Logomarca

Um jornal a serviço do MS. Desde 2007 | Terça, 26 de Novembro de 2024

Esporte

Indústria leva Caracol à Copa de 2014 e faz brotar esperança no campo

Um novo laticínio será inaugurado em dezembro: geração de empregos e vida melhor na roça

Campo Grande News

25 de Março de 2013 - 10:14

De cidade de meio do caminho à representante de Mato Grosso do Sul na Copa de 2014. A reviravolta na trajetória de Caracol, localizada na faixa de fronteira com o Paraguai, se consolida numa parceria onde o campo fornece produtos à indústria, que, por sua vez, faz brotar a bandeira da esperança nas pequenas propriedades rurais.

No ano que vem, atletas de delegações estrangeiras e turistas que se hospedarem em Cuiabá (Mato Grosso) e Brasília, subsedes da maior competição do futebol mundial, vão encontrar no café da manhã e nos frigobares dos quartos legítimos produtos caracolenses: leite, iogurte e queijo mussarela.

A produção do laticínio do pequeno município, onde quase metade dos 5.398 habitantes vive na zona rural, também vai chegar a Bonito e Corumbá, destino dos visitantes que desfrutarão da natureza generosa dos principais roteiros turístico do Estado.

Em cada embalagem dos produtos Caracolac será impresso um mapa com os atrativos de Mato Grosso do Sul. Já a indústria que colocou o município de cinco décadas no mapa do desenvolvimento nasceu há 15 anos com a Acodecol (Associação Comunitária de Desenvolvimento Artístico e Cultural de Caracol).

“A cidade era muito isolada, sem asfalto. Um lugar entre Bela Vista e Porto Murtinho. Era no meio do caminho, sem comunicação, sem celular, sem rádio. Uma cidade rural”, relata a presidente da associação, Liziane Bonfim da Silva.

Baiana de nascimento e enfermeira de formação, ela se enveredou pelos caminhos da cooperativa e na luta para tirar Caracol do isolamento. Na rotina do posto de saúde, descobriu o quão cruel pode ser a vida num município pobre e sem oportunidades, com meninas sendo abusadas em troca de dinheiro ou até mesmo sacolão.

A briga, então, foi para dar opção de emprego e renda aos moradores. Diante da ameaça de perderem o maquinário para a instalação de um laticínio, Liziane e o fundador da Acodecol, Bento Afonso Oliveira, arregaçaram as mangas para tirar o projeto do papel. A pequena planta, erguida ao custo de R$ 400 mil - obtidos com campanhas, shows e bailes - começou as atividades recebendo 80 litros por dia. Hoje, são 20 mil litros.

Produção que vai dobrar para que os produtos do laticínio ultrapassem as divisas sul-mato-grossenses em 2014. O sonho da Copa nasceu em 2010, quando o governo federal fez uma chamada pública para fornecedores. Depois da primeira aprovação, técnicos do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) vieram a Caracol para recolher amostras do produto. Atestada a qualidade, o Caracolac foi selecionado.

Para o novo desafio, a marca ganhou pequenas adaptações, mas manteve o sorridente caracol, que já provou saber chegar longe.

Dias melhores - Diante do aumento da demanda, um novo laticínio será inaugurado em dezembro. A obra, que começa em julho, com apoio da Seprotur (Secretaria Estadual de Produção), terá investimento de R$ 1,9 milhão, maquinários mais modernos e vai gerar 35 empregos em toda a cadeia produtiva. A produção também ganha em diversidade: com queijo prato e minas frescal, que tem maior valor no mercado.

Numa localidade onde oportunidades de emprego são raquíticas, a cadeia produtiva do leite acalenta o sonho de dias melhores. Para Jenivaldo Nunes, de 21 anos, o presente já se tornou mais próspero. O emprego no laticínio garante renda mensal de R$ 1.200. Se não fosse o Caracolac, ele calcula que ganharia R$ 720 trabalhando em algum dos cinco mercados da cidade.

“Já comprei geladeira, fogão, cama, notebook”, conta o jovem. Agora, a meta é comprar uma moto e retomar os estudos. Com o mesmo entusiasmo, ele fala da satisfação de ver os produtos do laticínio ganhar novos mercados. “É um orgulho. Levar o nome de Caracol para a Copa do Mundo. O trabalho dos pequenos produtores rurais”, diz.


