Sidrolandia
"Se você for ser docinha, fazem picadinho de você", diz Marta Suplicy
Folha On Line
13 de Abril de 2010 - 09:12
A principal liderança feminina do PT de São Paulo está de volta à corrida eleitoral, menos de dois anos após perder a disputa pela prefeitura da capital. Marta Suplicy, 65, está no páreo por uma vaga no Senado.
Amiga e conselheira de Dilma Rousseff, a ex-prefeita Marta acha que a campanha petista ainda explora pouco o trunfo de ter uma mulher candidata. É no segmento feminino (52% do eleitorado, algo em torno de 68 milhões de eleitores), que está um dos maiores desafios da candidata ao Planalto.
Marta fala como ainda é difícil ser mulher na política e afirma que as eleições de outubro podem "quebrar paradigmas". "Temos uma chance única com Dilma e Marina [Silva, do PV]".
FOLHA - Como você avalia o início do ano eleitoral?
MARTA - É uma campanha extremamente curta onde as candidaturas ainda estavam bastante confusas. A não ser a Dilma, que o partido já tinha se unido em relação ao nome dela, a candidatura do Serra não era certa até um mês atrás. [...] E, no maior Estado da União, era a mesma coisa. Ninguém sabia se [o candidato do PSDB] era Aloysio Nunes ou [Geraldo] Alckmin ou quem seria o candidato do PT. Isso é muito fora do que normalmente ocorre no Brasil. A outra característica é que nas eleições nós temos [historicamente] um país confuso economicamente, com muitas turbulências e ameaças e politicamente mais claro. Dessa vez foi ao contrário.
FOLHA - Você gostou da definição de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo e você ao Senado?
MARTA - Acho excelente. Mercadante teve uma votação muito expressiva quando foi candidato ao governo. Ele tem uma disposição enorme para essa candidatura e um conhecimento do Estado bastante profundo, inclusive da relação do Estado com o governo federal.
FOLHA - Há quem diga, até dentro do PT, que ele está indo para perder.
MARTA - Pode-se pensar isso quando o outro [Geraldo Alckmin] tem uma condição de votação tão grande. Mas eu mesma ganhei do Alckmin já duas vezes. Acho que tem um cansaço de tucanato e vai ser difícil para os tucanos e para Alckmin, que já foi governador seis anos, fazer promessas. As promessas serão exatamente as mesmas que foram feitas nas eleições passadas e não cumpridas. O Aloizio é uma pessoa muito determinada, com grande competência e um discurso que pode ser avassalador de desconstrução da tal da boa gerência tucana que na verdade não existe. Hoje a violência nunca foi tão alta, os problemas de perda de empregos no Estado de São Paulo são acentuados e na educação, nós paulistas vemos que estamos sempre na rabeira dos testes entre todos os Estados, sendo que somos o Estado mais rico. Na saúde também não estamos tão bem. Isso o tucanato tem a responder, porque estão há 16 anos lá.
FOLHA - A aposta em Ciro Gomes [PSB] foi um erro?
MARTA - Na época coloquei que não achava que fosse o ideal. E, por questões não relacionadas a minha fala, mas a ele próprio, ele acabou não vindo.
FOLHA - A candidatura própria foi a melhor solução?
MARTA - Muito melhor. Seria muito ruim para deputados do PT ter uma legenda 40 [do PSB, de Ciro] em vez do 13 [do PT]: 13 é uma marca muito forte e eu fico muito feliz que nós estejamos concorrendo no berço do PT com nosso número.
FOLHA - Por que ser senadora?
MARTA - Eu tenho vontade de ir para o Senado porque é um cargo que eu nunca disputei e um cargo que eu nunca exerci. É muito instigante poder representar o Estado de São Paulo, diferente de você ser deputada, como fui, em que você é uma representante do povo. Agora, como senadora, se eu vir a ser eleita, eu vou representar meu Estado, lutar por verbas a favor do Estado. Tenho que ter outro foco do que o de deputada, o que é instigante. [...] Acho que estou madura para desempenhar esse papel nacional.
FOLHA - Você chegou a pensar em ser pré-candidata ao governo do Estado?
MARTA - Eu me coloquei todo o tempo como um soldado do PT. Eu poderia ir para qualquer uma das instâncias. Não fiz nenhum trabalho para ir para aquela ou para essa. Tinha um desejo, mas o desejo eu só explicitei para o Mercadante, que era o desejo de concorrer ao Senado. Era um desejo que nós dois consideramos muito difícil, termos dois senadores e que então eu teria que ir para deputada ou para governo. [Eu iria] para o que me designassem para ajudar a candidatura da Dilma e tornar a chapa forte.
FOLHA - Você já tem propostas, um plano para o mandato?
MARTA - Faz duas semanas que eu sei que vou ao Senado, ainda estou começando a estruturar uma campanha, não dei nenhum passo. Estou começando a me atualizar em relação aos números do Estado, dos problemas maiores do Estado, tenho uma relação muito próxima da Capital e agora tenho que me adentrar no Estado. Em duas semanas estarei com esse mapa econômico e social do Estado bem delineado para poder representar bem São Paulo.
