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Esporte

'Eu me orgulho de ter levado o nome da minha família tão longe', diz Cielo após Mundial na China

Aos 31 anos, maior nome da história da natação brasileira faz um balanço.

Globo Esporte

17 de Dezembro de 2018 - 14:20

Cesar Cielo saiu do Mundial de Hangzhou com duas medalhas de bronze no peito, mas um sentimento agridoce no íntimo. Porque essa campanha em um torneio deste porte pode ter sido a última de uma carreira recheada de conquistas.

Aos 31 anos, ele se esquiva de cravar a aposentadoria, mas não nega que, independentemente do prazo, ela já bate à porta. O discurso mistura clarões de lucidez de que o tempo no esporte passou com a empolgação de quem acredita que pode mais.

- Agora eu sinto que o final do meu ciclo está chegando.

O problema, explicou o campeão olímpico em uma conversa após o encerramento do Mundial, é que a natação é sua vida. Sua identidade. E é difícil se afastar de tudo o que o moldou.

- Eu não sei o que é final de semana desde os 13 anos porque treino de segunda a sábado. A família inteira está junto por causa da natação. O esporte faz parte da gente. É difícil imaginar esse cenário ficando de lado - disse.

Ele deixará para tomar a decisão, qualquer seja ela, em janeiro. Quer conversar com a família e avaliar se a natação é tão parte de si que o impede de deixá-la por ora.

Enquanto isso, no meio tempo, Cielo afirmou que saboreia o fato de ser o atleta brasileiro com mais medalhas em Campeonatos Mundiais na história.

- Espero que meu filho, o Thomas, um dia entenda o que tudo isso significa.

Porque não foi, ou não é, pouco.

Confira os melhores momentos da entrevista com o nadador:

Foram oito medalhas, recorde mundial, ouros. Mas, para o planejamento rumo aos Jogos de Tóquio, como esse resultado deve ser avaliado?

Um Campeonato Mundial, independentemente da piscina em que ele ocorre, o importante é ganhar medalha. Eu falo para o pessoal que, mais relevante do que ranking, é a medalha, independentemente do tempo final. Você pode ser o primeiro do ranking, mas ter calma, tranquilidade e executar no meio de oito caras que são do seu nível ou melhores é o mais difícil. É o mais importante. Esse tipo de experiência é impagável. A sensação que eu tenho é de que quem fala que Mundial em piscina curta é porque provavelmente ou não está aqui ou não consegue pegar medalha. Medalha de Mundial é medalha de Mundial. Bater na frente em um campeonato desse porte mostra o nível de competidor que a gente tem. Domingo foi um dia muito bom para a gente, várias de bronze, faltou uma de prata ou uma de ouro, mas estar no pódio com Estados Unidos ou alguém da Europa mostra a evolução da natação que a gente tem. É continuar treinando bem, continuar fazendo bons fundamentos, que por sinal é o que a piscina curta exige em termos de boas viradas e boas saídas, levar isso para a piscina longa e ter boas provas de novo. Volto a dizer, não tem que mudar mentalidade. Não tem diferença da curta para a longa. A competitividade é a mesma, os caras que a gente vai ver no ano que vem no Mundial de longa são os mesmos. É só a gente conseguir adaptar a prova, algumas estratégias. Mas eu tenho certeza de que quem nadou bem aqui não tem por que não nadar bem no Mundial da Coreia no ano que vem.

Eu acho que sim. Eu vejo garotos que estão acreditando. A primeira coisa que precisamos fazer é acreditar. Esse revezamento 4x200m, já vínhamos falando dele desde o [Troféu José] Finkel [em agosto]. Eles estavam brincando e dizendo que eu ia nadar com eles, aí falei "gente, os 200m eu não aguento não". E eles dizendo que eu tinha que nadar porque eles iam ganhar. Eu lembro que olhei para eles e pensei "esses caras estão viajando um pouco, né?". E chegou aqui em Hangzhou os meninos bateram o recorde mundial, são o melhor revezamento da história do 4x200m livre. Acho que mais do que qualquer resposta que eu possa dar aqui, a melhor evidência é o resultado. De fato, a coisa está acontecendo. Espero que essa geração nova continue acreditando porque da [piscina] curta para a longa é um pulinho só, os adversários são os mesmos e eu não vejo por que a gente não repetir os resultados no ano que vem.

