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Esporte

Em meio a falhas operacionais, diretor da Ferrari classifica novo erro tático como "inaceitável"

Depois de tudo passar, dizer que essa ou aquela decisão era a mais apropriada é fácil

Globo Esporte

06 de Outubro de 2018 - 09:11

É muito fácil para os críticos de plantão mostrarem que a Ferrari cometeu um erro crasso na sessão que definiu o grid do GP do Japão, neste sábado, em Suzuka, tornando a possibilidade de seu piloto, Sebastian Vettel, iniciar uma reação para se aproximar do líder do Mundial, Lewis Hamilton, da Mercedes, o pole position, ainda mais difícil, já que começa a corrida neste domingo apenas na nona colocação. Depois de tudo passar, dizer que essa ou aquela decisão era a mais apropriada é fácil. Ali na hora, no entanto, o desafio é outro. Mas será que desta vez era tão complexo assim acertar?

Podemos obter a resposta através da reação dos concorrentes da Ferrari presentes da última parte do treino classificatório, o Q3: Mercedes, RBR, Haas, STR e Racing Point Force India. Todas liberaram seu pilotos para a pista com os pneus lisos, pois praticamente não chovia e tampouco havia quantidade de água no asfalto que justificasse o uso dos pneus intermediários, como fez a Ferrari, com seus dois pilotos, Vettel e Kimi Raikkonen.

A decisão fez com que Vettel e Raikkonen tivessem de regressar aos boxes de imediato, outro atestado da clareza das condições, para trocar os pneus intermediários pelos lisos. Mas tão logo voltaram à pista com os pneus supermacios slicks, como todos os demais, começou a cair uma leve chuva. Quem registrou seu tempo, registrou, quem não, ficou para a próxima... Ao menos quanto a poder disputar as primeiras posições no grid.

Foi isso que fez Raikkonen obter apenas o quarto tempo, a 1s761 de Hamilton, e a 1s462 de Valtteri Bottas, companheiro de Hamilton, segundo no grid. E há ainda na frente de Raikkonen o holandês Max Verstappen, da RBR, 464 milésimos melhor. A condição de Vettel era tão desigual, quando colocou os pneus lisos, que não foi além de 1m32s192, enquanto Hamilton fez 1m27s760, nada menos de 4s432 mais rápido.

Para vencer o campeonato da F1, uma equipe deve dispor de vários recursos, todos funcionando muito bem, como um competente grupo de projetistas, engenheiros capazes de desenvolver o carro e a unidade motriz, administrar o time com inteligência, dispor de pelo menos um piloto com as características de um campeão e, claro, contar com um orçamento não inferior a 300 milhões de euros (R$ 1,5 bilhão).

Enquanto a Mercedes atende a todos esses pré-requisitos básicos, a Ferrari não tem um líder com conhecimento de causa e experiência, Maurizio Arrivabene, a eficiência geral do grupo é falha, como bem demonstra o erro de avaliação deste sábado, onde o mais difícil era errar e não acertar, e mesmo seu principal piloto, Vettel, tem uma lista de equívocos, este ano, não compatível com quem já conquistou, com méritos, quatro títulos mundiais.

São esses elementos, combinados, que fazem com que já neste domingo seja pouco provável, embora não impossível, que Vettel some mais pontos do que Hamilton, necessário para nas quatro etapas que restarão do calendário tentar algo bem difícil, ganhar a luta com o adversário. Hoje a diferença de Hamilton para ele no Mundial já é grande, 50 pontos, 306 a 256.

Some a isso o fato de a decisão da FIA, de rever a metodologia de checagem da unidade motriz, reduzir o desempenho do modelo SF71H da Ferrari. Todas as indicações são no sentido de que, para atender o regulamento - o sistema de recuperação de energia cinética, MGU-K, liberar apenas 160 cavalos por volta -, o grupo liderado por Mattia Binotto, diretor técnico da Ferrari, teve de mudar o que fazia.

As suspeitas das demais equipes eram de que a unidade motriz Ferrari não respeitava essa regra, com muita probabilidade procedente. Haja vista que depois de a FIA monitorar mais o sistema, com novos sensores, a partir do GP de Singapura, dia 16 de setembro, Vettel e Raikkonen deixaram de ter aquele carro que, por vezes, parecia estar muito à frente dos concorrentes.

Segunda fila, possível

Neste sábado, em Suzuka, a Ferrari perdeu a chance de ter Vettel e Raikkonen na segunda fila. O terceiro e o quarto tempos eram algo realista. Lutar pela pole, não, levando em conta o que vimos nas três sessões de treinos livres do GP do Japão, com Hamilton e Bottas sempre bem mais rápidos.

Largar em terceiro em um circuito fascinante, com seus 5.807 metros, 18 curvas, de todos os tipos, é bem melhor do que começar a corrida na quarta fila, em oitavo lugar, como fará Vettel, tendo de receber a bandeirada à frente de Hamilton para tentar uma improvável reviravolta no campeonato. O traçado é de difícil ultrapassagem.