FOLHA - A pesquisa Datafolha [que mostra Marta com 43% das intenções de voto ao Senado] surpreendeu?
MARTA - Fiquei muito contente, porque entendi como o reconhecimento de um trabalho da minha vida política, especialmente na Capital. Agora eu sei que isso é a saída e vai exigir muito esforço da minha parte e trabalho para ter um percentual tão bom no final da eleição. De qualquer jeito foi muito animador.
FOLHA - Foi animador também para quem pleiteia uma vaga para deputado federal e estadual...
MARTA - [ri] Isso foi mais do que animador, isso deu alegria a muitos, porque para os estaduais eu seria uma ótima parceria. Para os federais, nós estávamos pensando como eu não atrapalhar muito a eleição de companheiros. Essa foi uma solução que também foi avaliada pelo PT.
FOLHA - Deputados federais achavam que poderiam não se reeleger se você fosse candidata a deputada.
MARTA - A gente nunca sabe como vai ser, mas a hipótese era de que eu seria uma boa puxadora de votos, o que era interessante para o partido. Ao mesmo tempo eu atrapalharia algumas pessoas, deputados do partido. Eu percebo o PT muito contente com a chapa que nós temos, porque é uma chapa muito forte. Uma chapa que nós não teremos trabalho para levar as pessoas a conhecer esses candidatos. É raro você ver uma chapa em que todo mundo ficou muito agradado. Teve a brincadeira que o fator Ciro acabou unindo o PT de uma forma como nunca esteve unido. Nós vamos para uma eleição com uma candidata muito sólida dentro do PT, um apoio presidencial fortíssimo e uma militância entusiasmada em São Paulo com a chapa. É uma oportunidade que o PT nunca teve no nosso Estado. As vezes em que disputamos não foram situações fáceis. Agora a economia vai maravilhosamente bem, o presidente tem uma avaliação que raramente você vê num homem público, o governo é muito bem avaliado, o Estado de São Paulo compartilha desse crescimento da economia. Quando ela vai mal, aqui afeta primeiro, é o que na minha gestão eu vivenciei. Nunca estivemos com tantas chances. Fora o esvaziamento do discurso tucano. Vai falar o quê? Fazer o metrô? Há 16 anos está prometendo [isso].
FOLHA - Como você avalia a pré-campanha da Dilma?
MARTA - Eu não tenho visto nenhum passo errado. A campanha começou bem, o lançamento foi lindo, uniu muito o partido. Eu acho que ela está indo bem. Agora, campanha vai acontecer e as opiniões vão sendo formadas dependendo do comportamento dos candidatos, não tem nada pronto.
FOLHA - Você vê a necessidade de ela aprimorar o corpo-a-corpo?
MARTA - Acho que nem ela tem muito facilidade disso, nem o Serra. Quando me cobram 'a Dilma não tem carisma' eu digo 'O Serra tem?' Mas acho que o Serra está na estrada há mais tempo e isso poderia estar melhor desenvolvido.
A Dilma está indo rápido. Nas primeiras vezes que ela era convidada a falar, era uma exposição com power point. Agora, ela está começando a falar espontaneamente. Eu a observei em situações não ensaiadas e eu percebi que ela leva jeito. [...] Ela tem que ter um tempo de transição, porque a mudança de papel que ela está vivenciando é gigantesca. Ela tinha um chefe. E tinha autonomia também, tinha que cobrar os subordinados, é a função mais dura da Casa Civil. Se você for ser docinha, fazem picadinho de você.
FOLHA - Que conselho você dá para Dilma?
MARTA - A gente tem muita conversa de mulher. Eu entendo [o que é estar em um cargo político importante] perfeitamente e o que eu digo para ela é diminuir sempre a agenda, não aumentar, como eles [a campanha] gostam. Ter a autoridade de barrar um pouco a agenda, porque quando você é candidata majoritária, se puder trabalhar de manhã, de tarde e noite, eles te põem. E se for para ter três horas de sono, melhor ainda para agradar a todos. [...] A única coisa que eu brinco com ela é que tem limite.
FOLHA - O que acha do João Santana, que trabalhou com você em 2008, como marqueteiro da Dilma?
MARTA - Eu acho que o João, para uma campanha nacional, irá muito bem.
FOLHA - Ele voltaria a ser seu marqueteiro?
MARTA - Por que eu tenho de responder uma coisa assim? Tenho uma boa relação com ele, tivemos um problema grave no final da campanha, que foi superado.
FOLHA - O que você aprendeu com a campanha de 2008?
MARTA - Centralizar um pouco mais, para não acontecer o que aconteceu. Estar mais perto. Menos suor e mais inteligência. Não sei se me explico.
FOLHA - Parecido com o conselho que você deu par a Dilma...
MARTA - É, você tem que se concentrar nas coisas que podem fazer diferença e atrapalhar muito uma campanha. Eu aprendi isso.
FOLHA - Se eleita, você voltaria a conviver diariamente com seu ex-marido, o senador Eduardo Suplicy...
MARTA - [Ri] Tenho uma boa relação com ele, respeitosa, acho que poderemos trabalhar muito bem. Problema zero. Os estilos são diferentes.
