Região
"Queremos ajudar MS a sair do mapa como o mais violento contra indígenas"
A ministra Sonia Guajajara esteve em Campo Grande e falou sobre o processo demarcatório das terras indígenas e a busca da efetivação do modelo indenizatório.
Correio do Estado
18 de Novembro de 2023 - 09:55
A titular do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, falou em entrevista exclusiva ao Correio do Estado que o MPI quer ajudar Mato Grosso do Sul a sair do mapa como um dos estados mais violentos contra os povos indígenas.
A ministra também falou sobre as conversas que sua pasta pretende estabelecer com prefeitos e governadores e sobre os processos demarcatórios de terras indígenas, que voltaram a ser estudados.
Sonia Guajajara esteve em Mato Grosso do Sul para prover a Caravana Participa, Parente!, durante a Grande Assembleia do Povo Terena, na Terra Indígena de Nioaque.
As indenizações e o diálogo com setores do agronegócio também foram abordados pela ministra, que enfatizou a busca do Ministério dos Povos Indígenas por chegar a um modelo indenizatório que cumpra o que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e não prejudique os indígenas e nem o setor privado.
A titular do MPI também falou sobre questões climáticas e como a demarcação dos territórios indígenas pode ser uma das alternativas concretas para a preservação do meio ambiente. Além desses assuntos, durante a entrevista, Sonia Guajajara demonstrou preocupação com a situação do povo guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul, que sofre com a falta de acesso à água potável.
“O povo guarani-kaiowá vive um estado de ausência de politicas públicas que é secular, e nós temos os guarani-kaiowá como uma prioridade deste governo”, enfatizou.
O MPI apresentou uma agenda extensa de investimentos em planos de gestão territorial para terras indígenas, finalização de estudos de demarcação e conclusão de demarcações, e isso mostra que MS é uma das prioridades do Ministério dos Povos Indígenas. Por quê?
Nos queremos ajudar Mato Grosso do Sul a sair deste mapa de ser o estado mais violento contra os povos indígenas. Então, nós estamos nos propondo a trabalhar com os prefeitos, os parlamentares e o governador para encontrarmos essas alternativas, e uma delas é exatamente o avanço no processo demarcatório. Para isso, é importante esse diálogo com diferentes setores.
Em setembro, o MPI criou um gabinete de crise para acompanhar a situação de violação de direitos humanos do povo guarani-kaiowá e propor ações e medidas de proteção aos indígenas da região sul de Mato Grosso do Sul. Houve algum avanço nesse sentido?
Sim, o povo guarani-kaiowá vive um estado de ausência de politicas públicas que é secular, e nós temos os guarani-kaiowá como uma prioridade deste governo, para levarmos qualidade de vida para esse povo.
Nós estamos nesta articulação com o governador do Estado, inclusive para a questão da segurança pública.
Como é um estado bem violento e que tem um histórico de assassinatos de lideranças indígenas, é importante que tenha essa relação direta com a segurança pública, para dar garantia de segurança para esses povos e não se omitir perante os conflitos que existem.
Uma questão é a segurança pública, a outra é o processo demarcatório, que a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] já está fazendo os estudos e o mapeamento, e logo a gente vai ter a finalização de alguns grupos de trabalho para a gente poder avançar neste processo.
E o terceiro eixo é o acesso à água potável, que é um problema histórico na região, e nós estamos discutindo tanto com a Secretaria de Saúde Indígena [Sesai] quanto com outros ministérios para a gente ver a melhor forma de levar água potável, saudável e gratuita para esses povos.
Este grupo também tem a intenção retomar os estudos de identificação e delimitação do processo de demarcação de terras indígenas. Essa deve ser uma toada em MS? Além das terras indígenas Cachoeirinha e Taunay Ipegue, há outras que também estão com o processo de demarcação acelerado?
Também tem. Nós estamos no momento ainda nos estudos, essa parte compete à Fundação Nacional dos Povos Indígenas, então, quando a Funai concluir este processo inicial de identificação e delimitação e publicar este relatório, é que passa para a gente.
É um trabalho feito por etapas, e nós vamos aguardar o que a Funai vai nos entregar ainda neste ano.
