Logomarca

Um jornal a serviço do MS. Desde 2007 | Sexta, 19 de Abril de 2024

Esporte

Japonês que chocou o mundo na Maratona de Boston é amador e administra escola

Yuki Kawauchi, de 31 anos, tem planilha de treino bizarra para um atleta de alto rendimento, não vive da corrida e chega a participar de 13 maratonas por ano

Globo Esporte

17 de Abril de 2018 - 15:21

Yuki Kawauchi espantou o mundo na última segunda-feira ao vencer a Maratona de Boston, uma das mais tradicionais do planeta. O japonês é inspetor de um colégio em Saitama e treina apenas nas horas vagas. Aos 31 anos, é um atleta amador, não recebe patrocínios, não vive da corrida e sua carga de treino é muito inferior a de um atleta profissional, tanto é que, apesar de ter no currículo o tempo de 2h08min37s na Maratona de Tóquio, em 2011, marca respeitáve até para o alto rendimento, é comum vê-lo correr as provas vestido de panda. Seu triunfo na segunda-feira quebrou a hegemonia de quenianos e etíopes e fez especialistas e corredores de fim de semana se perguntarem: quem é Kawauchi e como ele conseguiu tal feito?

Para começo de história, o japonês está no atletismo desde que se entende por gente. Começou aos seis anos, incentivado pelos pais. Teve técnicos na escola e na faculdade. Mas, aos 23 anos, quando se formou em administração e passou a trabalhar, começou a treinar sozinho. Durante a semana, treina pela manhã por 90 ou 120 minutos e então trabalha de 12h45 às 21h15. Sua planilha, inclusive, é vista com espanto por profissionais. Corre muito se levado em conta a quilometragem mensal de um amador, mas fica muito abaixo dos profissionais. Atualmente, faz cerca de 700km por mês. São quatro treinos de corrida e um intervalado de velocidade, além de trabalhos mais longos nos fins de semana, de cerca de 150km subindo e descendo trilhas.

O resultado em Boston, porém, não foi o primeiro de Yuki em provas internacionais. Em setembro do ano passado, ele venceu a Maratona de Oslo, na Noruega, fazendo 2h15min57s. Naquela oportunidade, chegou ao número de 70 provas correndo abaixo de 2h20min. Ou seja. Apesar de amador, Kawauchi é competitivo, mas vencer a Maratona de Boston batendo o atual campeão, o queniano Geoffrey Kirui, era algo inimaginável para um amador e subverte a lógica. Ele foi ajudado também pela umidade do ar, que beirou os 100%, e pela lentidão da prova. Seu tempo foi de 2h15min58s, a pior desde 1976.

Enquanto os profissionais correm cerca de três maratonas por ano, no máximo, ele fechou 2014 e 2015 com 26 provas. Em 2016, correu outras nove. No ano passado foram 12, com cinco vitórias. Após provas de 42km, médicos pedem que os atletas diminuam as cargas de atividade, o que Kawauchi não faz. Prefere a acupuntura e as águas termais e mantém seu ritmo de treinos semanais com velocidade média de 12km/h, confortável para atletas amadores e muito abaixo do pace que fez em Boston, quando terminou o primeiro quilômetro em 2min46s. Para ele, treinar menos que os profissionais o mantém livre de lesões.

"Após uma corrida ou um treino puxado, faço um tratamento em águas termais e recorro às agulhas, tentando me livrar da fadiga. Se eu sentir muita dor, ajusto o meu treino para não ficar contundido por um longo período"

Kawauchi, é bem verdade, é amador por decisão. Quando conseguiu o tempo histórico na Maratona de Tóquio, em 2011, recebeu inúmeras propostas para se tornar profissional. Empresas japonesas ofereceram patrocínios que o garantiriam uma carreira no esporte sem maiores preocupações. Ele, porém, não quis abrir mão do emprego. E no Japão, funcionários públicos não podem ter uma segunda ocupação.

- Eu gostaria que corredores que realmente precisam de apoio financeiro recebessem esse tipo de ajuda. Eu não tenho esse problema. Seria mais interessante se eles recebessem esse suporte - disse o japonês à O2.

Hoje, Kawauchi segue sua rotina amadora. Viaja sem técnicos e banca suas participações internacionais com convites dos organizadores. Faz academia em casa, com aparelhos que ele mesmo adquiriu em uma loja que você também poderia comprar. Um amigo, um canadense radicado no Japão, o ajuda com o contato com as provas. Seus custos também são mínimos. Por ano, investe apenas US$ 1.300 dólares com tênis e fisioterapia. Com 31 anos, ele não pensa em aposentadoria e quer correr por pelo menos mais cinco anos.