Esporte
Movimento reúne denúncias de assédio, Entenda
Grupo "BotaFOGO no Assédio" oferece apoio a torcedoras alvinegras que relatam assédios
Globo Esporte
11 de Setembro de 2020 - 10:32
O grupo "BotaFOGO no Assédio" foi criado em 2020 para oferecer apoio a torcedoras alvinegras vítimas de assédio nos estádios após um botafoguense ser flagrado fazendo filmagens de teor sexual de uma mulher na arquibancada do Nilton Santos. Na última quinta-feira, o movimento recebeu inúmeras denúncias contra um membro de uma torcida organizada. Ao ge, o clube disse que abrirá um processo interno para investigar a situação.
- Em função das graves denúncias de assédio relatadas por torcedoras e por se tratar de um sócio-proprietário, o Botafogo comunica que, após receber as denúncias com as provas pertinentes, irá instaurar um processo interno para averiguar o caso, como determina o estatuto. O Botafogo entende a gravidade dos relatos e repudia com veemência qualquer tipo de assédio. O Clube reitera o seu posicionamento de que jamais vai admitir situações como essa, exigindo respeito às mulheres.
Torcedora faz denúncia em rede social
O caso veio a público após uma torcedora usar seu perfil no Instagram para denunciar o homem. Tamires de Morais faz um alerta a outras torcedoras do Botafogo "para não caírem no papo desse cara", que ela conheceu em 2017 em um jogo da Libertadores.
- Ele começou a me seguir no Instagram com uma abordagem que me deixou bem desconfortável até que ele veio com um papo para eu ser modelo da clínica dele, e eu não aceitei. Eu bloqueei ele, mas ele fez outros perfis para me mandar mensagem, e eu bloqueei em todos. Ele, não sei como, conseguiu meu Whatsapp e começou a me assediar por lá. Fiquei muito nervosa na época, pedi ajuda ao meu namorado, mas ele sumiu. Agora ele reapareceu, e muita gente sabe de quem eu estou falando. Agora está piorando, porque ele está encostando nas meninas, fazendo massagem.
- Como muitas pessoas conhecem ele, ele está indo nas meninas novas da torcida. Em uma dessas, uma amiga minha caiu na conversa dele e foi até a clínica, mas graças a Deus ela estava com o namorado. Mas e quem vai desacompanhada? Estão esperando acontecer alguma coisa para tomarem atitude. Estou fazendo isso para alertar e criar uma rede de apoio. Temos que parar esse cara - relatou a torcedora.
A professora de Direito da Unifesp, Maíra Zapater, destaca que o fato relatado por Tamires é configurado como perseguição obsessiva, que não se encaixa como crime no Brasil, mas como contravenção penal. A conduta de molestar alguém ou perturbar a tranquilidade por acinte ou motivo reprovável, presente no artigo 65 da lei de contravenções penais, tem pena de prisão simples de 15 dias a dois meses ou multa de 200 mil réis.
- A Lei das Contravenções Penais ainda prevê pena com moeda que era corrente no Brasil nos anos 1940. As vítimas devem procurar uma delegacia para realizar o registro de ocorrência. Nada impediria uma única investigação por serem fatos correlatos praticados por uma mesma pessoa. A fase policial poderia correr com todos esses casos juntos, seria até interessante para levantar provas, mas depois seriam processos criminais diferentes - disse em entrevista ao ge.
Torcedoras expõem outros relatos
O ge teve acesso a alguns prints de conversas entre o torcedor e as mulheres. Ele insiste em "elogiá-las" e faz o convite para que sejam modelo de sua clínica, posando para fotos de lingerie e biquíni. Segundo Tamires e o "BotaFOGO no Assédio", cerca de 60 mulheres relataram casos parecidos.
Outra torcedora, que preferiu não ter seu nome divulgado, disse ao ge que foi à clínica após contato com o homem. Na ocasião, ela estava acompanhada dos pais e sentiu que ele ficou desconfortável e acelerou o processo.
- Ele entrou em contato pelo Instagram para uma parceria que seria massagem modeladora em troca de divulgação. Eu fui com meus pais na parte da tarde, umas duas da tarde, e parecia que a clínica estava fechada. Só tinha ele na clínica, e eu pensei que seria uma mulher que faria a massagem. Ele ficou um pouco assustado quando cheguei com meus pais, fomos para o segundo andar sem eles, ele fez algumas perguntas, fez a massagem de uma maneira rápida. Ele queria marcar o retorno, mas eu já sabia que não queria mais voltar - contou a torcedora.
