Brasil
"O Brasil não está preparado para o controle efetivo do porte de drogas"
O titular da Sejusp fala do debate sobre a descriminalização das drogas.
Correio do Estado
09 de Setembro de 2023 - 11:00
Com debates que já duram oito anos, o Supremo Tribunal de Justiça voltou a julgar, em agosto deste ano, a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo próprio.
O objetivo é a reintegração da legislação já em vigor desde 2006 sobre o uso e o tráfico de drogas, que estabelece que a posse de entorpecentes é crime, no entanto, não é passível de punição com prisão.
Na última discussão, realizada no dia 25 de agosto, o julgamento foi novamente paralisado, após o ministro André Mendonça fazer pedido de vista do processo. Atualmente, o placar está em cinco votos a favor da descriminalização e um contra.
A favor estão Gilmar Mendes (relator), Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Contra, apenas Cristiano Zanin.
Os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux ainda não votaram.
Para o titular da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Antonio Carlos Videira, com a descriminalização, o Estado e o País podem ser fortemente afetados com o aumento do tráfico de drogas, já que ainda não estão preparados para uma fiscalização efetiva.
Além disso, o sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul apresenta números alarmantes no que diz respeito aos encarcerados por delitos ligados a tráfico de drogas e associação criminosa.
De acordo com os últimos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 13.977 presos estão envolvidos com tráfico de drogas no Estado, enquanto 2.852 foram detidos por associação para o tráfico.
Do total, a maioria é de homens com idade entre 30 anos e 40 anos que foram presos por tráfico e não participam de nenhuma associação criminosa.
“Mato Grosso do Sul faz fronteira com o Paraguai e a Bolívia e, com isso, acaba sendo corredor e rota de drogas que têm como destino outros estados e países”, destaca o secretário.
O sistema carcerário de Mato Grosso do Sul é composto por um total de 130 estabelecimentos penitenciários, responsáveis por abrigar a população carcerária do Estado.
No entanto, as estatísticas mais recentes mostram esses locais têm 9.394 vagas, enquanto o número de presos alcança alarmantes 18.396 pessoas, resultando em um deficit de 7.504 vagas.
Está em discussão a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, já previsto em lei desde 2006, mas normalmente não cumprido, com tentativas de definir a quantidade de maconha que diferencia o tráfico do consumo próprio. Como essa decisão pode afetar o Estado?
O reflexo será o aumento da criminalidade, uma vez que o Brasil ainda não está preparado para o controle efetivo dessas pequenas quantidades para consumo pessoal, e as organizações criminosas podem explorar essa vulnerabilidade.
No Estado, a maioria dos presos está encarcerada em razão do tráfico de drogas. Por que esse tipo de crime é tão comum em Mato Grosso do Sul? Em que o aumento desse tipo de crime impacta o Estado?
Mato Grosso do Sul faz fronteira com o Paraguai e a Bolívia e, com isso, acaba sendo corredor e rota de drogas que têm como destino outros estados e países.
Tanto é que Mato Grosso do Sul é hoje líder nacional de apreensão de drogas, com mais de 260 toneladas tiradas de circulação até o dia 21 de agosto.
E essa eficiência das polícias acaba tendo muito impacto na segurança pública, como o aumento no volume de procedimentos policiais, como inquéritos policiais, aumento do número de incinerações de drogas e, consequentemente, aumento da massa carcerária. Há um impacto direto também no caixa do Estado, que arca com o custo desses presos.
No Brasil, o Ipea divulgou um estudo que indica que o perfil da maioria dos presos por tráfico era de pessoas pretas e moradoras de favelas. Isso também se reflete no Estado? Esse perfil está associado às prisões por esse tipo de crime?
Não reflete, não há esse perfil, uma vez que a grande maioria dos presos do tráfico são pessoas de outros estados, que acabam sendo abordadas e presas em Mato Grosso do Sul durante o transporte de drogas.
Muitos dos presos de Mato Grosso do Sul também não fazem parte de alguma facção criminosa ou organização para o tráfico de drogas. Por que isso ocorre?
Porque as grandes organizações criminosas estão concentradas e atuam nos grandes centros brasileiros, como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, e Mato Grosso do Sul é apenas corredor [para escoamento das drogas].
O Estado busca, por meio do Supremo Tribunal Federal,
uma ajuda com os custos para manutenção dos presos por tráfico, em razão de serem de outros estados ou países. Qual o andamento dessa ação? Há algum indício de que o Estado receberá essa verba da União? Qual o valor de custeio de um preso atualmente no Estado?
A ação já foi encerrada, e o Supremo entendeu que, enquanto não existirem presídios federais somente para presos do tráfico de drogas, esses presos devem ficar em presídios estaduais.
Temos hoje 20.809 presos em Mato Grosso do Sul, e cada um deles custa ao Estado em torno de R$ 2.000 por mês.
De acordo com dados do CNJ, Mato Grosso do Sul tem enfrentado crises carcerárias e superlotação nos últimos anos. Qual a atual situação dos presídios do Estado? Ainda há uma crise carcerária? Como isso pode ser resolvido?
Nos últimos anos, foram entregues duas novas unidades prisionais no Complexo da Gameleira, com capacidade para mais de 1.200 presos. Há mais uma unidade feminina em construção, também na Gameleira, com mais 407 vagas.
Além disso, nos últimos anos houve investimentos focados na reestruturação das unidades prisionais em todo o Estado, com reformas e ampliações.
Ademais, estão em andamento investimentos, tanto do governo do Estado como do governo federal, de mais de R$ 105 milhões, que serão empregados tanto em ampliações como em construções de novas unidades prisionais, principalmente no interior do Estado, para que os presos possam cumprir suas penas no local e região onde moram.
Houve ainda um reforço de 912 novos policiais penais, que foram contratados pelo governo do Estado por meio de concurso público, realizado nos últimos anos, que contratou todos os aprovados em todas as fases do certame.
Perfil
Antonio Carlos Videira
Antonio Carlos Videira ingressou na carreira na área de segurança pública em 1990, quando foi aprovado no concurso para escrivão de polícia e, no mês de outubro daquele ano, tomou posse na Delegacia de Polícia Civil de Fátima do Sul.
Atuou no Grupo de Operações de Fronteira (GOF), na época comandado pelo coronel da Polícia Militar Adib Massad, onde permaneceu até 1999. Em 1995, concluiu o bacharelado em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) e, na sequência, cursou pós-graduação em Processo Civil, também na Unigran.
Aprovado no concurso para delegado de Polícia Civil, assumiu no ano 2000 a Delegacia de Polícia Civil de Jateí, onde permaneceu por três anos. Em 2003, foi transferido para o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), onde ficou locado até assumir a Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Fronteira (Defron).
Em 2011, passou a ocupar o cargo de delegado regional da Polícia Civil de Dourados. Em 2015, a convite do então governador Reinaldo Azambuja, passou a ocupar o cargo de superintendente de Segurança Pública da Sejusp. Neste ano, Videira foi nomeado secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, assumindo a Sejusp a convite do governador Eduardo Riedel.