FOLHA - Se as eleições fossem hoje, você estaria eleita ao Senado, o que faria você voltar a conviver diariamente com seu ex-marido, o senador Eduardo Suplicy.
MARTA - [Ri] Normal, eu tenho uma boa relação com ele, respeitosa, acho que poderemos trabalhar muito bem. Problema zero. Os estilos são diferentes.
FOLHA - Como você vê a disputa pela segunda vaga ao Senado em São Paulo?
MARTA - Acho que não está claro. Vai depender. Ainda tem água para rolar.
FOLHA - Quando você pretende começar a campanha?
MARTA - Eu já comecei a me movimentar, mas a campanha ainda não tem um núcleo, uma coisa organizada. A partir da semana que vem eu tenho que começar a fazê-lo.
FOLHA - O PT já oficializou o nome de Mercadante, mas ele ainda não confirmou oficialmente.
MARTA - Vai ser dia 24, tá aí na frente. Acho que não tem mais volta, acho que nós estamos muito consolidados nisso. O Aloizio tem se dedicado muito a articular a campanha e a aprofundar os estudos sobre o Estado. Acho que ele vai surpreender.
FOLHA - O crescimento de Dilma não é tímido para quem tem Lula como cabo eleitoral?
MARTA -* Não, eu acho que ela cresceu bastante. Tem muita gente que ainda não a conhece e que votará nela por ser a candidata do Lula e muita gente que votará nela por ver nela uma figura competente, uma figura de mulher, algo que eu acho que está sendo pouco explorado. Esse olhar é muito interessante, e o Lula percebeu isso, que ser mulher era algo interessante.
FOLHA - A campanha de Dilma peca por não explorar o lado mulher?
MARTA - Seria interessante focar na questão da mulher, mas acho bastante difícil porque as pessoas não sabem como fazê-lo, se sentem inseguras. Eu mesma como candidata sempre achei isso, mas nunca tive certeza suficiente para seguir à frente nas discussões que tive com os marqueteiros. Mas isso seria um paradigma importante, mas é arriscado. E, quando é arriscado numa coisa de grandíssima dimensão, não se faz. Presidente da República, muito menos. Então de novo não faremos. Tem gente que não vota em mulher, e não podemos perder a oportunidade de fazer pesquisas e saber o porquê. Isso vai deixar um histórico muito importante para as mulheres, para nossas filhas e nossas netas que quiserem entrar na política. Temos uma chance única com a Dilma e com a Marina.
FOLHA - Você acha que pode ser um trunfo ser mulher?
MARTA - Acho que pode. Mas precisa saber se vai ser [nessa eleição].
FOLHA - Faz diferença uma mulher na Presidência?
MARTA - Acho que isso tem uma importância gigantesca que não é levantada e que faz parte do subjetivo. Vou te contar um exemplo. Quando eu fui candidata ao governo, a filha do Nilton Lima tinha 10 anos, chama Bruna, queria ser bailarina. Ela conversou comigo. Quando acabou a campanha, o Nilton falou 'Marta, a Bruna não quer mais ser bailarina'. Eu disse 'o que ela quer ser?' Ele falou para eu perguntar pra ela. Ela disse 'governadora do Estado de São Paulo'. Aquilo pra mim foi um encantamento. Porque não tinha esse papel para pensar nessa possibilidade. Eu acho que candidatura da Dilma, de uma mulher, com a competência que ela tem, pode servir de enorme estímulo para as mulheres. O modelo do 'eu posso chegar onde eu desejar'.
FOLHA - A sua geração de mulheres ganhou muito espaço na política. O que falta?
MARTA - Sim, mas mulher ainda tem muito a caminhar nesse país. Nós caminhamos um pouco pra trás em algumas áreas, caminhamos par trás na área política. A não ser por uma candidatura presidencial, que é de enorme importância, e que pode quebrar estes paradigmas, nós diminuímos nosso crescimento no parlamento. Enquanto a Argentina tem 38% de mulheres no parlamento, nós temos 9%. E somos o antepenúltimo na América Latina em termos de representação [feminina] política no parlamento. A nossa geração, minha e da Dilma, ainda está para acontecer na política. Ainda temos muito a caminhar.
FOLHA - Você teria desejo de voltar à prefeitura?
MARTA - Eu digo o seguinte: é muito forte essa candidatura ao Senado, é muito instigante. Nesse momento eu estou focada nisso. Depois é depois.
FOLHA - Você assinaria um termo de que não concorrerá à prefeitura?
MARTA - Não [risos]. Não teria cabimento. A gente planeja aquele momento e depois é a vida. Eu nunca tive medo de viver. O que eu posso assegurar que estou indo com muito interesse de desempenhar essa função [senadora], se for eleita.
FOLHA - A Marta senadora vai lembrar a Marta deputada?
MARTA - O que você carrega como bagagem só te fortifica. Eu ampliei muito as minhas preocupações na medida em que pude governar uma cidade como São Paulo. Eu não teria nenhum problema hoje, para dar exemplo, em ir para a Comissão de Assuntos Econômicos. Como deputada, eu não teria vontade. Eu ampliei.