Sidrolandia
Apesar de arsenal inédito de ferramentas, a "rádio palanque" tem papel importante
Em maio do ano passado a juíza substituta da 6ª Vara Federal do Distrito Federal, Maria Cecília de Marco Rocha, anulou a renovação de concessão da Rádio Atalaia de Londrina (PR)
Último Segundo
10 de Abril de 2010 - 11:01
Em agosto de 2003 o então deputado federal João Batista (PP-SP) votou a favor da renovação na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara (CCTCI), responsável por homologar ou não as concessões definidas pelo Ministério das Comunicações. Detalhe: o ex-deputado é sócio da Rádio Atalaia.
"O fato de parlamentar sócio da requerida (rádio) haver participado da votação que renovou sua concessão macula os princípios da moralidade e da impessoalidade. Isso porque o parlamentar tinha interesse direto na renovação, de modo que é induvidoso que seu voto não se pautou pelo interesse público, senão que em seu próprio benefício. A conduta, em tese, endossa na sociedade a convicção de que os parlamentares podem praticar atos administrativos que seu favor, e, em última, que a máquina administrativa não é do povo, senão que se destina a satisfazer quem está no poder", disse a juíza na sentença de sete páginas até hoje inédita.
Apesar disso a Rádio Atalaia continua funcionando, pois não foram esgotadas as possibilidades de recurso. A administração da rádio e o ex-deputado não quiseram se pronunciar sobre a decisão judicial.
O cancelamento da concessão foi a iniciativa mais bem sucedida de uma investida do Ministério Público Federal motivada por representação do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor).
Em 2005, o instituto apurou que 51 deputados federais eram beneficiários de concessões de rádio. Em 2007, com base no levantamento do Projor, o MPF moveu cinco ações contra deputados que integram a CCTCI e votaram pela renovação das concessões de suas próprias rádios. O MPF pediu o cancelamento das concessões alegando que elas feriam os princípios da impessoalidade, moralidade e legalidade.
"Estes deputados deixaram um rastro. É tão grande a sensação de impunidade que eles votaram pela renovação das próprias rádios", disse a procuradora Raquel Branquinho, uma das autoras das ações.
Das outras quatro, uma foi arquivada, outra ainda não tem decisão e duas foram negadas pela Justiça.
Nas sentenças, o juiz da 21ª Vara Federal do DF, Hamilton de Sá Dantas, argumenta que o cancelamento das licitações provocaria um clima de insegurança jurídica, mas admite que os deputados podem ter quebrado o decoro parlamentar. "Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o deputado dar-se por impedido e fazer comunicação neste sentido à Mesa", diz o regimento interno da Câmara.
O MPF recorreu das decisões. Dos cinco deputados alvos das ações, apenas Nelson Proença (PPS-RS) continua na Câmara e não vai se candidatar à reeleição. "Sou da bancada do 'eu desisto'", brincou. Proença concordou ter cometido um erro ao não se declarar impedido. "O juiz tem toda razão. Concordo que isso fere o decoro, sim. Eu deveria ter me declarado impedido de votar... se soubesse que as minhas rádios estavam naquela votação", disse.
Segundo Proença, as renovações de concessões na CCTCI são feitas aos lotes, em poucos segundos, e não passam por qualquer tipo de avaliação da comissão. "O presidente pergunta se alguém é contra, ninguém se manifesta e as renovações são aprovadas", revelou.
Ferramenta eleitoral.
"Rádio Palanque"
Nas eleições deste ano os políticos terão um arsenal inédito de ferramentas. Mas apesar do Twitter, Facebook, Youtube, wap, e-mails, a relevância do bom e velho rádio como ferramenta eleitoral ainda é grande.
De acordo com a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Sônia Virgínia Moreira, autora do livro "Rádio Palanque", existem cerca de 8 mil emissoras de rádio no país entre AM, FM, ondas curtas, médias, tropicais e comunitárias, que cobrem todo o território nacional.
Conforme levantamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), em 2008, 86% dos domicílios brasileiros pussuíam rádio contra 97% com aparelho de televisão. Os computadores estão em 30% dos lares brasileiros e celulares com acesso à internet em 21%. A proporção é ainda maior no interior. Segundo o CGI, na zona rural 84% das casas têm rádio contra apenas 8% de computadores.
