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Sidrolandia

Dia do Índio: estados que não solucionarem impasses estarão travados

Estados que não solucionarem impasses indígenas estarão travados sem desenvolver.

Midia Max

19 de Abril de 2010 - 08:17

 A frase é de Ailton Krenak, 56, jornalista, índio da etnia Krenak que participou da Constituinte e hoje, assessor especial do governo de Minas Gerais.

Acompanhado da advogada membro da comissão especial de Assuntos Indígenas da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul), Tatiana Ujacow, Krenak concedeu entrevista exclusiva ao Midiamax na última semana, quando participou do ciclo de palestras na Semana do Índio, que aconteceu na sede da OAB/MS. “Ele vai nos contar a experiência dele porque na época da Constituinte o Ailton foi àquele jovem indígena que pintou o rosto. A experiência com o protagonismo possibilita a diminuição do preconceito”, afirma Tatiana Ujacow.

Krenak é avô, casado com uma índia da mesma etnia e a família vive no Vale do Rio Doce na aldeia indígena krenak, um vilarejo com 600 habitantes. Eis a entrevista com um dos líderes indígenas mais conhecidos do País, Ailton Krenak:

Midiamax – Como o senhor começou a fazer parte da administração do ex-governador de Minas Aécio Neves?

Krenak – O Aécio me perguntou se eu não poderia ajudá-lo junto aos índios sem criar confusão política com o governo federal. Eu acho um mandato de 4 anos muito pouco para um povo com 300 anos de abandono. Mas, de forma solidária, Minas Gerais criou políticas para melhorar a relação dos municípios com as tribos indígenas. No governo, são feitas ações que envolvem várias secretarias e eu disse para o Aécio que topava. Ele falou: ‘Ailton vamos criar uma Funaizinha?’. Eu disse: ‘Deus me livre!’. Sou assessor de assuntos indígenas vinculado à Governadoria, responsável para promover as questões ligadas aos índios, ter acesso aos fundos e gestores.

Midiamax – Qual a população indígena de Minas Gerais e quais são as etnias?

Krenak – São 12,5 mil índios e a maior parte deles é da etnia xakriaba com 8 mil pessoas. Em Minas há os krenak, os maxakali, xakriaba, pataxós, aranã e kaxixó. Para um estado com 18 milhões de pessoas parece pouco, mas nós estamos nas cinco regiões.

Midiamax – Em Mato Grosso do Sul são quase 40 mil índios e os guaranis, que são maioria, vivem na faixa de pobreza. Em Minas a pobreza tem ligação com os indígenas? Como eles sobrevivem?

Krenak – Eles estão por todo Minas Gerais e há também os que moram no Vale do Jequitinhonha [uma das regiões mais pobres do País ao Norte de Minas], no Sul de Minas, em Divinópolis. São povos que desde o século XVIII são explorados na região de mineração, de garimpo. Em Minas, eles vivem em um cenário meio mexicano. Vivem da criação de pequenos animais e são parecidos com os pequenos agricultores. Os maxakali vivem da caça e da coleta no Cerrado, onde há pouca oferta de caça e por isso, dependem dos programas sociais.

Midiamax – Em quantas cidades eles estão?

Krenak – Eles estão em nove jurisdições.

Midiamax – Como o governo age?

Krenak – Desde 2004, o governo de Minas passou a promover ações estimulando, criando conselhos municipais que podem atender as demandas, ter recursos adicionais além de fundos já que o Estado promove convênios e hoje faz o resgate da medicina tradicional. Cada um dos municípios recebe por mês R$ 160 mil e assim, os conselhos municipais de saúde fazem capacitação e estimulam a divulgação das plantas medicinais.

“São povos que desde o século XVIII são explorados na região de mineração, de garimpo. Em Minas, eles vivem em um cenário meio mexicano. Vivem da criação de pequenos animais e são parecidos com os pequenos agricultores. Os maxakali vivem da caça e da coleta no Cerrado, onde há pouca oferta de caça e por isso, dependem dos programas sociais”.

Midiamax – Como é a relação com a Funasa, responsável pela saúde indígena?

Krenak – A relação é ruim. A Funasa atuou sem muita atenção e há uma certa implicância com a Secretaria de Estado de Saúde. As verbas federais viram instrumento de briga e não há cooperação.

Midiamax – E com a Funai?

Krenak – No primeiro mandato do Aécio, o Estado tentou se aproximar da Funai, mas não houve interesse de quem estava sentado na cadeira em Brasília (DF). Agora, com o Márcio Meira estamos promovendo termo de cooperação técnica. O Banco Mundial tem recursos para o zoneamento ecológico nas terras indígenas e isso já foi feito no Amazonas, Pará e Acre.

Midiamax – Como foi na época da Constituinte?

Krenak – Éramos da comissão das minorias com os índios, negros, mulheres e pessoas com necessidades especiais. Na década de 80 e 90 a gente [brasileiros] era tão grosso, não disfarçava nem na linguagem a segregação. Quando discutia então questão de gênero nossa. Hoje é diferente. Temos questões debatidas dentro de contexto de conflito. O Brasil tem dívida histórica com seus habitantes e na Constituinte asseguramos que os povos que chegassem vivos hoje tivessem o território demarcado. Fico feliz de já termos conquistado algumas questões como o direito à saúde através do SUS (Sistema Único de Saúde) enquanto nos Estados Unidos o Obama teve que ‘paulear’ para conseguir garantir saúde pública. Fico feliz, mas fico triste de ainda termos alguns atrasos. A gente tem recurso para desenvolver, mas não tem abertura para resolver. Se alguns estados não resolverem as questões quilombolas e indígenas estarão travados e vão ficar atrasados.

“A Funasa atuou sem muita atenção e há uma certa implicância com a Secretaria de Estado de Saúde. As verbas federais viram instrumento de briga e não há cooperação”.

“O Brasil tem dívida histórica com seus habitantes e na Constituinte asseguramos que os povos que chegassem vivos hoje tivessem o território demarcado”.

Midiamax – O presidente Lula quer comprar terras para devolvê-las aos indígenas, mas isso não vai contra a Constituição que não permite a indenização? Como participante da Constituinte o que o senhor pensa sobre o assunto?

Krenak – A despeito de eu participar como co-autor da parte que fala sobre o Direito dos Índios na Constituição, às terras indígenas não cabem indenização e sim, às benfeitorias. Não quero entrar nessa discussão, não me sinto capaz.

Dia do Índio: estados que não solucionarem impasses estarão travados

Midiamax – O problema é que em Mato Grosso do Sul há risco de mortes...

Krenak – É uma questão ética porque se no resto do Brasil foi aplicado o princípio constitucional se aqui (MS) for diferente lá na frente o STF [Superior Tribunal Federal] decidir que não podiam ser indenizados? Por que o Mato Grosso do Sul vai ser diferente? Teve gente que perdeu terra em Roraima e no Pará. Mas, se pensarmos também que estamos em 2010 e se o Brasil está folgado de grana? Então resolva com grana porque não podemos permitir ver pessoas morrerem. Mas, acho que nesse período eleitoral prometer comprar terra pode ser engodo. É uma promessa insustentável.