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Esporte

Sempre acreditaram: a maior noite do Galo vista quase de dentro do campo

O choro e a fé de Victor, o sorriso de Réver, a emoção da torcida: como foi a final da Libertadores a dois metros do gramado

Globo Esporte.com

25 de Julho de 2013 - 15:10

Uns dois metros para a frente, e ali está o campo. O campo, e nem ele sabe disso, onde o Atlético-MG será campeão da Libertadores. Uns dois metros para trás, e ali está a torcida - ela pulsa, pulsa, pulsa. A torcida, e nem ela sabe disso, que será campeã da Libertadores. Que não sabe, mas sente, pressente. E acredita como jamais algum ser humano acreditou. Estar ali, na beira do gramado, tão pertinho, é sentir essa mistura maluca de devoção, entrega e história. Desde cedo, quando a imensidão do Mineirão foi rompida pela entrada em campo do time, com Ronaldinho Gaúcho em surto psicótico, saltando, berrando, até o instante final, com Victor explodindo em lágrimas, estava na cara: o 24 de julho de 2013 seria a data oficial daqueles que jamais deixaram de acreditar.

O GLOBOESPORTE.COM passou cinco horas junto ao campo para sentir como seria a final dali de dentro - de antes da partida até a hora em que a taça da Libertadores ruma para o vestiário atleticano. Mais do que qualquer plano tático, raciocínio técnico ou superação física, o jogo escancarou uma enorme simbiose entre time e torcida. Foi um pacto. Não é exagero: a quantidade de vezes que os atleticanos urraram gritos de "eu acredito" das arquibancadas deve ter beirado uma centena.

E o time acreditou junto. Os jogadores foram a campo enlouquecidos. O olhar de Ronaldinho não esteve opaco, perdido. Quando ele encontrou aquele ambiente, virou o mais obsessivo dos atletas. No aquecimento, parecia emular o Galo Doido, mascote que agita a torcida antes das partidas. Não parava quieto. No instante em que os atletas estacionaram em fila no centro do campo para respeitar um minuto de silêncio, ele parou ao lado de Bernard, segurou a mão do garoto e a apertou firme, até fazê-la doer. Só soltou quando foi hora de começar o jogo. Com palmas, empurrou o elenco antes do apito final, enquanto Junior Cesar, perto da linha lateral, cerrava os punhos e berrava na direção da torcida. Pierre, ajoelhado, rezava. Tardelli, lá do outro lado, também. Que clima. Que jogo.

O começo da partida logo rendeu a primeira chegada do Galo ao ataque. Chute cruzado de Tardelli, para fora. Victor, no lado oposto do campo, arregalou os olhos. Soltou um "Uuuuuuh". Virou para trás, na direção dos torcedores, e gritou: "Vamooooooooooo." E a torcida foi. Apoiou sem parar. Cantou o hino. Seguiu avisando que acreditava. Mas algo desesperador acontecia: o time não correspondia em campo.

O Olimpia esteve bem em parte do primeiro tempo. Sobressaiu-se no meio-campo. Não fosse a atuação soberba de Réver e, muito especialmente, de Leonardo Silva, sabe-se lá o que poderia ter acontecido. Mas a dupla de zaga foi impressionante. O capitão cortou todas por cima, uma depois da outra. Parecia ter o triplo do tamanho dos rivais. Seu colega de setor esteve ainda mais seguro. Ele encontraria a eternidade no segundo tempo.

Lá na frente, a situação não era bem assim. Por mais que Ronaldinho Gaúcho chamasse o jogo, o setor ofensivo não fluía. Era um exagero de bolas levantadas para a área. Bernard, Tardelli e Jô não conseguiam triangular. A tensão chegou a ponto de a torcida murmurar resmungos quando o camisa 10 não soube concluir a gol da entrada da área. Terminou o primeiro tempo, e era palpável o sentimento de preocupação.

No intervalo, o Mineirão ficou mais pensativo, mais contemplativo, como se calculasse o tamanho da bronca de se conseguir pelo menos dois gols no segundo tempo. Mal sabia ele que Jô, entre três zagueiros, se arremessaria na bola para, já no comecinho da etapa final, fazer o primeiro gol do Galo.

É curioso: os jogadores pareciam não saber direito como comemorar o começo da arrancada para o título. Queriam se abraçar, chegar perto da torcida, mas logo lembraram que o tempo corria. Era preciso fazer mais um gol. De preferência, mais dois. E lutar. Lutar, lutar, lutar, como os atleticanos exigiam ao cantar o hino do clube - uma, duas, três, tantas vezes.

A vida do Olimpia virou um inferno. A torcida mergulhou de vez no jogo, e os atletas, em campo, vestiram alma de guerra. Foi impressionante a transformação de Jô. Parecia sempre pular mais alto, sempre chegar mais forte, sempre correr mais rápido. Ele quase fez mais um. Viu a bola ser cortada perto da linha.

- Aaaaaaaaaaaaaaaaah. Filho da p...! - gritou o atacante.

