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Mato Grosso do Sul

Marco temporal pode acabar com 26 terras indígenas que estão regularizadas

Pode impedir que outras 34 terras reivindicadas pela população nativa saiam do papel.

Correio do Estado

01 de Junho de 2023 - 10:15

Marco temporal pode acabar com 26 terras indígenas que estão regularizadas
Força Nacional atuou, em 2016, durante conflito por terras entre indígenas e fazendeiros, em Caarapó - Foto: Valdenir Rezende/Arquivo.

A aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) 490/07, que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, pode acabar com 26 territórios já homologados e regularizados em Mato Grosso do Sul.

Isso porque, de acordo com o PL, uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que os povos originários estavam no local antes ou na data de promulgação da atual Constituição Federal, que ocorreu no dia 5 de outubro de 1988.

Qualquer demanda por demarcação que não se encaixe nesse recorte deve ser automaticamente rejeitada.

A medida foi encaminhada para o Senado e, caso aprovada, deve causar grande quantidade de ações na Justiça por parte de fazendeiros, solicitando a revisão de áreas que já haviam sido demarcadas e até regularizadas (último processo para que a posse da terra seja concedida aos indígenas).

Em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existem 33 terras com a posse dos indígenas confirmada (sendo 4 homologadas e 29 regularizadas). Desse total, 26 terras podem sair da posse dos povos nativos para voltar à de fazendeiros que tiverem documentos das áreas.

Isso pode ocorrer porque nessas localidades dificilmente havia indígenas residindo durante a promulgação da Constituição Federal. Matias Hempel, funcionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lembrou que entre os anos de 1915 e 1970, principalmente durante a ditadura militar, os povos nativos foram confinados à força pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em reservas.

Para tanto, foram criadas oito áreas no Estado para onde os indígenas foram levados: Aldeia Limão Verde, em Amambai; Amambai, localizada na cidade de Amambai; Dourados ou Jaguaripu e Bororó, que ficam em Dourados; Pirajuí, em Paranhos; Porto Lindo, em Japorã; Sassoró, em Tacuru; e Taquaperi, em Coronel Sapucaia.

Há ainda também a Terra Indígena de Lagoa Rica, em Douradina, porém, ela está dentro de uma área maior, na Aldeia Panambi-Lagoa Rica, que, por ter solicitado a ampliação de sua área, encontra-se hoje delimitada, aguardando ser declarada.

As fases do processo de demarcação de terras indígenas são as seguintes: estudo, delimitação, declaração, homologação, regularização (após o decreto presidencial) e interdição (usado para povos indígenas isolados, sem nenhum caso em MS).

Mato Grosso do Sul tem 17 terras indígenas em estudo (número maior que o apresentado em reportagem anterior pelo acréscimo da Terra Indígena Vitoi Kuê, entre Japorã e Mundo Novo, da etnia guarani), 4 terras já delimitadas e 11 áreas declaradas, ou seja, são 34 pretendidas.

PRECEDENTES

De acordo com Matias Hempel, já existem casos em Mato Grosso do Sul de territórios em que, mesmo com a demarcação declarada e regularizada, houve contestação na Justiça por parte de fazendeiros.

“A declaração de demarcação da Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó, já está suspensa no STF [Supremo Tribunal Federal], por uma decisão do ministro Gilmar Mendes. Ela foi declarada com 50 hectares dos 11.400 hectares e há tentativa de reverter isso”, afirmou Hempel.

“Outro caso é o da Aldeia Limão Verde, em Aquidauana, que está regularizada, mas o processo foi suspenso porque o proprietário da fazenda entrou na Justiça. Então, essa questão do marco temporal, apesar de ter sido aprovado só agora na Câmara, já vem sendo usado na Justiça de Mato Grosso do Sul e no TRF3 [Tribunal Regional Federal da 3ª Região]”, completou.

PROTESTOS

Com a aprovação do PL 490, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) informou oficialmente que seguirá os protestos e movimentos para impedir o seguimento da tramitação favorável do projeto em Brasília.

A Apib disse “esperar que a defesa da Constituição Federal seja feita pelo Supremo Tribunal Federal, que vai julgar a tese do marco temporal no dia 7 de junho”. O movimento indígena anunciou, em reunião de suas lideranças transmitida ao vivo ontem, que será montado um acampamento em frente ao STF do dia 5 até o dia 8.

De acordo com o coordenador-executivo da Apib-Coiab, Kleber Karipuna, são esperadas de 2 mil a 3 mil lideranças indígenas no ato em Brasília. A coordenadora-executiva da Apib, Val Eloy Terena, confirmou ao Correio do Estado a presença do movimento indígena de Mato Grosso do Sul nesta ação.

“Com certeza a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil vai descer toda para Brasília e vai fazer a luta que a gente sempre fez. Esta é uma mobilização nacional, e todas as organizações-base da Apib vão participar”, informou Val Terena.

Kleber Karipuna e outras lideranças indígenas, como a ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, e o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, estiveram em reunião, na terça-feira, com o presidente do senado, Rodrigo Pacheco.

“Levamos para ele a pauta do PL 490 e solicitamos que não fosse aprovado o PL no Senado e que fosse tramitado com toda a análise de inconstitucionalidade. Ele [Rodrigo Pacheco] garantiu que o PL não será votado com urgência no Senado”, declarou Kleber Karipuna.