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Mano abre o jogo: Seleção, Neymar, Ronaldinho, Ganso... e muito mais
Treinador afirma que não é o momento de chamar o atacante do Fla e que astro do Santos tem tudo para se tornar um dos craques do futebol mundial
Globo Esporte
26 de Maio de 2011 - 08:00
Ele fala pausadamente. Mede cada resposta, fitando, com os olhos tremendamente azuis, o olhar do interlocutor. Preparo. Método. Luiz Antônio Vencker Menezes transpira método. E transmite preparo. Há sete anos, nem em seus sonhos mais destemidos ele imaginaria estar onde está. Não imaginaria que seu apelido - Mano - estaria na boca de cada brasileiro. Que seu olhar compenetrado se espalharia por jornais do país inteiro. Mas Mano Menezes chegou - e como chegou.
Dedicado, compenetrado e direto - o treinador, que assumiu a Seleção Brasileira após a derrota na África do Sul, renovou a Seleção em diversos sentidos. Jogadores, estilo, hábitos - tudo mudou. As semelhanças entre a Era Dunga e a Era Mano começam e terminam no sotaque. São dez meses de trabalho - e dois amistosos antes da primeira competição oficial. Holanda, no dia 4 de junho, no Serra Dourada, em Goiânia, e Romênia, no dia 7, no Pacaembu, em São Paulo, são aperitivos para o primeiro grande teste de Mano: a Copa América.
Para falar desses dez meses - e do que vem pela frente, o treinador recebeu a reportagem do GLOBOESPORTE.COM em seu condomínio na Praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Num dia de céu azul, um elegante Mano de camisa azul falou sobre Neymar, Paulo Henrique Ganso, Kaká, Conca, Ronaldinho, Copa América, adversários, Dunga, preparação, futebol bonito etc. A entrevista, que foi realizada antes da primeira rodada do Campeonato Brasileiro, será publicada em três partes. A primeira você pode conferir a partir de agora:
GLOBOESPORTE.COM: Após a convocação, chamou a atenção a ausência de perguntas na entrevista coletiva sobre Ronaldinho. Isso te surpreendeu?
Em relação ao Ronaldinho, existe um entendimento geral de que esse não é o momento. Se ele vai voltar a ter o momento, isso vai depender única e exclusivamente do Ronaldinho. E como a expectativa da chegada dele ao Flamengo foi bastante grande, o torcedor ainda não está satisfeito com o resultado final. Ali na frente, ele pode ficar mais satisfeito com o resultado final, aí ele pode querer o Ronaldinho na Seleção e provavelmente, se essas questões todas mudarem, o técnico também vai querer. Sinceramente, não sou cobrado com veemência para que convoque esse ou aquele. As pessoas estão entendendo que o trabalho é coerente. Sempre tem aquele torcedor mais apaixonado que pede o seu jogador na Seleção Brasileira e acho isso positivo. Mas as pessoas estão vendo o trabalho com o respeito que eu gostaria.
GLOBOESPORTE.COM: Além da ausência do Ronaldinho, você também não convocou o Marcelo, lateral-esquerdo do Real Madrid. As declarações do jogador pesaram?
As pessoas podem até não cobrar, mas um outro nome têm sido citado pelas ruas, não?
Quando o Fluminense foi campeão brasileiro, o torcedor do Flu pedia muito o Conca na seleção. E isso é o sentimento natural da paixão. É o seu maior jogador, o escolhido, o craque. Infelizmente, nesse caso, não é possível.
O brasileiro valoriza pouco o desarme e mais a posse de bola. Mas temos uma geração que tem buscado o desarme. É por aí mesmo?