Você tinha esse Mundial como um marco na sua vida. E agora?

Continua sendo (risos). Consegui minha 18ª e minha 19ª medalhas. Estou satisfeito com o que conquistei esse ano. Foi um ano difícil porque o Mundial era só em dezembro. Então quando começamos a temporada em janeiro eu sabia que seria um ano longo para chegar até aqui. Estou satisfeito. Agora quero dar um tempo para a minha cabeça, quero ver se eu sinto falta da piscina. Lá para o meio de janeiro, se eu não sentir falta, ou se eu sentir, é quando de fato eu vou definir o que vou fazer em relação ao esporte de alto rendimento na minha vida. Mas, independentemente do que eu decidir ali, em relação a resultado eu venho me sentindo mais satisfeito. Por muito tempo eu briguei com a minha carreira, briguei com a piscina, altos e baixos nessa relação. E hoje eu me sinto em paz e satisfeito com mais frequência. Vou te dizer que foi difícil conquistar isso, viu? A personalidade e a mentalidade aqui são duras, viu? Eu briguei comigo por vários dias, vários anos. E agora eu sinto que o final do meu ciclo está chegando. Isso eu não estou escondendo de ninguém. Mas ao mesmo tempo eu sinto que meu corpo pode mais. Agora é questão de querer, porque trabalho duro e disciplina batem talento a qualquer hora. Eu não quero ficar dependendo só de raça ou de talento, eu quero trabalhar da forma que eu acredito, da forma que eu já fiz antes. Então aí vou ver no comecinho do ano que vem se eu volto a treinar ou se esse aqui, de fato, foi meu último Mundial.

Com certeza. Se vocês me perguntarem agora "você vai parar de nadar?", eu vou responder que não. Essa piscina em que a gente competiu era maravilhosa, uma das arenas mais bonitas em que eu já nadei na vida. Uma competição super bem organizada, bonita, em que tudo anda bem, a área de aquecimento é boa. Sair daqui eu não quero, não. Mas, em janeiro, quando a gente bater o pé ali no Brasil e vir que é hora de treinar que eu quero ver. Mas é um prazer estar no meio de caras como o Cameron [van der Burgh, sul-africano que se aposentou no Mundial], poder ter meu nome relacionado com eles de alguma forma. A [Federica] Pellegrini e o Cameron, que são nomes que eu admiro como atleta. Para mim, eu sempre tentei fazer meu melhor, isso acabou virando tudo o que virou. Nem nos meus sonhos mais profundos pensei em nadar até os 31 anos, pensei em conquistar dez medalhas em Mundiais. Poxa, eu queria ser campeão mundial uma vez, e só. E hoje eu olho para trás e vejo que foi com muito talento, muita dedicação, muita raça, muita vontade, tudo combinado, que deu certo. Fico muito feliz de poder olhar para trás e ver isso que construí. Espero que meu filho um dia entenda o que tudo isso significa. A natação é minha identidade. Eu sou nadador. Então o mais difícil dessa decisão de parar é isso, meio que deixar essa identidade um pouquinho de lado. É uma coisa que pesa. É uma coisa que eu escutei uma vez de um jogador de futebol: que a gente morre duas vezes como esportista. A parte mais difícil é essa, imaginar que tem um lado meu que vai ficar no cantinho. QUe, embora eu olhe para ele com carinho, vou ter que deixar ele no cantinho. Não vou ter mais a adrenalina que eu sentia, não vou ter mais o dia a dia, os desafios de treino, desafios pessoais de me superar. Passa para uma esfera completamente diferente. Então, eu acho que essa é a parte mais difícil.

É difícil imaginar a piscina fora da sua vida?

Como já disse antes, é o período mais difícil da minha carreira, sob esse aspecto. Imaginar minha vida fora da piscina diariamente. Agora é até difícil falar. Eu não sei o que é final de semana desde os 13 anos porque treino de segunda a sábado. A família inteira está junto por causa da natação. O esporte faz parte da gente. É difícil imaginar esse cenário ficando de lado, mas ao mesmo tempo há uma satisfação de estar entre os maiores, com meu nome entre os maiores, que não tem preço. Eu me orgulho de ter levado o nome da minha família tão longe.