"Os apresentadores de programas populares de rádio são os responsáveis por decodificar o texto da mídia impressa para a grande massa", disse Laurindo Lalo Leal, professor aposentado da Escola de Comunicação e Arte (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).
"O rádio ainda é o meio mais acessível e está de tal forma integrado ao cotidiano das pessoas que muitas vezes elas não se dão conta de que o aparelho está ligado", completou Sônia.
Perfil popular
Um gráfico disponível no site da Rádio Capital, uma das líderes de audiência na Grande São Paulo, dá uma ideia do perfil da audiência/eleitorado. Segundo o Ibope, 83% dos ouvintes são mulheres (52% do eleitorado nacional). As classes C, D e E respondem por 70% da audiência, da qual 81% tem mais de 40 anos (58% do eleitorado tem mais de 35 anos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral).
"Estes comunicadores falam para muita gente, às vezes para milhões de pessoas. Eleitoralmente, são determinantes e serão por muito tempo", disse leal.
Um exemplo clássico é o de Eli Corrêa, o "homem sorriso do rádio brasileiro", conhecido pelo bordão "ooooooi gente!". Embora priorize o entretenimento, Corrêa tem no currículo entrevistas com o pré-candidato à presidência do PSDB, José Serra, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"O rádio conversa com o ouvinte de uma forma mais pessoal, intimista, que se sobrepõe à tecnologia. Assim o apresentador acaba expondo de maneira mais convincente uma opinião", disse ele.
Este poder de convencimento acaba gerando uma grande demanda por parte de políticos. "A gente recebe uma certa pressão por parte dos políticos que querem aparecer. Por um lado isso mostra que o rádio continua vivo. Por outro é difícil manter o equilíbrio", explicou Luiz Carlos Ramos, coordenador de Jornalismo da Rádio Capital e professor da PUC-SP.
Segundo ele, além da legislação que restringe possíveis abusos, a emissora respeita uma receita simples. "Tentamos ser uma rádio popular sem sensacionalismo e em busca da imparcialidade", disse. Mas ele mesmo admite que é difícil controlar apresentadores que muitas vezes têm um público cativo que os segue de emissora em emissora. "Cada comunicador tem sua predileção e seu estilo".
Candidatos radialistas
Há 12 anos Eli Corrêa está acostumado a não poder usar nem sequer o próprio nome no período de três meses que antecede as eleições. "É que nós temos o mesmo nome e a Justiça eleitoral poderia interpretar isso como propaganda para mim. Por isso, no período restrito, ele se refere a ele mesmo como o 'homem sorriso do rádio'", esclarece Eli Corrêa Filho, titular do quadro "Repórter do Povo" no programa do pai e deputado estadual pelo DEM de São Paulo.
Ele é um dos cinco integrantes da bancada do rádio na Assembleia Legislativa de São Paulo. A presença de radialistas é quase uma tradição nas casas legislativas brasileiras. "Apesar das restrições legais, eles muitas vezes criam um personagem (como o "Repórter do Povo"), algo muito comum no rádio, vão consolidando o eleitorado e geralmente são eleitos", explicou a Sônia Moreira.
"Estes são os mais honestos porque se apresentam como candidatos e radialistas. Os piores são os que possuem concessões e se escondem atrás delas", completou a professora.
Corrêa Filho concorda: "sou obrigado a seguir as restrições legais, ao contrário daqueles que têm concessões. Aí sim o rádio é um instrumento para manipular mesmo o ouvinte, não tem outra palavra. Toda a programação é voltada para os interesses dele", disse Corrêa Filho.
Atualmente existem 13 deputados radialistas na Câmara Federal.
Não existem números disponíveis sobre parlamentares donos de emissoras na atual legislatura.
"Falta transparência nestes dados. Não sabemos com clareza quem são os donos das rádios. Muitas vezes os políticos arrendam emissoras do interior às vésperas da eleição", disse Sônia Moreira. "Foi um fenômeno que começou na década de 80, quando (o então presidente) José Sarney trocava concessões por apoio político", disse Laurindo Lalo Leal.