O medo da denúncia
No Twitter, outra torcedora relata que levou um "tapa na bunda" do mesmo indivíduo certa vez no estádio. A professora Maíra explica que, em tese, a própria palavra da vítima deveria ser levada em consideração nos crimes sexuais, por conta da dificuldade de haver testemunhas. Ela destaca a dificuldade de realização do registro de ocorrência, por conta do tratamento que as mulheres recebem nas delegacias, mas reforça a importância de não se calar.
- A mulher que foi apalpada no estádio, por exemplo, pode buscar desde registros de vídeo das câmeras de segurança ou até a palavra dela pode ser usada como uma prova. Claro que cada prova vai ter mais ou menos força em um caso concreto, mas é importante que as mulheres sempre façam o registro da ocorrência - esclareceu a especialista.
No caso das torcedoras, a denúncia na delegacia ainda não foi realizada por conta do medo. Apesar das conversas registradas, há o receio de que os registros salvos não sejam considerados suficientes como provas.
O que é eficaz no combate ao assédio nos estádios?
Os casos de assédio sempre levantam a seguinte pergunta: como garantir que mulheres frequentem os estádios livremente, assim como os homens fazem? Maíra ressalta que o caminho mais interessante e eficaz está fora da esfera jurídica. Ela acredita que os clubes e as torcidas devem criar ações efetivas, como o banimento de assediadores, por parte das instituições, e campanhas e boicotes, no lado dos torcedores.
Um exemplo positivo que contou com a participação de quem vem da arquibancada foi a criação da lei contra assédio nos estádios do Rio de Janeiro, elaborada em parceria com torcedoras.
- É importante lembrar que a lei penal só é cumprida quando o crime já aconteceu. Ela não tem um efeito de proteção de vítimas, mas, sim, de punir quem já praticou uma conduta. Me chamou atenção de ser de novo o Botafogo. Claro que, se configurado crime, tem a lei penal para aplicar - e ela precisa ser aplicada. Mas, se a intenção é fazer com que as pessoas parem de praticar as condutas, que os homens parem de cometer abusos, o caminho precisa ser outro, ter outro tipo de pensamento. Acionar clubes, acionar torcidas, ter um outro tipo de abordagem - finalizou Maíra.
Torcida organizada bane torcedor
O torcedor em questão é membro da torcida organizada "Loucos pelo Botafogo". Por meio do Twitter, o grupo informou que ele "não estará mais presente na torcida e nas dependências da mesma" e que fez contato com o Botafogo "para que seja tomada uma providência".
Movimento apoia torcedoras
O "BotaFOGO no Assédio", criado por sete torcedoras alvinegras, tem recebido vários contatos nas últimas 24 horas em razão dessas denúncias. Ao ge, Mayra Baptista, uma das idealizadoras do movimento, explicou como elas atuam.
- Nesse caso, gostaríamos que o assediador fosse denunciado e tivesse alguma consequência jurídica, mas sabemos que é quase impossível. Ficamos felizes com o posicionamento assertivo da Loucos, de barrar o assediador de todas as dependências da torcida, gostaria do mesmo feito pelo Botafogo. Mas, além disso, que o time trabalhasse com mais afinco para lidar com o assédio. Só esse ano já foram dois casos que viralizaram, fora os outros que a gente não sabe e precisa saber.
- Nossa intenção sempre foi ser um canal aberto, tanto para dar informações sobre assédio como denunciar, mas também para as torcedoras se sentirem confortáveis a relatar os assédios, sentirem que alguém vai ouvi-las. Recentemente, inclusive, conseguimos a parceria com uma psicóloga, que se colocou à disposição para ajudar as vítimas - afirmou Mayra.
Na página "BotaFOGO no Assédio", tanto no Instagram quanto no Twitter, as torcedoras divulgam informações de utilidade pública, como endereços de Delegacias de Atendimento à Mulher e canais para denunciarem qualquer tipo de abuso, além de provocarem o debate sobre o assunto.
- Quanto mais se debate, mais podemos trazer à tona esses casos e não ficar mais quietas e achar normal ou de pouca importância. Precisamos falar para tentar conscientizar tanto os homens quanto as mulheres sobre o fato disso ainda acontecer e ainda precisar de muita luta para acabar - destacou Mayra.
O ge tentou contato com o homem por meio da clínica em que ele trabalha, mas não conseguiu falar com ele. A equipe tentará novamente nesta sexta.