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Mato Grosso do Sul

Em meio a conflitos, Guarani Kaiowá em MS ganham gabinete de crise

Indígenas da região sul do Estado registraram pelo menos 14 conflitos.

Correio do Estado

26 de Setembro de 2023 - 14:49

Em meio a conflitos, Guarani Kaiowá em MS ganham gabinete de crise

Indígenas Guarani Kaiowá, não diferente de demais povos originários brasileiros, tem seus direitos humanos violados há tempos, sendo instituído na manhã desta terça-feira (26) um Gabinete de Crise para acompanhar a situação no sul do Estado e propor medidas pacificadoras.

Conforme publicado em Diário Oficial da União (DOU) na manhã de hoje (26), esse gabinete terá representantes do gabinete de Sonia Guajajara (PSOL); das secretarias executiva e de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas; da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Além destes, o gabinete será coordenado pelo Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas e contará com membros das seguintes entidades:

  • Ministério da Justiça e Segurança Pública;
  • Ministério de Direitos Humanos e Cidadania;
  • Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar - MDA;
  • Governo do Estado do Mato Grosso do Sul;
  • Defensoria Pública da União - DPU;
  • Ministério Público Federal - MPF;
  • Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA;
  • Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH;
  • Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB; e
  • Aty Guasu Guarani Kaiowá.

Esse grupo ficará encarregado de diagnosticar as violências e violações de direitos dos Guarani Kaiowá, presentes na região sul de Mato Grosso do Sul, assim como apresentar medidas concretas que mirem a pacificação dos conflitos locais.

Subsecretário de Políticas Públicas para Povos Originários, Fernando Souza confirma que a questão territorial é sim um dos principais geradores de conflitos no Estado e que, apesar da diversidade cultural de Mato Grosso do Sul, é preciso uma inclusão de diversos populações nos planos municipais e políticas públicas.

"A população sul-mato-grossense é composta de várias cores, no entanto, ainda há uma invisibilidade de algumas dessas cores, e uma delas é a população indígena. A gente precisa avançar nesse quesito desde o âmbito municipal, estadual e no federal, de modo que esses grupos sejam postos dentro dos planos municipais, estejam pensando políticas públicas sociais, básicas para essa população", comenta.

Ele cita que esse gabinete de crise é um caminho para solução de problemas e promoção de diálogos, pela composição interministerial, com representantes de outros entes federados e vários segmentos organizados.

Por determinação, o gabinete atuará em reuniões quinzenais, por seis meses, trabalho que poderá ser renovado por outros 180 dias caso necessário.

Situação local

Anualmente o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) elabora o relatório "Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil", que registrou 158 conflitos por direito à terra em 2022, e outras 309 invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, por pelo menos 218 Terras Indígenas de 25 Estados brasileiros.

Conforme o relatório, dos 158 conflitos sobre direitos de terra, 18 aconteceram em Mato Grosso do Sul e, pelo menos, 14 envolveram povos Guarani Kaiowá.

Além disso, dos 309 casos registrados como invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, 12 situações aconteceram em Mato Grosso do Sul, sendo metade envolvendo esses povos originários do sul do Estado.

Nessas situações enquadram-se casos como: contaminação por meio de agrotóxicos, muitas vezes pulverizados de maneira aérea sobre as Terras Indígenas de MS; incêndios criminosos; invasão e danos ambientais.

Classificado como um problema crônico e agudo, o subsecretário pontua que esses conflitos territoriais poderiam há muito ter sido atenuados, caso houvesse coragem por partes dos Governos Federais em pacificar conflitos entre indígenas e ruralistas.

"Enquanto isso não for tratado de forma responsável, a fazer cumprir o que manda a legislação atual, a gente sempre vai estar fazendo esse enfrentamento. É fato que a população indígena tem o seu direito com relação a ter o seu território demarcado para garantir a sobrevivência física e cultural", aponta ele.

Mato Grosso do Sul é citado no relatório como um dos lugares marcados pela reação violenta do agronegócio à luta dos povos indígenas, com exemplo do assassinato brutal de Alex Recate Vasques Lopes, de 21 anos, numa área contígua à Reserva Indígena de Taquaperi, em Coronel Sapucaia (MS).

Em decorrência dessa morte, uma série de retomadas foram iniciadas pelos Guarani e Kaiowá, em reação também às demarcações de terras paralisados “e ao confinamento dos indígenas em diminutas reservas no estado”, afirma o documento do Cime.

“A contraofensiva ruralista, com apoio das forças de segurança do estado, ocorreu por meio de uma série de ataques armados e emboscadas, que deixaram vários indígenas feridos e resultaram no assassinato de outras três lideranças Kaiowá vinculadas ao tekoha Guapoy, em Amambai (MS): Vitor Fernandes, em junho; Márcio Moreira, em julho; e Vitorino Sanches, em setembro”, expõe.

Demais violências

Entre as violências sofridas pelos Guarani e Kaiowá no último ano, o Cimi relaciona aplicações de agrotóxicos por pulverizações aéreas, que deixam os povos vulneráveis; incêndio criminoso em posto de saúde e até mesmo danos ambientais que envolvem a destruição de plantas medicinais.

Ainda neste mês houve a morte de um casal indígena, onde uma rezadeira e seu marido foram carbonizados em uma casa de reza, sendo que, mais recente, o próprio Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de Mato Grosso do Sul, o CDHU-MS alertou para um aumento dessa violência e intolerância.

"Foram, pelo menos, 17 casas de rezas indígenas incendiadas nos últimos cinco anos, sem que se tenha notícia de que os autores fossem identificados e/ou responsabilizados. Nesses últimos anos cresceu vertiginosamente o número de parteiras, rezadores (as) perseguidas e demonizadas, assim como as pessoas que seguem religiões tradicionais indígenas sendo atacadas e xingadas por seus vizinhos e vizinhas que não professam a fé tradicional", diz trecho do relatório. 

Dos impactos sociais e ambientais que preocupam inclusive a subsecretaria, Fernando fala de problemáticas com relação ao agrotóxico, queimada, destruição do meio ambiente por meio de derrubadas de matas ciliares e até mesmo da vegetação predominante no Mato Grosso do Sul (Pantanal e Cerrado).

"Para dar lugar ao que chamamos de desenvolvimento com a implementação da agropecuária no Estado. Então isso tem sido outro impacto que tem nos preocupado e vem trazendo também riscos a saúde da população indígena, ao meio ambiente e a um desenvolvimento sustentável da nossa população", cita.

Por fim, o subsecretário frisa que essa busca por direitos mútuos não passa só por uma decisão do Executivo e por investimentos, mas envolve também o Judiciário que, por sua vez, apresenta morosidade nas tomadas de decisão e parecer de relatórios.

"Vamos tratar de um problema que se arrasta há séculos aqui no nosso estado, e isso, com certeza, não se resolve da noite para o dia.  Este grupo vai apresentar suas proposições, só que a efetivação pode perdurar anos, e anos mesmo, porque não vai ser num estalar de dedo ou passe de mágica", conclui.