Fábio Flor de Souza, de 31 anos, trocou o trabalho de pedreiro por uma oportunidade no laticínio. “Aqui é bem melhor”, afirma.

A indústria também abre oportunidades para quem tem ensino superior, como advogado e veterinário. Para esses profissionais, o único trabalho compatível com a formação era na Prefeitura.

A riqueza do campo – Além do laticínio, a associação comanda uma indústria de beneficiamento de mandioca. Os empreendimentos nutrem a economia do campo. Vencida a estrada que serpenteia por subidas e descidas, chega-se ao sitio de Arancíbio de Arruda, no distrito de Alto Caracol. Nos últimos dezenove dos seus 43 anos, ele trabalhou como peão para comprar o próprio pedaço de chão.

Hoje, dono de 74 hectares, aposta na produção de leite e na roça de mandioca para tirar o sustento da terra. De início, pretendia criar gado para abate, seguindo a cultura local. O leite era só para consumo da família e, de vez em quando, fazer queijo.

Agora, a produção de 18 vacas leiteiras rende R$ 800 por mês. Já a cada colheita de dez hectares de mandioca, o retorno é de R$ 10 mil. As novas fontes de renda refletem na casa que ganha melhorias e em novos hábitos.

Nada de cavalo, Arancíbio vai é mesmo de moto mostrar o mandiocal. No dia da visita do Campo Grande News, a esposa não estava no sítio, tinha ido a Jardim para tirar CNH (Carteira Nacional de Habilitação). O que não muda é o esforço na lida. É preciso acordar antes do nascer do sol para ordenhar as vacas.

A estabilidade para os produtores rurais vem do preço fixo, que não se sujeita às variações de mercado. Faça chuva ou faça sol, eles recebem R$ 0,80 por litro de leite. “O preço não varia na safra e na entressafra, a época que produz menos”, explica Liziane. No auge da produção, quem comercializa leite via o preço cair para até R$ 0,50 o litro. A associação tem 1.500 produtores cadastrados, a maioria em assentamentos rurais.

Ouro branco - Com rebanho maior e investimento na raça Jersey, os veterinários Cristina e Luiz Miguel Pezzini faturam até R$ 4 mil por mês com a produção de leite. A ordenha é mecanizada e acontece duas vezes por dia. “É uma forma de renda para o produtor e a industrialização agrega valor”, afirma Cristina.

Dócil, o gado de origem inglesa se adaptou ao calor local, que se mostrou insuportável para a vaca holandesa. Os bezerros são apartados da mãe logo que nascem. Mas, não ficam sem cuidados. Todos os dias, cada um recebe quatro litros de leite e, detalhe, na mamadeira.

O valor das coisas simples – A passagem dos produtos in natura pela indústria rende dividendos econômicos e sociais. Presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínio de Mato Grosso do Sul, Hernandes Ortiz explica que a industrialização de produtos que saem do campo é fundamental. “A industrialização vai de encontro a duas grandes vertentes: econômica e social. Agrega valor ao produto”, salienta.

Conforme Hernandes, industrializar a produção rural atende à necessidade mundial por alimento. “Aquilo que vem na mesa, antes passou pela mão do homem do campo”, diz referindo-se a toda cadeia produtiva que nasce nas propriedades rurais.

Para o presidente do sindicato, a Fiems (Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul) cumpre sua parte na relação campo-indústria e o que falta é incentivo público. “As indústrias fazem a parte delas. Precisamos de políticas públicas para a agroindústria”, enfatiza.

Em Mato Grosso do Sul, mais de 90% do leite produzido é de assentamento e a cadeia produtiva envolve mais de 100 mil pessoas, sendo 72 mil diretamente. “O laticínio de Caracol é um exemplo que quando a agroindústria vai bem o desenvolvimento chega ao campo e à cidade”, afirma Hernandes Ortiz.

O futuro entra em campo – A Copa ainda nem chegou, mas a Acodecol já se planeja para seguir gerando emprego e renda depois da maior festa mundial do futebol. O caminho das pedras foi trilhado com incentivos do governo federal.
A União instituiu programas como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

Neste último, a administração publica adquire alimentos de agricultores familiares e destina para restaurantes populares, banco de alimentos e famílias em situação de vulnerabilidade social. Para o futuro, a estratégia é conquistar novos mercados. A produção, que vai aumentar para a Copa, deve ser destinada à merenda de municípios, atendendo ao Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar).