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Sidrolandia

Limpeza causa sumiço de servidores na Assembleia

Presidente da Casa confirma que há mudanças estruturais preparando o legislativo sul-mato-grossense para “novos tempos”.

Midiamax

24 de Maio de 2010 - 16:00


Depois de rumores ocuparem as conversas nos corredores da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul sobre um “facão” demissionário que estaria atingindo cerca de 600 pessoas, o presidente da Casa confirma que há mudanças estruturais preparando o legislativo sul-mato-grossense para “novos tempos”.

No próximo dia 27 entra em vigor a chamada Lei da Transparência, que exige a publicação de todos os atos, documentos e informações de órgãos públicos na internet.

“O que está acontecendo é um movimento natural e tranqüilo de adequação. A Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul chegará no dia 27 preparada para as novas normas regulamentadas pela Lei da Transparência”, diz o presidente, deputado estadual Jerson Domingos (PMDB-MS).

Nos corredores, nem todos concordam que o processo seja tranqüilo, pelo contrário. “Tem muita coisa para ser adequada aqui, e a maior preocupação neste momento é com relação aos PS”, conta um servidor que acompanha os bastidores da AL há pelo menos 30 anos. “A Assembléia neste momento corre o risco de uma avalanche de ações trabalhistas”, prevê.

Falar sobre o assunto na Casa é para poucos. Todos, desde trabalhadores da limpeza, até deputados, dão um tom grave à conversa quando se toca no assunto dos tais “PS”, como ficaram conhecidos na AL os prestadores de serviços que teriam um vínculo precário de contratação pela Assembléia.

“Disso eu não posso falar nada, porque realmente eu não sei de nada”, esquivou-se o deputado Pedro Kemp (PT-MS). Poucos minutos depois, enquanto a reportagem aguardava para falar com o presidente da Casa, Jerson atende no celular uma chamada de Kemp.

“PS? Aqui não tem PS. Quem foi que falou para vocês dos PS está equivocado”, exasperou-se ao telefone o presidente do SISALMS (Sindicato dos Servidores da Assembléia Legislativa de MS), Nailor Vargas Souza.

O servidor, eleito pelos colegas como representante dos funcionários, desconversou e disse que não podia ajudar. “Estou muito ocupado, inclusive tenho uma reunião agora no Ministério do Trabalho, mas te ligo depois”, desconversou sem dar o prometido retorno até o momento de fechamento do texto.

“Tem muito prestador de serviço na Assembléia sim. Os dados são muito sigilosos, mas todo mundo sabe que tinha PS na copa, tinha PS no cerimonial. E o que a gente percebeu nos últimos dois meses foi o sumiço de muita gente. Apenas paravam de vir e, quando a gente pergunta, alguém fala que ouviu falar que o contrato tinha sido cancelado”, informa um dos servidores efetivos que falaram à redação. Todos, invariavelmente, se preocupam em ter a identidade preservada. “Sou efetivado, mas mesmo assim isso aqui é uma selva e não dá pra gente se expor”, justifica.

Até mesmo entre os demissionários, muitos resistem em tocar no assunto. Os vínculos políticos, a perspectiva de ser “reaproveitado” em outro local, e até mesmo a proximidade das eleições fazem os PS pensar muito antes de reclamar. “A estratégia é justamente essa. Estão usando a chegada da campanha [eleitoral] para prometer que todos receberão alguma coisa e depois serão empregados de volta”, reclama.

“Gente de Casa” e sanguessugas na degola

“Eu trabalhei um tempo no cerimonial, e me mandaram embora sem nenhum direito, mas não posso nem reclamar. Sou lá de Fátima do Sul e a esposa de um deputado aqui me carregou no colo. Sou praticamente de casa e depois das eleições acho que eu volto”, aposta uma jovem que diz ter sido cortada da equipe do cerimonial.

“Tenho até fotos de eventos na casa que provam que eu trabalhei, tenho os extratos bancários dos depósitos com o salário todo mês, crachás, mas vou esperar”, relata.

Além dos PS que cumpriam diversas tarefas dentro da ALMS, há outro grupo de “prestadores de serviço” insatisfeito. Muitos dirigentes partidários, geralmente vereadores ou ex-vereadores, candidatos que não foram eleitos, estariam na lista que recebia mensalmente.

“Os cortes não são de hoje, No final do ano, faltou dinheiro e nos deixaram sem o décimo terceiro. Agora, muita gente está sendo cortada mesmo sem muita explicação”, reclama um vereador de pequeno município na região norte do Estado.

Entre os reclamantes, as intenções se misturam. Questionado sobre qual tipo de serviço prestava para o poder legislativo, o vereador gagueja na resposta. “Olha, a gente que está nas bases tem muita importância para o trabalho de um deputado. Aqui a gente se desdobra para fazer o necessário ao andamento dos trabalhos parlamentares e para fazer valer a vontade popular”, desconversa em tom de discurso político satírico.