É bom estabelecermos uma diferença bastante clara. Não há dúvida que o brasileiro, como um todo, gosta de ataque. E não é só no futebol. No basquete, o povo gosta muito mais da cesta do que da briga pela bola para fazer a cesta. Nós valorizamos o produto final. No futebol valorizamos muito o gol e quem faz o gol. Mas para fazê-lo existe uma questão básica. Você só faz o gol com a bola, então precisa tê-la. Ou manter a posse se bola - como faz por exemplo o Barcelona, a seleção da Espanha. Mas você muitas vezes não consegue manter na mesma proporção, porque não tem a qualidade de equipe para poder fazer isso. Então você trabalha com o futebol de retomada, transição e contra-ataque. Eu acho que é possível fazer das duas maneiras, mas existe uma diferença da retomada de bola também.
Existem diferenças do Brasil atual para o de outras Copas do Mundo. Na Copa de 94, o Brasil era especialista em retomar bolas - e isso não é pouco valorizado?
O Brasil do Mauro Silva e do Dunga não retomava a bola no campo do adversário, porque tínhamos dois atacantes que não participavam dessa retomada: Bebeto e Romário. Em função disso, o Parreira foi escolher a maneira de fazer essa retomada um pouco mais atrás. Então o Brasil, tradicionalmente, compôs, se organizou, marcou por zona, e quando da retomada de bola, estava pronto para o ataque que gostamos tanto. O Barcelona e a Espanha fazem a retomada no campo do adversário, então isso exige a participação imediata dos atacantes. Como filosofia, o jogador que perdeu a bola é o primeiro jogador a combater para retomada. Mas isso é uma cultura, e quando falamos isso para um jogador brasileiro, para um atacante brasileiro, ele mesmo tem arrepio.
Essa postura tem mudado nos clubes?
A maioria dos técnicos brasileiros está trabalhando assim já, com mais veemência nos clubes. Nossos jogadores se conscientizaram mais disso, porque tiveram problemas na Europa, porque começaram a ser reservas por não querer participar desse processo. Eu me lembro que um ou dois anos atrás, eu vi uma entrevista do Luis Fabiano quando ele estava vivendo um momento muito bom no Sevilla. E ele se referiu exatamente a essa questão, de ter tido muitos problemas no Porto por não marcar - e porque ele se transformou num dos principais atacantes da Europa e da Seleção Brasileira. Era porque ele começou a fazer parte desse processo de retomada.
O Muricy disse na festa do Paulistão que o Neymar é um craque e está caminhando para ser um gênio. Acha que é precipitado esse rótulo?
O brasileiro gosta de rótulos e não vamos eliminá-los. O torcedor gosta, precisa de jogadores como o Neymar para continuar tendo essa paixão incrível que ele tem pelo futebol, essa paixão que nos move, que nos fez cinco vezes campeões do mundo, então não vejo necessidade nenhuma de não fazermos isso de períodos em períodos para determinados jogadores. Eu procuro ter o cuidado, porque a nossa exigência deve ser alta, porque nos acostumamos assim, exatamente vendo os grandes jogadores que sempre produzimos. Para mim o craque é aquele que decide o jogo quando todo mundo espera que ele vá decidir o jogo. O craque decide o jogo quando todo mundo resolve marcá-lo para que ele não decida. E isso com consistência. Um jogo, dois jogos, um campeonato, dois campeonatos, um ano, dois anos, três anos. Então, é assim que procuro me definir quanto essas questões de rótulo. E Neymar está caminhando mesmo para isso. Agora, para se transformar nesse craque que achamos que ele tem potencial, ele tem de fazer isso em outro patamar. E as oportunidades vão vir agora com a Seleção Brasileira, com o Santos na Libertadores, porque a exigência é exatamente essa. E as coisas vão começar a acontecer em outro nível para ele agora.
Pretende explorar o entrosamento de Lucas e Neymar na Copa América?