Pressão, pressão, pressão. Rosinei entrou bem. Alecsandro também - em falta nele, foi expulso Manzur. Já começava a ficar evidente que o Olimpia sucumbiria. Ronaldinho quase fez. Tardelli levou as mãos à cabeça. Jô teve nova chance. Ouviu seu nome ser gritado pela torcida enquanto olhava aos céus, pedindo ajuda. Naquele momento, porém, o auxílio divino parecia direcionado a Leonardo Silva.

O zagueiro teve uma chance. Cabeceou no travessão. Chegou a pedir desculpas a Ronaldinho, que reclamava que o defensor deveria ter deixado a bola para ele.

O zagueiro teve mais uma chance. Novo cabeceio, desta vez salvo pelo goleiro Martín Silva, que já começava a se transformar em uma das figuras da partida.

E aí o zagueiro teve o gol. Pequenos detalhes que mudam uma existência: ocorre um primeiro cruzamento, e Leonardo Silva vai ao chão. Os jogadores do Atlético pedem pênalti. A jogada segue. Sai novo cruzamento, e aí o zagueiro marca. Se aquele pênalti tivesse sido anotado, uns cinco segundos antes, o Galo seria agora campeão da América?

É uma luta perdida tentar explicar o que aconteceu no Mineirão naquele instante em que a bola de Leonardo cruzou a linha. Jô atirou-se ao chão. Victor e Réver abraçaram-se. E o zagueiro correu até a linha lateral, ficou de joelhos, ergueu as mãos aos céus. Foi abraçado, até sacudido, por Ronaldinho. Ao fundo, torcedores choravam, soluçavam, abraçavam pessoas que nunca tinham visto na vida - mas que eram atleticanos feito eles, alma da mesma alma.

Restava infernizar o Olimpia até que saísse o terceiro gol, fosse no tempo normal, fosse na prorrogação. Réver, gigantesco, cabeceou no travessão. O gol tremeu, tamanha a força da conclusão de testa do zagueiro. E ele não acreditou. Olhou para o goleiro, olhou para os repórteres, olhou para o travessão. Sorriu. Logo depois, teve outro cabeceio, desta vez para fora. E aí não achou mais graça.

- Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah. C...! - berrou.

Seguiu a prorrogação, e nada do terceiro gol. Bernard desabou no campo, com cãibras. Foi atendido por Luan, que recebeu o cartão amarelo mais inusitado de sua vida ao se fazer de médico. O garoto foi atendido. Cuca, ao lado dele, era uma figura quase cômica. Dizia ao jovem meia: "Calma, calma." Enquanto isso, se mostrava o mais agoniado dos seres, já sem unhas para roer.

Era 0h19m quando o apito do árbitro informou que a Libertadores de 2013 seria decidida nos pênaltis. Victor parou por um segundo e começou a caminhar lentamente, como se entrar para a história do Clube Atlético Mineiro fosse algo já escrito, apenas um papel que ele teria que cumprir. Puro disfarce. Internamente, o goleiro vivia a maior aflição de sua vida.

Victor, Victor, Victor. São Victor dos Milagres, como diziam algumas bandeiras espalhadas por Belo Horizonte antes do jogo. Dos milagres contra o Tijuana. Dos milagres contra o Newell's. Dos milagres contra o Olimpia. Veja só: ali nas arquibancadas, atrás do gol, torcedores rezaram um "Pai Nosso" antes de começarem as cobranças.

Ao se posicionar para tentar evitar o primeiro chute dos paraguaios, de Miranda, o goleiro colocou pouco além da linha um pequeno crucifixo, entregue a ele por um roupeiro do Galo, que o havia recebido de um torcedor. Victor, compenetrado, mergulhado nele mesmo, mal celebrou quando defendeu o chute. Fechou a mão e fez um gesto discreto.

Lá foi Martín Silva, o goleiro do Olimpia. Pegou o crucifixo de Victor e o tirou do gol. O atleticano olhou nos olhos dele. Encarou-o por uns cinco segundos. Parecia querer esgoelá-lo. E assim se iniciou um ritual: Victor colocava o crucifixo no gol, Silva tirava; Victor recolocava, Silva tirava de novo.

O santo atleticano foi mais forte. Alecsandro bateu bem e fez uma louvação à torcida. Ferreyra bateu na sequência: quase! A bola passou sob Victor, a ponto de arrancar os cabelos, tamanha a revolta por não ter pego a bola. Não teve problema: Guilherme, Jô e Leonardo Silva (que partida, Leonardo Silva!) fizeram. E Gimenez errou.

Toda a população não-atleticana do planeta jamais entenderá o que significou aquele momento, aquele pequeno corte no tempo, em que o chute de Gimenez acertou o travessão de Victor. É como se mais de 100 anos de vida explodissem em um único instante, num piscar de olhos. De olhos encharcados.

Victor foi erguido aos céus. E chorou. Chorou como os torcedores que, nas arquibancadas, ali pertinho dele, não conseguiam mais cantar nada. Só derramavam as lágrimas de quem sempre acreditou. E de quem, depois deste 24 de julho de 2013, jamais deixará de acreditar.