Nós estamos fazendo esse mapeamento no Brasil. Para ter uma atualização da situação fundiária dos territórios indígenas, nós precisamos que haja uma compreensão por parte dos governos municipais e estaduais, inclusive, olhando para esta crise que o mundo vive hoje.
Nós estamos em uma crise climática que já é uma realidade, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, é seca de um lado e enchente do outro, até para perfurar poço aqui em Mato Grosso do Sul, que antes era um lugar que tinha água mais fácil, hoje, em alguns lugares, nem com poço artesiano é possível alcançar a água, então, nós temos de pensar de forma conjunta essas alternativas.
E, comprovadamente, a demarcação das terras indígenas e essa relação dos povos indígenas com a terra, por si só, já preservam e protegem aquele ambiente. É uma das alternativas para contermos esta crise climática no mundo inteiro.
Então, nós precisamos discutir hoje a demarcação das terras indígenas, não como um problema, como sempre foi visto, não como um monstro, mas como uma das alternativas, uma das saídas concretas já para garantir a água, o oxigênio e a redução das emissões [de gases poluentes] e deste aquecimento global.
A nossa vinda aqui também é para isso, para fazer este diálogo, trazendo todas estas preocupações e que tem de ser uma ação conjunta, de mudança nos sistemas alimentares, de produção, e isso hoje não é só uma demanda dos povos indígenas, mas é uma necessidade para toda a humanidade.
O MPI demonstrou interesse em conversar com fazendeiros. Como estão as conversas em MS? Já houve reuniões entre a ministra e representantes do segmento? O que foi acertado?
[O MPI] ainda não está em conversa com o setor, mas o objetivo também é avançar com esses diálogos, isso faz parte do processo demarcatório, que a gente precisa encontrar as melhores formas.
A gente não quer de forma alguma que ninguém seja prejudicado, nem os indígenas nem o setor privado, por isso que a gente está se propondo a ir nos estados, ter essas conversas e chegar a uma saída.
A mesma decisão do STF que rejeitou a tese do marco temporal instituiu a necessidade do pagamento de indenização a fazendeiros de boa-fé pela terra nua. Como o MPI vê essa decisão e de que maneira está atuando para a criação de um projeto de lei para instituir essa indenização?
A indenização também não é uma repercussão geral, tem formas de se reconhecer também quem tem direito à indenização, importante que isso fique esclarecido, porque o Supremo determinou a indenização, mas também tem alguns critérios.
Tem aqueles ocupantes de boa-fé em territórios indígenas, que são aqueles que receberam título do Estado; considerados de boa-fé, se eles ocuparam uma terra indígena com os indígenas lá dentro, então, eles só têm direito ao pagamento das suas benfeitorias; e se eles ocuparam um território e não tinha nenhum indígena ali dentro, a proposta e a orientação do Supremo é que se pague o valor da terra.
São várias as formas de identificar as indenizações, não é uma forma única. Então, no momento, ainda não tem um modelo indenizatório, mas nós precisamos encontrar, porque essa situação fundiária realmente precisa ser resolvida.
Mato Grosso do Sul é um dos estados com mais conflitos violentos por terras. A senhora acredita que a indenização seria o caminho para tentar uma pacificação no campo?
É claro que pode ser também um dos caminhos para a gente ir pacificando esses conflitos históricos entre os povos indígenas e setores do agronegócio e fazendeiros.
Tem de ir se buscando mesmo, a partir da decisão do Supremo, quem tem o direito e quem não tem o direito, porque a gente sabe que tem muitos, também, que são grileiros, que invadiram e que ocuparam a terra, e estes são considerados de má-fé e não têm direito. Então, deve ser olhado com bastante cuidado.
O governo federal vetou alguns pontos do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, mas sancionou outros, como o direito dos indígenas de ter atividades econômicas em suas próprias terras. Como a senhora vê essa medida?
Esse direito já existe, né? Os indígenas já têm o direito de produzir, de promover atividades econômicas nos seus territórios, agora, o que defendemos e vamos continuar defendendo é que sejam iniciativas próprias dos povos indígenas e a partir daquilo que eles apresentem, e que não seja de maneira imposta.
Então, nós estamos ainda neste diálogo e nesta luta no Congresso Nacional para que se mantenha os vetos do presidente Lula.