Esporte
Conheça a bolsa de estudos criada para jogadores de basquete "ruins"
Qualquer pessoa em um time de basquete universitário pode se inscrever.
Globo Esporte
20 de Dezembro de 2018 - 08:42
"Eles são bons jogadores", defende Mark Titus. "Eles só não são tão bons quanto os principais jogadores do basquete universitário, por isso jogam pouco e não recebem bolas de estudo". Esse é o mundo dos "walk-on", termo em inglês para identificar o jogador de um time universitário que não foi recrutado, mas se matriculou na instituição de ensino, fez testes e acabou encontrando uma vaga na equipe. Qual a diferença? Nada de bolsa de estudos, ou seja, ele paga sua mensalidade como um aluno qualquer. E é nisso que Mark Titus quer ajudar.
Ex walk-on na tradicionalíssima universidade de Ohio State, Mark está nos estágios finais para criar uma bolsa de estudo destinada a esses jogadores. Titus ficou famoso com o seu livro contando sua experiência como reserva em uma grande equipe da NCAA e agora quer ajudar quem é "esquenta banco" como ele foi. Qualquer pessoa em um time de basquete universitário nos Estados Unidos vai poder se inscrever e o escolhido terá todo o seu ensino pago.
- Comecei a bolsa porque sentia que precisava retribuir aos walk-ons. Sem a minha experiência como walk-on em um time de basquete universitário eu não teria a carreira que tenho hoje. Consegui subir na vida e precisava ajudar quem está começando da mesma forma que eu - disse Mark Titus em entrevista ao GloboEsporte.com.
Quem é Mark Titus?
Era pré-temporada em agosto de 2009 e o time de basquete de Ohio State, os "Buckeyes", disputava um amistoso no Canadá. Faltavam cinco minutos para o fim da partida e a equipe americana vencia por mais de 50 pontos. Essa é a oportunidade pela qual todo "esquenta banco" daria a vida, de ganhar seus minutos, mostrar serviço e quem sabe expandir seu papel na equipe. Quando o treinador chegou perto de Mark Titus para avisá-lo que ele iria entrar, o jogador foi sincero: "Professor, estou com uma baita dor de barriga desde ontem, não quero entrar para correr. Tem como, ao invés disso, eu jogar amanhã?". Matta riu e colocou outro atleta em campo.
Essa é a história de abertura do livro "Não me coloque em quadra, treinador". Escrito por Mark Titus, ele retrata a sua passagem pelo basquete universitário como um "esquenta banco" nada comum. Mark não perdia oportunidade de provocar as grandes estrelas do time, algumas que ainda jogam na NBA atualmente, e não fazia tanta questão assim de entrar em quadra. Esse seu estilo irreverente o transformou em uma das principais vozes do basquete universitário nos Estados Unidos, escrevendo para o site "The Ringer" e apresentando o "One Shinning Podcast".
Mas não pense que Mark Titus não era um bom jogador de basquete. Ele jogou em um dos melhores times colegiais dos Estados Unidos, junto com futuras estrelas da NBA como Mike Conley (armador do Memphis Grizzlies), Greg Oden (primeira escolha geral do Draft de 2007), Eric Gordon (melhor sexto homem da Liga), para citar alguns. Essa equipe dominava seus adversários, isso jogando contra caras como Kevin Love, Russell Westbrook e OJ Mayo (na época uma das grandes promessas do basquete).
- Eles eram incríveis, nós éramos um grande time. Dava para notar desde cedo que eles estavam em outro nível, mas ao mesmo tempo era estranho porque eu joguei com eles a minha vida toda. Eu sabia o quão bom eles eram, mas conseguia jogar contra eles em alguns cenários. Quando eles explodiram e foram para a NBA, foi confuso porque eu pensava “há dois anos eu jogava com eles”. Eu achava que era tão bom quanto eles, mas não é verdade, isso é estranho - admite.
O Clube do Trilhão
Apesar de ter feito parte dessa grande equipe, Mark Titus não foi recrutado pelas principais universidades dos Estados Unidos e acabou decidindo se matricular em Ohio State para seguir seus amigos Greg Oden e Mike Conley, que chegavam com status de grande recrutas. Essa sua amizade com as duas estrelas da equipe, somada às lesões antes da temporada começar, fizeram Titus conseguir uma vaga como walk-on.
