um hospital, haja vista a quantidade de medicamentos a serem ministrados em especial em enfermarias dos atendimentos de urgência e emergência.
Termos de consentimentos usados para cirurgias e também em outros procedimentos envolvem o paciente nos atendimentos, proporcionando-lhe maior consciência de seus deveres, uma vez que os cuidados com a saúde são de responsabilidade de cada um e dos familiares. Ciente dos procedimentos, o paciente será um coadjuvante muito importante. Daí ser essencial um Termo específico para cada procedimento, sem informações genéricas ou que sejam tão técnicas a ponto de o paciente não as compreender.
Os protocolos médicos são essenciais para se evitar erros médicos. Os protocolos são criados por juntas de profissionais especializados em determinados procedimentos levam em consideração as evidências, artigos científicos e possuem fundamentação dentro de determinado tempo isso porque devem ser constantemente atualizados, haja vista a frequente inserção de novas tecnologias em equipamentos e medicamentos.
Um protocolo, porém, não é vinculante há casos em que pacientes diferentes demandam tratamentos que podem não estar em consonância com protocolos; no entanto, caberá ao médico justificar a não adoção de um protocolo.
Juridicamente, os protocolos são norteadores. Se observados e houver uma complicação prevista em literatura, dificilmente uma ação será julgada procedente pelos magistrados. E, na hipótese de o médico não ter observado os protocolos por negligência, as chances de uma condenação aumentam consideravelmente diante de um dano ao paciente. A regra deve ser observar os protocolos e segui-los. A exceção precisará ser sempre justificada.
A tecnologia também pode auxiliar, principalmente, na segurança do paciente. O registro de todas as informações dos pacientes em arquivo eletrônico, que podem ser consultados por outros médicos (e colaboradores autorizados) para o acompanhamento e evolução do paciente, é por si revolucionário. Máquinas de exames de imagens, em especial, revelam patologias antes dificilmente detectáveis radiografia, ultrassom e ressonância magnética são hoje essenciais para certos diagnósticos.
Já existem experiências com robôs que podem ministrar medicamentos, observando a dosagem, a indicação da substância, a via de acesso do medicamento, com alto índice de precisão. Aplicativos lembram os pacientes em suas casas dos medicamentos que devem tomar e condutas saudáveis a seguir.
Entretanto, deve-se acentuar que sempre caberá ao ser humano alimentar as máquinas com dados e sempre será do ser humano a capacidade de observar os pacientes, suas reações, suas aspirações e necessidades. A tecnologia é um auxiliar fantástico, mas o cuidado humano é decisivo para garantir a segurança. E os erros, sejam dos médicos ou de equipes da saúde, são passíveis de punições e processos judiciais, em alguns casos milionários.
À parte as indenizações, o erro deve ser um condutor para a renovação e consequente reavaliação de processos internos e de formação dos profissionais de saúde. Essa é a chave para mudanças: reconhecimento das falhas e busca de soluções em conjunto.
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.