Os dois jogadores estão convocados. Para ter uma equipe forte, você precisa ter o equilíbrio dessa juventude toda, com talento, com os jogadores que já fizeram parte de trajetórias vencedoras e até algumas com derrotas marcantes. Os jovens, às vezes, enxergam mais as vitórias, acreditam que são sempre possíveis, e não têm receio de absolutamente nada. Essa falta de um receio faz com que você se atire de peito aberto em todas as situações e é bom ter alguém do lado, que já passou por uma derrota forte, para dizer para ir mais devagar que do outro lado também tem gente de qualidade. Para dizer que é a hora de dosar, de colocar os pés no chão na hora da euforia. Na hora das críticas, o que pode vir a acontecer, afirmar que você não deixou de ser qualificado, de ser o cara importante, acendendo essa força interior, essa motivação. Acho importante ter tudo isso no grupo, sabendo o momento certo de aproveitar tudo isso. A única coisa que eu não posso deixar acontecer é perder a evolução desses jogadores. O Neymar está em um estágio à frente do Lucas, mas tenho que aproveitar esse momento e fazê-los chegar a 2014 muito fortes e bem preparados para disputar uma Copa do Mundo. Essa é a missão que tenho.
Essa geração é talentosa. Você acha essa geração homogênea ou as revelações são esporádicas, apenas em algumas posições?
Temos um número muito grande de talentos em todas as posições e isso criou uma expectativa muito positiva. O sub-20, quando iniciou, reuniu um grupo de alta qualidade para jogar a vaga no Mundial e na Olimpíada. Já tínhamos expectativas altas sobre o Neymar e nem tão altas sobre o Lucas. Quando terminou a competição, os dois jogadores estavam praticamente no mesmo nível. Além deles, ainda surgiram o Casemiro, o Alex Sandro, o Danilo. Você vai vendo que outros jogadores se aproximaram desse nível alto e se criou uma perspectiva para a continuação deles na Seleção principal. Em um primeiro momento trouxemos Lucas e Neymar, que já havia feito parte das primeiras convocações. Na Seleção Olímpica, nós vamos usar um número maior deles. O somatório disso é que vai ser importante porque teremos ao lado dos jogadores com uma trajetória maior o famoso equilíbrio, a maturidade da equipe, para que a seleção seja confiável e se torne uma favorita para conquistar o título da Copa do Mundo de 2014.
Essa geração tem demonstrado personalidade, o Neymar e o Ganso em especial. Tivemos o caso célebre da final do Paulista de 2009, em que o Ganso se recusou a sair e decidiu o jogo...
Essa questão da personalidade é individual. Isso você não coloca no jogador. Ou ele tem, ou não tem. Existe o jogador que no momento mais difícil dá uma sumida do jogo. Outros crescem. Isso não tem idade. É questão de personalidade. Discordo daquela questão da final do Campeonato Paulista, discordo bastante. Uma coisa é ter personalidade e outra é indisciplina. Indisciplina não cabe em trabalho nenhum. Ela nunca termina bem. Demora um pouco mais, mas vai aparecer ou vai deixar uma feridinha aberta, que lá na frente pode se transformar em algo maior e sempre vai ser prejudicial. Não sou radical na questão do relacionamento, sou um técnico aberto porque penso que o jogador precisa assumir a responsabilidade dentro do trabalho. Para ele assumir, ele precisa ser ouvido e quando falar, falar com responsabilidade porque precisa entender o seu papel no grupo. Não tenha duvida que isso é diferente em alguns jogadores e essa diferença os faz ficar maiores. Basta deixar claro que isso precisa ser sempre em favor do bem maior.
Você acha que Ganso errou?
Quando você está de fora, você nunca tem todas as informações de como aconteceu algo dentro de um jogo de futebol. Aquela resposta pode ter sido absolutamente normal. Alguém poderia estar perguntando se ele queria sair e ele respondeu para conferir informação. Ele pode ter feito um sinal que não havia necessidade de fazer. A maneira como o assunto foi tratado pela imprensa é que eu não concordo. A grande maioria naquele momento considerando que ele não quisesse sair achou que era uma questão de personalidade. Se mesmo você quiser ficar e o comandante achar que você deve sair, bom, você não pode inverter as ordens das coisas, não é mesmo?