- Não foi fácil me adaptar ao papel no time, eu queria ter lidado melhor com essa situação. O ideal é aceitar e apoiar seus companheiros. No primeiro ano a gente foi até a final, então não me importei com o fato de não jogar, mas no segundo nós não éramos muito bons e ainda assim eu não jogava. Demorou bastante para eu perceber que não era tão bom quanto pensava. Quando eu estava no colégio as pessoas me paravam para falar o quão bom eu era jogando basquete e quando cheguei na faculdade percebi que não era tão bom quanto eu pensava. Precisei reprogramar meu cérebro e montar uma nova identidade. Tive que começar do zero, foi difícil, mas correu tudo bem - explicou.
A carreira de Mark Titus
Temporadas | Minutos em quadra | Pontos | Rebotes |
4 | 48 | 9 | 5 |
A forma que Mark encontrou para lidar com a sua nova situação foi criar o blog "Clube do Trilhão". O trilhão era um termo que já existia anteriormente, que descreve um jogador que teve minutos em quadra, mas não registrou nenhuma estatística. Ou seja, tem um número simples na frente (no tempo de jogo) e uma longa sequência de zeros, formando o trilhão.
Titus percebeu que nas poucas vezes que entrava em quadra, a torcida queria ele tentasse arremessos, mais do que qualquer outra coisa. Isso o deixou ofendido, já que se julgava ser um bom jogador e uma cesta não seria algo para comemorar tanto. Por isso criou o blog "Clube do Trilhão", que não só servia para contar suas histórias em Ohio State mas também para exaltar o "Trilhão", o que permitia a ele também não dar a "satisfação" aos torcedores.
- Eu abracei a ideia do trilhão porque foi o meu jeito de decidir que não entraria mais nessa relação com a torcida. Provavelmente não foi a melhor atitude, mas tentei fazer humor com isso. Começou comigo não querendo dar à torcida o que eles queriam, que era que eu arremessasse quando entrava em quadra - contou.
Alvo nº1 das provocações: Evan Turner
Já estabelecemos que Mark Titus não era um "esquenta banco" como outro qualquer. Abusado, ele nunca fugiu de pegar no pé das grandes estrelas que passaram pelo time nesses quatro anos. E nenhuma sofreu mais nas mãos de Titus do que Evan Turner. Sim, aquele que hoje defende o Portland Trail Blazer, que foi eleito o melhor jogador do basquete universitário em 2010 e no mesmo ano foi o segundo escolhido no Draft da NBA. Os dois realmente não se gostavam.
- Começou como algo real. Eu realmente não gostava dele e ele não gostava de mim, foi assim por anos. Quando escrevi o livro a gente ainda não se gostava, mas fizemos as pazes depois disso. Nós não somos melhores amigos, mas nos damos bem. Na perspectiva dele eu era o cara que brincava muito e não levava basquete a sério, enquanto ele me desrespeitava por ser walkon e não tinha bolsa de estudos, o que me fez perturbá-lo mais ainda, e acabávamos batendo de frente.
Em uma passagem do livro, Titus conta como Thad Matta, técnico da equipe, usava essa rivalidade para tentar ajudar Evan Turner a melhorar seu temperamento explosivo. Matta costumava colocar Mark para treinar lances livres com Turner, dando carta branca para o reserva provocar o titular e fazer com que ele perdesse a cabeça.
- Eu gosto de pensar que essas provocações o ajudaram a se tornar um jogador melhor mentalmente - brinca Titus.
A bolsa de estudo - precisa ser ruim?
A resposta dessa pergunta é não. Nem todo walk-on é ruim, e também não precisa ser um esquenta banco como Mark foi para garantir a educação sem custos. Se o estudante/atleta se tornar bom o suficiente para ganhar bolsa da sua universidade, a "Club Trillion Scholarship" vai passar para outro. O objetivo é ajudar um jogador que realmente precise.
- Eu me torneio um dos walk-ons mais famosos na história do basquete universitário, se não o mais famoso, então com essa notoriedade tenho essa responsabilidade de agradecer quem me fez chegar nesse ponto. Eu conversei com alguns outros ex walk-ons de basquete e vamos criar um comitê para votar em quem se inscrever para ganhar a bolsa - explica Mark.
O basquete universitário é uma grande paixão em diversas regiões dos Estados Unidos, chegando em alguns lugares a ultrapassar a popularidade da NBA. Não é apenas uma categoria de base para os profissionais. E tem gente, assim como Mark Titus, que joga (ou melhor, fica no banco) apenas pela experiência de fazer parte de um grande time, sem receber nada. Eles podem não pular alto, arremessar de três ou defender bem, mas um sortudo terá seus estudos pagos pelo criador do Clube do Trilhão sem precisar suar.