Região
Com HIV, Henrique trocou o “sujo” na cabeça pela paz da autoaceitação
Campo Grande News
03 de Dezembro de 2020 - 14:56
Durante o telefonema, dava pra sentir que Henrique estava apreensivo por falar abertamente sobre um assunto tão particular. Era a primeira vez que o advogado de 36 anos – que há 10 convive com o vírus HIV – conversava com Lado B sobre sua sorologia, experiências, desafios e muita, muita terapia no caminho. Hoje, o processo de ser soropositivo ainda segue seu curso, mas daqui em diante andará sempre de mãos dadas com a autoaceitação.
"Descobri quando eu ainda cursava Direito. Não muito diferente de quem recebe esse diagnóstico, tive uma profunda depressão. Me afastei da família, dos amigos, até cheguei a me mudar de cidade. De nada adiantou, pois onde quer que eu fosse, o HIV estaria a me acompanhar", revela Henrique Silva Dias.
Quando voltou a Campo Grande, resolveu encarar a terapia psicanalítica – um processo que dá continuidade até hoje – justamente para encarar preconceitos que ele mesmo se sujeitava.
Me achava inferior as pessoas, indigno de merecer coisas boas na vida. Me considerava “sujo”, tinha uma autodepreciação ao extremo com minha pessoa".
Para Henrique, todas essas questões foram incentivadas quando o primeiro caso de HIV/AIDS chegou ao país no ano de 1984. "Foi o ano em que nasci, então fui criado ouvindo muita 'informação' que hoje nada condiz com a realidade".
À época, o maior preconceito aos soropositivos era o de serem incluídos na "Providência Divina", na "Peste Gay", isto é, uma "doença" exclusivamente dos homossexuais. "Hoje em dia, não existe isso de 'grupo de risco', mas sim pessoas com o comportamento de risco. No Brasil, estudos indicam que são os heterossexuais a maioria".
Na pandemia de covid-19, Henrique pode parar um tempo e refletir sobre os "fantasmas" que o acompanham. Resolveu que já estava na hora de pôr a cara no sol: criou o perfil no Instagram @advogadopositivo e expôs publicamente sua história.
"Não foi fácil, porque é o tipo de coisa que só se faz sozinho, é você consigo mesmo. Revelar um segredo guardado há tanto tempo, encarar as pessoas, a sociedade de um modo geral, é doloroso – mas é possível".
Henrique chegou a fazer quatro sessões de terapia em uma única semana após a primeira postagem. Porém, após um mês, já se sentia livre.
Tirei um peso das minhas costas. Pela primeira vez, tive paz comigo mesmo".
Por meio da sua atuação profissional, o advogado foi além: é membro participante da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Mato Grosso do Sul) e decidiu se especializar em Direito Homoafetivo. Neste dia 1º de dezembro, voltado ao combate à AIDS, Henrique fará um seminário virtual com outros colegas, políticos e especialistas na área pelo projeto Advogado Positivo.
"O intuito é levar um conteúdo relevante sobre o assunto, disseminando boa informação e de modo que se lute contra o preconceito de quem convive com o HIV/AIDS. No webinar de hoje, juntamos pessoas comprometidas com a melhor do ser humano, independente de raça, religião, sexualidade".
Finalizando a ligação por telefone, uma última pergunta:
Como é viver sendo HIV positivo em 2020, pleno século XXI, na Capital de MS?"
A resposta de Henrique:
"É difícil de responder. No meu caso, tenho o apoio de várias pessoas soropositivas iguais a mim, além da minha própria família, dos amigos e até surpreendentemente da OAB/MS. Meus medicamentos são fornecidos regularmente, e o que eu tomo é o mais simples de todos devido ao fato da minha saúde ser boa.
Essa pergunta, porém, para o devido crédito e veracidade, deveria ser feita às pessoas que não tem meio de locomoção para buscar seus medicamentos ou médico à disposição. Ainda, não possuem acesso a informação de qualidade. São os gays que foram mandados pra fora de suas casas, as travestis profissionais do sexo. Quem está realmente olhando por essas pessoas?
Então, com certeza temos muito a evoluir. Educação, conscientização e – principalmente – mais amor e empatia ao próximo".
O evento on-line acontece ao vivo a partir das 9 horas pelo canal no YouTube da OAB/MS. O vídeo ainda será disponibilizado após a transmissão.