Mudança total

Vettel deu uma declaração, na sexta-feira - após ter sido 833 milésimos mais lento do que Hamilton - que até um mês apenas atrás ninguém imaginava ser possível:

- A chuva, aqui, seria boa para nós.

O asfalto molhado tende a reduzir a vantagem técnica entre os carros, o que faria o modelo SF71H correr mais próximo do W09 da Mercedes. O interessante nessa história é que na entrevista realizada em seguida a ser segundo no GP da Bélgica, dia 26 de agosto, Hamilton começou a fazer contas, com os jornalistas, para saber em quais pistas poderia pensar em, eventualmente, somar mais pontos que Vettel, tal a maior velocidade do carro italiano.

Como explicado, faz todo sentido associarmos essa alteração radical das condições do campeonato, com a Mercedes voltando a dar as cartas, à impossibilidade, agora, de o duplo circuito elétrico do sistema de recuperação de energia cinética, MGU-K, italiano disponibilizar mais potência do autorizado, como bem provavelmente acontecia.

Arrivabene inconformado

O diretor da Ferrari, Arrivabene, deu a entender no autódromo japonês que fará mudanças do grupo na próxima temporada. Depois de afirmar estar extremamente irritado com o erro do time liderado por seu diretor esportivo, Diego Ioverno, afirmou:

- Não é a primeira vez que acontece. É inaceitável. Vamos ver no fim do ano onde estaremos e intervir, se necessário.

O que Arrivabene talvez não saiba é que no paddock se fala muito que sua própria posição está em xeque. Apesar da proximidade com o novo diretor geral da Ferrari, Louis Camilleri, pois ambos vieram da Philip Morris, histórico patrocinador da Ferrari, tudo tem limite. A falta de vivência no automobilismo, dentro de uma escuderia, não como homem do patrocínio, é nítida em Arrivabene, segundo profissionais do meio da F1. Mesmo de fora é possível comprovar.

Informação importante quanto a isso: o ex-presidente, Sérgio Marchionne, falecido dia 25 de julho, segundo se comenta na F1, já havia decidido substituir Arrivabene no fim do ano. É provável que o novo presidente, John Elkann, que até agora seguiu todas as decisões prévias de Marchionne, como trocar Raikkonen pelo jovem monegasco Charles Leclerc, talvez siga com a mesma política, respeitar as escolhas do ex-presidente.

Sobre o erro de estratégia da Ferrari, em Suzuka, Vettel, sincero como sempre, chamou a responsabilidade pela decisão errada de sair no Q3 com pneus intermediários também para si:

- Não importa quem tomou a decisão, eu concordei. Assumimos responsabilidade como equipe. Pensávamos que iria chover e só choveu depois, no fim. Se tivéssemos acertado estaríamos sendo tratados, agora, como heróis.

Melhor estratégia

Para complicar ainda mais as chances de Vettel receber a bandeirada na frente de Hamilton, a escuderia dirigida por Toto Wolff fez com que seus pilotos passassem para o Q3 utilizando no Q2 os pneus macios e não supermacios, como os demais entre os dez primeiros, exceto Romain Grosjean, da Haas, autor de excelente quinto tempo.

A Pirelli distribuiu na 17ª etapa do ano os pneus médios, macios e supermacios

A dupla da Mercedes, se não chover, deverá fazer o pit stop mais tarde dos que vão largar com supermacios, como Vettel e Raikkonen. Em geral, funciona melhor do que parar logo, em especial porque o ritmo do modelo W09 da Mercedes é tão bom no Japão que se assemelha ao da Ferrari com supermacios. Isso tudo significa que, em condições normais, a estratégia prévia da escuderia alemã sugere poder dar melhores resultados.

Haas e STR se beneficiaram de optar pelo uso dos pneus lisos para seus pilotos no Q3. O francês Romain Grosjean, da Haas, larga em ótimo quinto. A seguir vem a dupla da STR, o surpreendente Brendon Hartley, sexto, e o francês Pierre Gasly, sétimo. A Honda colocou no carro da STR em Suzuka, autódromo de sua propriedade, uma nova versão da unidade motriz.

Como eles estão usando as etapas finais do campeonato para realizar pesquisa para a versão que a RBR e a STR vão ter no começo de 2019, faz sentido acreditarmos que a unidade motriz Honda de Suzuka se destine somente a esse evento e não às demais quatro etapas. Isso permitiria a Hartley e Gasly usar e até abusar, diante da torcida japonesa, da versão para apenas um GP e não sete como os demais, já que são três unidades motrizes por piloto para as 21 etapas da temporada.

A largada do GP do Japão será às 2h10, horário de Brasília. Suas 53 voltas podem caminhar ainda mais Hamilton a seu quinto título e a Mercedes à vitória no quinto campeonato de construtores seguido. Mas, como sempre diz Vettel, entre a luz vermelha apagar, autorizando o início da corrida, e a bandeirada, há longos 300 quilômetros pela frente, em que tudo, literalmente, pode acontecer.