Saúde
Brasil teve, em 2021, 107 mortes de mães a cada 100 mil nascimentos
A morte é causada por qualquer fator relacionado ou agravado pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a esse período.
Agência Brasil
28 de Maio de 2022 - 07:53
No Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, comemorados neste sábado (28), o vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Mortalidade Materna da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Rodolfo de Carvalho Pacagnella, assegura que as mortes maternas podem ser evitadas.
De acordo com o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, o Brasil teve, em 2021, média de 107 mortes a cada 100 mil nascimentos. A taxa de mortalidade materna se refere ao número de mulheres que morrem durante a gravidez ou nos 42 dias seguintes ao parto devido a causas relacionadas à gravidez ou por ela agravada a cada 100 mil nascidos vivos em um determinado ano, em um país. A morte é causada por qualquer fator relacionado ou agravado pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a esse período.
O Brasil apresenta números bem distantes dos fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Até 2015, a meta era atingir menos de 35 mortes por 100 mil nascimentos e o Brasil estava na faixa de 70 a 75 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos. Com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a ONU indicou, até 2030, reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos.
À Agência Brasil, Rodolfo Pacagnella explicou que, desde 2014, os números não apresentam queda significativa no Brasil. Já os países de alta renda, de maneira geral, têm uma razão de mortalidade materna que varia entre 10 e 20 mortes por 100 mil nascimentos. A maior parte dessas ocorrências é de causas indiretas, que não são evitáveis ao longo da gestação.
Causas
Segundo Pacagnella, a grande parte das mortes maternas poderia ser evitada. A grande questão, disse, não é o número de mortes maternas, mas o por que elas acontecem e a consequência que elas trazem. “A grande questão é que ela [morte] acontece, em geral, por causas evitáveis. São situações que poderiam ter sido identificadas ao longo do cuidado dessa gestante, durante o pré-natal e, especialmente, nos momentos próximos ao nascimento. E essas condições não foram identificadas e não foram tratadas de forma oportuna”.
E essa demora em reconhecer a situação de gravidade e em tratar essa condição levam, em consequência, ao óbito materno, disse.
De acordo com o vice-presidente da Comissão da Febrasgo, a consequência da mortalidade materna é nefasta, porque a mulher sempre foi, mas hoje tem um papel reconhecido, como indivíduo central na organização social, emocional e financeira da família. A morte de uma mulher no momento do parto ou puerpério leva a uma desestruturação de tudo que a envolve, apontou o médico.
“Frequentemente há uma desorganização da família, desorganização do cuidado dos filhos, perpetuação de pobreza, uma série de questões que vêm em função de que ela é figura fundamental na organização daquela comunidade, não só da família, mas da comunidade como um todo”.
No Brasil, a principal causa de morte materna é a hipertensão. Em segundo lugar, aparece a hemorragia, seguida de aborto inseguro e infecção puerperal. Depois, vêm as causas indiretas, associadas a condições físicas já existentes, ou agravadas na gestação, como doenças cardíacas, renais, cânceres, entre outras.
Covid
As principais causas são evitáveis, reiterou Rodoldo Pacagnella. Hoje, sabe-se como fazer o diagnóstico e como identificar uma mulher que tem risco de desenvolver uma hipertensão na gravidez, chamada pré-eclâmpsia, e tratar essa condição, evitando que a mulher morra. O mesmo ocorre em relação à hemorragia e, ainda, às condições relacionadas à sepse, que é uma infecção generalizada. Essa questão ganhou relevância durante a pandemia do novo coronavírus, segundo o especialista, porque houve um aumento de mortes maternas por doenças respiratórias, como consequência de um olhar pouco atento para a gestante, que é uma população de risco para a gravidade dessas doenças, principalmente as virais, associadas ao coronavírus.
Dados preliminares indicam que o número de mortes maternas por SARS Cov 2 aumentou de 1.500, que vinha sendo registrado nos últimos 6 anos, para 2,2 mil, em 2021. “E esse excesso de mortalidade foi decorrente, especialmente, das condições associadas à síndrome respiratória aguda grave”.
O excesso de lotação em hospitais levou também a um aumento de mortalidade materna por outras causas, porque esgotou a capacidade de assistência. “E a mortalidade materna está muito centrada no período próximo ao parto, em que as mulheres precisam de assistência hospitalar para reconhecer essas condições”, disse o especialista.
O médico apontou que a morte materna acontece porque não se tem uma visão objetiva para as necessidades de saúde da mulher. O fato de a mulher ter uma condição de maior risco de morrer pela gravidez é um fator biológico. Mas a morte dessas mulheres por causa desses outros fatores é uma questão social, alertou. “Diz respeito a como a gente olha essas necessidades e dá atenção a elas. Não é uma condição biológica intrínseca, mas a falta de acesso adequado aos serviços de saúde em um momento que a mulher precisa mais”.
Rede de assistência
A redução da mortalidade materna passa, em primeiro lugar, pela necessidade que haja um entendimento social da importância da mulher no contexto da formação social do país, disse Pacagnella. “Como figura central da constituição da sociedade, a mulher deveria ter respeito maior. Isso quer dizer ter políticas públicas que assegurem acesso e assistência com qualidade aos serviços de saúde materno-infantil. Isso envolve facilidade de acesso a políticas de saúde de qualidade, atenção primária, até os serviços de emergência”, defendeu.
De acordo com Pacagnella, esses pontos já começaram a ser abordados em algumas políticas, embora de maneira periférica. Para reduzir, de fato, a mortalidade materna, o Brasil tem que construir uma rede de assistência que seja capaz de reconhecer as situações de gravidade, com profissionais treinados e especialistas em ginecologia e obstetrícia, disse o especialista.
“É preciso uma rede de saúde estruturada e muito organizada”, recomendou. “O treinamento dos profissionais é uma parte importante desse processo, mas a constituição de um sistema de atendimento é fundamental, com definição de prioridade pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”.
A Febrasgo está envolvida em uma série de ações de treinamento de profissionais sobre a importância da mulher na constituição da sociedade e, também, em ações de implementação de processos de melhoria clínica e de gestão, de tratamento de questões associadas à gravidade, em parceria com outras instituições, até que haja a criação de uma percepção nacional sobre a importância desse tema.
A Febrasgo considera o dia 28 como um ponto de referência para falar da importância de se olhar para a condição da mulher na sociedade. “Em especial nesse momento em que a gente percebe que há um excesso de mortalidade, em função de uma doença que poderia ter sido manejada de outra maneira e cujo óbito poderia ter sido evitado se tivesse uma ação mais atenta, com um bom direcionamento de ações para as necessidades da mulher no momento do parto”, disse Pacagnella.
Rodolfo Pacagnella alerta que a sociedade precisa olhar para a condição da mulher. “Estamos fazendo pouco. As mortes que ocorreram nos últimos anos foram em função da falta de uma organização adequada para a gestão do risco que a mulher tem nessas condições. É importante a gente mostrar isso e lutar para que não volte a acontecer”, concluiu.