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Sidrolandia

São Paulo é o estado com maior percentual de assassinatos cometidos por policiais

O estado ultrapassa até os estados campeões em letalidade policial, Amapá e Rio de Janeiro, quando se fala na proporção da responsabilidade da polícia nas mortes violentas, segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

G1

01 de Novembro de 2017 - 10:19

O estado de São Paulo tem a maior proporção de mortes em decorrência de intervenção policial em relação ao total de mortes violentas em 2016: 17,4%. O dado está no 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado esta semana. A proporção no Brasil é de 6,9%.

No ano passado, o país atingiu o recorde de assassinatos na história com 61.619 mortes violentas, o que equivale sete pessoas mortas por hora em 2016. A letalidade policial cresceu 25,8% e também bateu recorde em 2016, com 4.224 mortes.

O estado de São Paulo ultrapassa até os estados campeões em letalidade policial, Amapá e Rio de Janeiro, que ficam em segundo e terceiro lugar, respectivamente quando se fala na proporção da responsabilidade da polícia nas mortes violentas dos estados.

O percentual das mortes cometidas por policiais no universo das mortes cresceu de 16% para 17,4% em São Paulo. No total, 856 pessoas foram mortas pela polícia no estado em 2016.

Um dos indicadores para saber se a polícia matou muito ou pouco, além das comparações com médias internacionais, é a proporção, segundo a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno. "Quanto a letalidade da polícia representa entre as mortes violentas? O destaque fica para São Paulo. Aqui, conseguimos reduzir os homicídios desde os anos 2000, mas a letalidade da polícia segue em tendência de crescimento", diz.

Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e integrante do Fórum, é preciso considerar a redução dos homicídios em São Paulo. Segundo o anuário, houve redução na taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes no estado, que foi de 11,7 para 11.

Outro aspecto a ser considerado é a efetividade das ações de combate à letalidade no estado. “Os atuais comandos das polícias têm atuado neste sentido, mas os resultados demoram para acontecer. Para reduzir a letalidade, o governo precisa ser mais incisivo contra ela e a sociedade não pode legitimar a letalidade como sendo natural, pois matar não resolve os nossos problemas na área”, diz Alcadipani.

"Não temos políticas públicas de segurança. Hoje, só colocamos dois policiais com cara de mau na rua ou matamos pessoas", completa.

No Brasil, os jovens negros são as principais vítimas das polícias: 99,3% são homens, 81,8% têm entre 12 e 29 anos e 76,2% são negros.

Além de matar, os policiais também morrem. Foram 80 em 2016. "O efetivo policial reduziu muito. A demanda de trabalho aumentou. Nós temos situações de policiais com jornadas extenuantes. Isso gera um problema. Temos policiais trabalhando sem colete. Nós temos uma sobearga de trabalho. Desgaste físico e mental. E também há a pressão interna e externa da sociedade que diz que bandido bom é bandido morto, então, na cabeça do policial, ele etá fazendo a coisa certa. É isso que a sociedade quer", diz Elisando Lotin, presidente da Associação Nacional dos Praças (Anaspra) e integrante do Fórum.

Recorde de mortes

Como o G1 publicou em fevereiro, no ano passado, policiais fora de serviço mataram o maior número de pessoas no estado de São Paulo desde o início da série histórica, em 2001. Dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública (SSP) compilados pelo G1 e pelo SPTV mostram que policiais militares e civis mataram 266 pessoas quando estavam de folga, quase duas vezes o número de 2001, quando 146 foram mortos. Em relação a 2015, o aumento foi de 18% (veja gráfico abaixo).

Foram 242 mortes provocadas por policiais militares e 24 por policiais civis fora de serviço.

Na capital, foram 163 vítimas de policiais de folga, contra 124 em 2015, aumento de 31%. Nove em cada 10 mortes foram provocadas por PMs.

Essas mortes são consideradas como reações ou oposições à intervenção policial, portanto consideradas legítimas pela Secretaria da Segurança Pública, e não entram na estatística de homicídio.

Em 2017, a tendência de alta, como diz matéria de julho: no primeiro semestre deste ano policiais mataram o maior número de pessoas nos últimos 14 anos no estado de São Paulo se comparado com os primeiros seis meses dos anos anteriores.

