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Economia

Spread bancário cai em 2017, mas ainda está entre os mais altos do mundo

Mesmo com a Selic em seu menor nível em 3 décadas, diferença para captar e emprestar dinheiro no Brasil continua alta; lucro dos bancos e inadimplência influenciam na taxa, avaliam especialistas.

G1

29 de Dezembro de 2017 - 14:36

Com o menor juro básico em 30 anos, a diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro e o que ganham ao emprestar, o chamado spread bancário, ficou menor em 2017. Ainda assim, ele continua acima do patamar de dois anos atrás – quando a taxa básica de juros, a Selic, era a mais alta em uma década.

Os bancos pegam recursos no mercado para emprestar aos clientes de fontes diversas, como, por exemplo, as aplicações em CDB - certificado de depósito bancário. Com a queda da Selic, os bancos tendem a pagar menos pelo dinheiro que captam no mercado.

Mesmo assim, o spread bancário ainda é alto e impede que o custo do crédito para o consumidor seja menor no Brasil. Além da Selic, outros fatores ainda pesam para impedir uma queda maior do spread bancário e, consequentemente, das taxas cobradas no crédito, avaliam especialistas do setor financeiro.

"A taxa Selic tem uma influência direta no spread, mas sozinha ela não é capaz de derrubá-lo", avalia a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, para quem existe uma "gordura" que é estrutural no sistema financeiro brasileiro e não diminui com fatores sazonais.

Patamar mais alto que há 2 anos

Desde janeiro, o spread médio do crédito com recursos livres (a juros de mercado) caiu quase 7 pontos percentuais, passando de 42,07% para 35,43% em outubro, segundo os dados mais recentes do Banco Central.

Apesar desta queda, o atual spread dos bancos continua mais alto que em dezembro de 2015, quando a Selic estava no maior nível em uma década, em 14,25% ao ano. Este patamar também mantém o país entre os países com o spread mais alto do mundo.

No período pré-crise, o Brasil teve a combinação de um spread bem mais baixo com a Selic perto de 7% ao ano. Isso ocorreu em julho de 2013, quando a diferença entre o que se paga e recebe em juros no Brasil estava em 20,92% - quase 15 pontos percentuais abaixo do patamar atual.

Spread brasileiro é o 2º maior do mundo

Na lista de países com o spread bancário mais alto do mundo, o Brasil (39,6%) só perdia para Madagáscar (45%) em 2016, ilha localizada do sudoeste da África cujo PIB não chega a 1% do brasileiro, segundo dados do Banco Mundial.

Em terceiro lugar, com taxa de spread de 32,5%, aparece o país africano Malawi, com uma distância de mais de 12 pontos percentuais para o quatro colocado no ranking, o Quirguistão, abaixo do qual está a maioria dos países do mundo.

O spread brasileiro é sete vezes maior que a média do mundo (5,47%), segundo o Banco Mundial. Ainda assim, quando se olha para o passado, a situação melhorou. A diferença entre o que se paga e recebe em juros teve uma queda de 14,1 pontos percentuais em quase 20 anos. Passou de 53,8% em 1997 para 39,6% no ano passado. Essa melhoria não foi suficiente para tirar o país da lista de países com spread mais alto.

Peso da inadimplência

Por que há quatro anos havia espaço para reduzir o spread, se a Selic estava próxima ao patamar de hoje? Segundo Latif, da XP, a inadimplência elevada pela recessão explica boa parte deste spread, que tende a cair com a melhora gradual da economia. Ou seja, os bancos embutem no custo do crédito o calote que recebem de parte dos clientes.

“Tirando a Selic, o que mais pesa é a inadimplência e todo o risco envolvido nas operações de crédito. A dificuldade dos bancos em recuperar um empréstimo não pago tem um custo e entra nessa conta”, explica a economista.

Segundo o Banco Central, o custo da inadimplência respondeu por 40% do spread bancário em 2016, o maior peso entre os fatores que influenciam esse índice. (veja o gráfico abaixo).

Um estudo divulgado pela Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) em setembro concluiu que o Brasil é o país que mais provisiona (reserva) recursos contra possíveis calotes dentro de uma amostra de 12 países.

O levantamento também apontou que os bancos brasileiros recuperam apenas 16% do valor das garantias em operações de crédito, contra 69% nos outros países pesquisados.

Para a especialista em finanças e sócia da BSG DuoPrata, Betty Grobman, o percentual elevado de provisões para a inadimplência acaba prejudicando o próprio sistema ao elevar o custo das operações de crédito, a ponto de aumentar o risco de calotes.

“O sistema cobra do cliente um prêmio de risco que encarece tanto o produto que mesmo quem não seria inadimplente acaba atrasando o pagamento por conta disso”, diz.

Lucro dos bancos e concentração

Os bancos provisionaram em torno de 34% do spread em 2016 para o lucro, o segundo maior percentual depois da inadimplência, segundo o Banco Central.

Na avaliação de Latif, o lucro bancário é uma parte importante do spread, mas é exagero afirmar que o motivo para ele ser alto é o lucro dos bancos, também ligado a outras condições da economia. “Se o banco está em uma operação mais arriscada é natural que este risco seja bem remunerado”, diz. “Existem outros fatores que interferem no spread”.

Dados do BC mostram que os quatro maiores bancos do país - Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal - detinham 78,99% de todas as operações de crédito no país e também 78,48% dos depósitos no final de 2016.

Segundo o estudo da Febraban, a concentração bancária tem baixa correlação com o spread de vários países analisados, mostrando que em nações como África do Sul e Austrália o spread é menor que 5%, apesar de a concentração estar acima de 80%.

A economista Betty Grobman discorda e afirma que a alta concentração bancária no Brasil tem forte influência no spread. “Ela obriga os bancos menores a praticarem taxas de empréstimo altíssimas para conseguir sobreviver”, diz.

O que mais entra na conta do spread

Além dos custos com a inadimplência e o lucro, o spread é formado de 3% para custos administrativos, outros 3% para os depósitos compulsórios (reservas obrigatórias determinadas pelo Banco Central) e 22,6% em impostos diretos (veja o gráfico). Na somatória, estes custos não chegam a 30%.

Para Zeina, faria sentido o custo administrativo ser maior que o calculado pelo BC. “Bancos utilizam muita mão-de-obra e enfrentam elevado contencioso trabalhista. O viés pró-trabalhador da Justiça do Trabalho eleva a insegurança jurídica na relação trabalhista.”

Na avaliação de Betty Grobman, mesmo com os custos elevados, haveria espaço para o spread cair muito mais. “O spread não vai se resolver com a queda da inadimplência e da Selic nem de forma voluntária”, diz.

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, declarou em avaliação de fim de ano que o órgão faz estudos sobre os "níveis estruturais" dos depósitos compulsórios (recursos que os bancos têm de deixar parados) e que a ideia é eles caminhem "para baixo". "Não para ir para cima, e nem para ficar parado", declarou.

"O compulsório é algo que a gente precisa convergir, no médio e longo prazos, para níveis inferiores. É uma questão estrutural, para reduzir os custos administrativos (...) e para reduzir o custo do crédito", afirmou o presidente do Banco Central.