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Brasil

Trabalhadores de aplicativo temem que lei aumente taxas

Apesar de alguns quererem mais segurança, outros acreditam já terem o suficiente.

Correio do Estado

17 de Outubro de 2023 - 09:35

Trabalhadores de aplicativo temem que lei aumente taxas
Se o projeto de lei for aprovado da forma que está, motoristas de aplicativo poderão ter direito a um espaço para descanso e refeições - Foto: Gerson Oliveira.

A regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo não é bem-vista por muitos trabalhadores de Campo Grande. A maioria ouvida pela reportagem teme perder a autonomia 
e ainda contar com o aumento de taxas, a fim de requererem o direito ao seguro de vida e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo.

O governo federal está a preparar um projeto de lei, via Ministério do Trabalho e Emprego, que visa o acesso a direitos trabalhistas, mas que também pretende dar a alternativa dos prestadores de serviço escolherem o modelo de trabalho autônomo ou baseado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A segunda alternativa não é aceita pelos motoristas. Sávio Araújo é motoentregador há pouco mais de um ano e prefere manter o serviço autônomo, por conta da flexibilidade de horários.

“A hora que eu quiser começar eu ligo o aplicativo, quando eu quiser parar eu desligo. 
Geralmente, eu pego na hora do almoço, das 11h às 15h, e depois volto à noite, quando dá umas 18h, até as 22h”, explica.

Já Alan Andrade, que também trabalha como motoentregador, informa que escolheu o emprego em função da condição de escolha de horários e dias de trabalho, por ainda estudar. Para ele, hoje em dia já existe a opção de o motorista trabalhar via CLT, sem precisar da criação de uma nova lei.

O motoentregador Douglas Melo vai além, pois é contrário ao governo federal intervir na relação e no acordo entre as empresas e os trabalhadores. Entretanto, muitos pontos que ele se diz contra deve ser contemplado no projeto de lei, na opção de trabalhador autônomo.

“O direito que eu tenho é esse, de vir trabalhar no horário que eu quero. Eu não trabalho com uma empresa, eu não trabalho para ninguém, eu trabalho para mim. Não vejo vantagem. O governo não é inteligente”, esclarece Melo.

Entre os motoristas de carro de aplicativo, a visão também é parecida. Adalberto Espíndola aponta que ainda está leigo no assunto, buscando mais informações sobre a criação da lei, porque se depara com muitas mentiras na internet.

Contudo, ainda assim, ele prefere que o formato continue como está atualmente, pois tem a questão de ter flexibilidade e já está a recolher encargos sociais como INSS e ISS.

“Tem que trabalhar, tem que fazer sua carga horária. Não adianta você querer trabalhar 2 a 3 horas por dia, tem que ralar, tem que fazer 8 a 10 horas por dia, 12 horas”, comenta Espíndola.

A iniciativa do Ministério do Trabalho de incluir direitos trabalhistas e seguro de vida ao segmento é vista com receio pelos trabalhadores, em virtude do medo de aumento de taxas.

Andrade destaca que hoje em dia há opções de contribuição e tempo de trabalho para aposentadoria, mesmo atuando como motorista de aplicativo, sem a necessidade de uma lei específica.

“Digamos que a gente recebe R$ 4 mil, e aí vai passar a receber R$ 2 mil para ter os direitos. A gente já consegue escolher como a gente vai querer nossos direitos, a gente já consegue escolher como vai se aposentar. Se a pessoa quiser registrar, já tem a oportunidade para quem vai registrar, não precisa acabar com a modalidade do trabalhador autônomo”, cita o motoentregador. A ideia do governo, porém, também inclui essa modalidade.

Já Araújo, além de contribuir com impostos trabalhistas, também relata que assina o seguro de vida e da moto que são oferecidos pela plataforma ao qual presta serviços.

“Eu prefiro do jeito que está agora”, se posiciona o motoentregador, que paga mensalmente pelos seguros.

O receio das taxas também é relatado por Bruno Barreto, motorista de carro de aplicativo, que afirma que se sentiria mais seguro com os direitos trabalhistas regulamentados na nova lei, mas não concorda como o aumento de taxas.

“Tem que ser uma coisa que seja boa para ambos. Não adianta você taxar demais, onerar demais as nossas despesas e não compensar isso de outra forma. Mas a parte do INSS é uma segurança que a gente tem, porque se a gente passa mal, se acidenta, a gente não tem renda. A gente trabalha, produziu e ganhou. Não produziu, não ganhou”, aponta.

No entanto, o presidente da Associação de Parceiros de Aplicativos de Transporte de Passageiros e Motoristas Autônomos de Mato Grosso do Sul (Applic-MS), Paulo Pinheiro, que conversou em junho com o Correio do Estado, relatou na época que a categoria gostaria de ter direitos iguais a qualquer trabalhador, como férias coletivas, décimo terceiro, seguro-desemprego, carteira assinada, plano de saúde e vale-alimentação.

Na ocasião, Pinheiro foi além e disse ser um absurdo a taxa cobrada em cada corrida pelo aplicativo, sendo essa a principal reivindicação da paralisação do dia 15 de maio.

“Não tem como dar entre 25% e 40% em cada corrida para essas empresas, isso chega a ser uma covardia sem tamanho, pois tudo sai do bolso dos profissionais. Alguns exemplos: plano de internet, combustível, locação de veículo, IPVA, pneus, peças de reposição, etc.”, exemplificou.

ESPAÇO DE APOIO 

Uma outra iniciativa que está sendo levantada pelo Ministério do Trabalho é a criação de espaços de apoio aos motoristas, que devem ser disponibilizados aos trabalhadores para que eles tenham o acesso a uma estrutura sanitária e a um ambiente para refeições e descanso, além de ter a sua disposição internet e equipamentos de proteção.

Um dos shoppings da Capital já conta com um local exclusivo para o estacionamento 
de motos, a fim de que os entregadores consigam deixar seus veículos e buscar o pedido dentro do tempo estipulado.

No entanto, o espaço não está de acordo com o estudado pelo ministério. Ainda assim, o estacionamento exclusivo é algo celebrado por motoentregadores.

“Eu acho que a empresa tem que ver a gente como colaborador, tem que fornecer bag, 
tem que oferecer seguros mais baratos. Eu acho que eles têm essa obrigação, porque a gente trabalha para eles, e eles ganham em cima da gente e do restaurante, a gente paga uma taxa para eles. Então, tem que ter mais pontos de apoio, mas é a empresa que deveria cuidar mais”, diz Andrade.

Para Araújo, o espaço exclusivo facilita no tempo da entrega. Em outro shopping de Campo Grande, o motoentregador diz que perdia alguns minutos tendo que validar o ticket com o segurança, que agora já está mais ágil, porque os próprios motociclistas fazem a validação, mas ainda assim prefere os pontos de apoio.

Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) confirma que participa das discussões sobre a regulação do trabalho intermediado por plataformas tecnológicas e que apresentou “uma série de documentos no grupo de trabalho tripartite convocado pelo governo”.

“A Amobitec tem defendido que a discussão de ganhos mínimos e da contribuição previdenciária deve considerar o perfil de engajamento dos trabalhadores e, dessa forma, não onerar demasiadamente esses profissionais. A Amobitec reforça seu interesse em colaborar para a construção de um modelo regulatório que busque ampliar a proteção social dos profissionais e que garanta um ecossistema equilibrado para entregadores, motoristas, usuários e apps”, afirma.