No 1˚semestre de 2016, cerca de 70% das mortes provocadas por policiais em folga em São Paulo capital teriam ocorrido em reação a tentativas de assaltos contra os próprios policiais. É o que indica levantamento da TV Globo nos históricos dos Boletins de Ocorrência obtidos pela Lei de Acesso à Informação. Os dados do 2˚semestre não foram analisados pela reportagem porque SSP e Ouvidoria do Estado negaram o acesso a essas informações ao SPTV de forma inédita.

De acordo com Samira, há um uso abusivo da força pela polícia em supostos assaltos. “O primeiro tipo de abordagem deveria ser verbal, depois o uso da força. Quando se usa arma, provavelmente o resultado vai ser o letal. É legítimo que um policial reaja toda vez que for abordado? Toda vez que for assaltado? Precisamos de mecanismos de controle mais fortes e investigações por parte da Polícia Civil mais consistentes para averiguar a necessidade do uso da força ou não”, completou.

Perfil das vítimas

A maioria das pessoas mortas por policiais de folga é negra e jovem. "Quem morre vítima da ação da polícia é mais jovem do que a vítima do homicídio comum e proporcionalmente mais pretos e pardos. Isso coloca algumas questõeses sobre a legitimidade dessas ações. Quando você vê um número muito alto de adolescentes e até crianças, com 11, 12 anos mortos pela polícia você questiona a legitimidade dessa ação. Foi necessário mesmo usar a força letal? Não tinha outra forma de controlar?", questiona Samira.

Como é o caso de Gilderlyson Rodrigues Barroso, que foi morto quando tinha 16 anos. Segundo inquérito, à 1h de 8 de fevereiro de 2016, dois policiais, um deles sargento, saíram do 46 º Batalhão, em um Honda Fit. Na Avenida Almirante Delamare, na região de Heliópolis, Zona Sul de São Paulo, disseram que foram surpreendidos por três "indivíduos que anunciaram roubo".

Diante da iminência de serem alvejados, repeliram injusta agressão" com 12 disparos de dentro do carro. Gilderlyson foi levado a um Pronto-Socorro, onde morreu. Os outros dois jovens fugiram. Segundo o inquérito, Gilderlyson supostamente portava um revólver calibre 38 e nenhuma câmera de segurança registrou o suposto assalto.

A partir da investigação, o Ministério Público pediu arquivamento do caso em agosto. “O laudo de exame de confronto balístico mostrou que a arma apreendida junto com a vítima veio acompanhada de 3 cartuchos íntegros e de 1 estojo vazio. Os cartuchos foram utilizados em testes de eficácia, segundo o mesmo laudo, disparando de forma eficaz. Neste contexto, apurou-se que a reação aos policiais caracteriza a excludente de ilicitude prevista no artigo 23 II, do Código Penal, pois utilizando moderadamente dos meios necessários repeliram injusta agressão iminente", diz o pedido do promotor.

Em outubro, o juiz acolheu o pedido de arquivamento e intimou a mãe a pegar o celular e o boné do filho. Apesar da intimação, a manicure Cláudia Maria Oliveira Rodrigues, 44 anos, a mãe, diz que nunca foi chamada para recolher os objetos e que jamais foi informada sobre as circunstâncias da morte do filho até a reportagem a procurar.

“Nunca soube por que mataram o meu filho. Só recebi uma ligação do hospital e quando cheguei lá, ele já estava morto. Tinha uma marca de bala na garganta. Era tão grande que o médico disse que foi à queima roupa”.

Cláudia conta que o filho tinha passagem pela Fundação Casa por roubo.

“Se ele fez alguma coisa de errado por que não o levaram preso? Por que não o deixaram aleijado ao menos?”, questiona a manicure, que agora é mãe de 4 filhos.

Ela diz que vai buscar mais detalhes do processo para saber se houve ou não Justiça. “Não traz ele de volta, mas me sentiria mais aliviada”, disse.

Segundo Samira Bueno, não há um estudo que comprove quantos casos envolvendo policiais são arquivados, mas estima-se que isso ocorra em 90% das vezes.

“A impunidade dos policiais faz parte de um sistema que começa com a Polícia Civil não investigando de modo adequado e depois o Ministério Público. Quando os poucos casos que chegam ao júri, os policiais são absolvidos mesmo com todos os indícios de execução”.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, "todos os casos de Mortes Decorrentes de Oposição à Intervenção Policial (MDIP) são investigados por meio de inquérito para apurar se a atuação do policial foi realmente legítima. O desfecho dos procedimentos só é alcançado após minuciosa investigação, que pode resultar na adoção de providências criminais ou arquivamento, como mostra o caso que resultou na morte de Gilderlyson Rodrigues Barroso".