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Economia

Gastos do Brasil com diabetes podem dobrar na próxima década, diz estudo britânico

País deve enfrentar um dos maiores fardos do mundo com a doença, que avança globalmente; para pesquisadora, impostos e mudanças políticas são cruciais para mudar isso.

G1

23 de Março de 2018 - 07:38

Gastos do Brasil com diabetes podem dobrar na próxima década, diz estudo britânico

O avanço da diabetes no Brasil pode fazer com que os custos diretos e indiretos da doença dobrem até 2030, aponta pesquisa divulgada nesta sexta-feira pela universidade britânica King's College, em parceria com a Universidade de Gottingen (Alemanha).

O estudo, que levantou dados de 180 países, levou em conta tanto despesas com o tratamento médico da diabetes quanto os impactos na atividade econômica – como a perda de produtividade de trabalhadores e as mortes prematuras decorrentes da doença e de males associados, como problemas cardíacos.

Segundo o levantamento, os gastos do Brasil com a diabetes foram de US$ 57,7 bilhões (R$ 190 bilhões, em valores atuais) em 2015.

Até 2030, essas despesas podem subir para US$ 97 bilhões, segundo estimativas mais conservadoras, ou US$ 123 bilhões (R$ 406 bilhões), no pior dos cenários avaliados pelo estudo europeu.

É um dos custos mais altos do mundo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), diz à BBC Brasil Justine Davies, coautora do estudo e professora do Centro de Saúde Global do King's College.

"A doença tem sido vista como a próxima epidemia global, tem aumentado na maioria dos países e ninguém tem conseguido enfrentá-la", acrescenta.

Isso é grave porque a diabetes é uma importante causadora de cegueira, falência renal, problemas cardíacos, derrames e amputações, aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O que fazer?

Davies diz que não estudou especificamente o caso brasileiro, mas aponta que o avanço da diabetes provavelmente está ligado ao sobrepeso da população – segundo dados de 2016 do Ministério da Saúde, 20 em cada 100 brasileiros sofrem de obesidade.

E isso está intimamente ligado ao consumo excessivo de comida pouco saudável, como fast-food e alimentos ultraprocessados – bolachas, refrigerantes, salgadinhos e similares –, a despeito da crescente conscientização acerca do que é uma alimentação saudável.

"É difícil mudar isso", admite Davies. "As pessoas têm mais conhecimento atualmente. Mas se você coloca um pacote de batatinhas na minha frente, provavelmente vou comê-las. Existe uma tensão entre o que sabemos que nos faz bem ou mal e o que o ambiente nos oferece. E o ambiente tem favorecido as comidas rápidas e os deslocamentos em carros (que estimulam o sedentarismo)."

Outro problema é a associação entre o aumento no padrão de vida da população e o maior consumo de itens processados, em detrimento de comidas in natura. "À medida que as pessoas ganham mais dinheiro, elas querem comer mais, como um sinal de prosperidade."

Para resolver isso em uma escala nacional e global, Davies acha necessário haver um "compromisso político".

"É preciso haver impostos mais severos sobre comidas não saudáveis e restrições à sua publicidade, sobretudo as que forem voltadas às crianças, que são mais suscetíveis", defende.

A pesquisadora cita exemplos bem-sucedidos do México, que elevou a taxação sobre bebidas açucaradas (medida que reduziu o consumo de refrigerantes e similares em 5,5% e 9,7% em 2015 e 2016, primeiros anos em que vigorou), e de Londres. A capital britânica tem estimulado a população a caminhar e andar de bicicleta com a difusão de rotas ciclísticas e a taxação de carros que circulam em áreas centrais da cidade.

Impacto global e na América Latina

A ameaça da diabetes ao Brasil é excepcionalmente grave, mas não é única no mundo: segundo Davies, nenhum dos países estudados tem conseguido resultados particularmente positivos no combate à doença.

"Nos EUA, provavelmente o país mais obeso do mundo, as taxas (de diabetes) estão se estabilizando – um dos poucos países onde isso aconteceu", diz a pesquisadora. No entanto, o país enfrenta a perspectiva de gastar até US$ 680 bilhões em decorrência da doença em 2030.

Na China, a projeção é de que os gastos relacionados à diabetes praticamente tripliquem na próxima década, passando de US$ 222 bilhões a US$ 631 bilhões.

No mundo inteiro, a perspectiva é de que gaste-se US$ 2,5 trilhões direta e indiretamente com a diabetes, o dobro dos custos atuais. E a América Latina deve ficar com o maior fardo, se analisada a proporção em relação ao tamanho de seu PIB.

Um dos fatores por trás disso, segundo Davies, é a estrutura populacional latino-americana: cresceu a prevalência de diabetes em uma população ainda relativamente jovem, em idade produtiva.

"A diabetes afeta a capacidade de trabalho das pessoas. O impacto econômico da pessoa que tem um ataque cardíaco (como consequência da diabetes) cedo é muito grande."

No Brasil, estimativas apontam que entre 7% e 10% da população pode ser diabética – boa parte dela sem nem sequer ter sido diagnosticada. Segundo o estudo de Davies, essa porcentagem pode chegar a 14% em 2030, no pior dos cenários.

Dados da OMS apontam que a prevalência global de diabetes entre adultos acima de 18 anos dobrou entre 1980 e 2014 no mundo – alcançando 422 milhões de pessoas. O maior crescimento tem sido registrado em países de renda baixa e média.

Em 2015, os dados mais recentes disponíveis, 1,6 milhões de mortes foram diretamente causadas pela diabetes no globo.