“A gente tem que ver o lado bom disso tudo. Nessa degola, tem muito sanguessuga que está sendo removido da Assembléia. Agora, o que precisa ser esclarecido para a sociedade, e creio que cabe às autoridades competentes investigar e exigir, é como esses PS eram pagos, com dinheiro de quem, quem controlava, quem indicava, pois tinham um vínculo com a casa do povo”, pondera o servidor com quase 30 anos de AL.

A diretora de recursos humanos da Assembléia, Marlene Figueira da Silva, apontada como a pessoa responsável por manter o registro e controlar o pagamento de todos os PS, negou a existência dos tais prestadores de serviço.

No primeiro contato com a reportagem, Marlene tratou o assunto como algo desconhecido. “O que seriam esses PS de que você está falando? Não sei de que prestadores de serviço você está falando.”

Após ser questionada sobre todos os indícios reunidos pela reportagem e sobre declarações dos entrevistados, Marlene mudou o tom da conversa. “Assim como você, eu sou subalterna, e preciso me reportar à Mesa Diretora, que se manifesta oficialmente sobre a Assembléia”, disse.

Poucos minutos após, a diretora retorna a ligação e informa que o presidente do parlamento sul-mato-grossense, deputado estadual Jerson Domingos, atenderia a reportagem para falar sobre o assunto imediatamente. Era final de tarde da quarta-feira passada.

“Com dinheiro público, seria ilegal”

“Realmente há um movimento mesmo na Assembléia. Temos muitas novidades que estamos implantando para nos adequar à regulamentação dessa lei que deve sair agora dia 27”, encurta a conversa o presidente do Legislativo de Mato Grosso do Sul.

Questionado sobre a existência dos PS, que foi negada pela diretora do RH, Jerson explica que realmente há pessoas contratadas, mas diretamente pelos deputados. “Esses tais PS de quem você fala devem ser as pessoas que trabalham para os gabinetes. Cada deputado tem as pessoas que o ajudam e é uma prerrogativa do parlamentar pagar do dinheiro dele”, desconversa.

Segundo ele, o controle sobre essa mão-de-obra cabe a cada deputado. “Isso é como manter um time e antes das eleições é natural que haja acomodações. Muitos trocam de time por diversos motivos. Eu tenho pessoas que trabalham para mim e que pago com meu dinheiro, oriundo das minhas atividades ou do meu salário, mas essa é uma informação reservada. Se você me perguntar quantos eu tenho, não vou dizer por que é um dado estratégico”, exemplifica.

Com relação à legalidade das contratações, Jerson garante que tudo é feito dentro da lei. “Se os deputados que têm pessoas contratadas pagam com dinheiro deles, do próprio bolso deles, não há problema nenhum. Agora, se fossem pagos com dinheiro público, seria ilegal”, explica.

A possibilidade de uma eventual “avalanche” de ações trabalhistas contra a Assembléia, segundo o deputado, não é algo fora do comum. “Todo ano de eleição essa possibilidade existe, pois há um processo de reorganização das equipes dos deputados, com demissões que podem causar reações na justiça do trabalho, e é um direito do cidadão”, minimiza.

“Se fizer ou tiver feito algo ilegal, ela será demitida”

Sobre o motivo pelo qual os pagamentos e contratações, mesmo que feitos individualmente por deputados, seriam controlados pela Diretoria Geral de Recursos Humanos, o presidente da ALMS diz que Marlene Figueira não seria responsável pelo pagamento, mas somente pela organização da lista dos pagamentos, que é encaminhada através da diretoria financeira ao banco oficial da Casa, Banco do Brasil.

“Ela [Marlene] não faz pagamento nenhum, ela organiza uma lista que é variável porque a cada mês há aposentadorias, férias, coisas assim, e temos o Banco do Brasil, que é o oficial, onde é feito o depósito do repasse de verbas da Assembléia. Alguns pagamentos são encaminhados para os bancos Real e HSBC, que prestam serviços para a Casa”. Jerson, entrentanto, não falou sobre o motivo de a  diretora da Assemleia controlar o pagamento desses "PS" se, eles, como afirmou o o presidente, seriam de responsabilidade e pagos por cada deputado. Vale ressaltar que no contato que teve com a reportagem, Marlene Figueira não fez qualquer menção sobre os prestadores de serviço nem mesmo sobre o eventual controle dos pagamentos, mencionado pelo presidente.

Um dos prestadores de serviço localizados pela reportagem, que garante ter trabalhado com vínculo precário na Assembléia, apresenta extratos de uma conta bancária em um dos bancos citados com pagamentos periódicos e garante que esses pagamentos seriam salários recebidos da Assembléia.

Sobre a quantia de PS contratados, Jerson afirma que não tem controle. “Cada deputado tem seus contratados. Isso cabe a cada gabinete controlar”, se contradiz o presidente.

Com relação à postura evasiva da diretora de Recursos Humanos da ALMS, que negou a existência dos prestadores de serviço no primeiro contato com a reportagem, o deputado é taxativo: “Ela está corretíssima, porque isso é uma coisa que ela, como diretora de recursos humanos, não sabe. É uma tratativa de cada deputado. Mas ela é uma servidora como qualquer outro. Se ela se comportar de modo errado, se fizer ou tiver feito algo ilegal, ela será demitida”, conclui.