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'Não sei se um dia vou voltar': quem é o brasileiro de 23 anos preso na Tailândia por tráfico, onde há pena de morte e prisão perpétua

Jordi Vilsinski Beffa, de 23 anos, é filho único e mora em Apuracana (PR) com os pais; de uma hora para outra, terminou namoro de um ano, largou o emprego e mentiu à família que iria para Balneário Camboriu (SC)

OGlobo

24 de Fevereiro de 2022 - 09:34

'Não sei se um dia vou voltar': quem é o brasileiro de 23 anos preso na Tailândia por tráfico, onde há pena de morte e prisão perpétua
Jordi: jovem desembarcou horas depois de outros dois brasileiros que também foram presos com cocaína Foto: Reprodução

Poucas horas após dois jovens serem presos num aeroporto na Tailândia, no último dia 13, flagrados com cerca de 9 quilos de cocaína escondidos na bagagem, um terceiro brasileiro também seria detido pelas autoridades locais. Era Jordi Vilsinski Beffa, de 23 anos, morador de Apucarana  (PR). Com ele, policiais encontraram mais 6,5 quilos da mesma droga. O rapaz, que passará o aniversário de 24 anos, nesta quinta-feira (24), isolado no presídio Samut Prakan — que fica bem próximo ao aeroporto—, conseguiu enviar mensagens desesperadas por celular a amigos no momento da prisão. Filho único, pediu para que cuidassem de seus pais, e revelou o temor de não conseguir deixar o país asiático.

'Não vou sair dessa', diz brasileiro em áudio:

— Qualquer coisa cuidados meus aí. Obrigado, irmão. Abraço. Não vou sair dessa — diz numa gravação em áudio, enviada a um amigo naquele dia 13 de fevereiro.

Na mesma conversa, ele reforça não saber quando vai conseguir voltar ao Brasil. Em nenhum momento, nega que estivesse de fato em posse da droga.

"Cuida da minha mãe aí, irmão. Eu consegui pegar o celular rápido", diz ele ao amigo. "Mas não sei quando vou conseguir voltar. Se um dia chegar a voltar. Cuida deles por mim".

'Não sei se um dia vou voltar': quem é o brasileiro de 23 anos preso na Tailândia por tráfico, onde há pena de morte e prisão perpétua
Mensagem enviada pelo jovem após ter sido detido com 6,5kg de cocaína na Tailândia Foto: Reprodução

Depois disso, a família nunca mais conseguiu entrar em contato com o rapaz. Por conta da pandemia, ele ficará em total isolamento até o dia 7 de março no presídio, sem poder ter qualquer tipo de comunicação com outras pessoas. Após essa data, a expectativa é de que os parentes consigam falar com ele através de uma videochamada, recurso existente no presídio tailandês.

Morador de Apucarana, cidade de 136 mil habitantes no Centro-Norte do Paraná, Jordi é filho único e mora com os pais num conjunto habitacional popular na cidade. De acordo com a família, ele estava trabalhando há três anos, com  carteira assinada, numa empresa que fabrica máscaras, como as utilizadas na proteção contra a Covid-19, fazendo um turno noturno de 18h às 6h. Foi quando, de uma hora para outra, no início deste mês, avisou à família que faria uma viagem a Balneario Camboriú (SC), onde "esfriaria a cabeça". Em seguida, terminou um namoro de um ano. Por fim, pediu demissão, antes de embarcar num voo, no dia 11.

—  Dois dias e meio depois, a mãe recebe na porta de casa, às 15h da tarde, um amigo, dizendo que ele foi preso. "Em Balneário Camboriu?", ela perguntou. E o amigo disse: "Não, na Tailândia". Ela desmaiou na hora. Porque nunca teve nenhum indicativo de que o filho estivesse fora do Brasil, nem que pudesse ser preso, porque não tinha nenhum histórico nesse sentido — relata o advogado Petronio Cardoso, que do Brasil comanda a defesa do rapaz a pedido da família.

Após o susto, Cardoso conta que a mãe de Jordi procurou desesperada seu escritório pedindo por ajuda. Ele já conhecia a família e decidiu aceitar o caso.

— Fizemos contato com o Ministério das Relações Exteriores e com a embaixada da Tailândia. Lá, pediram documentos para identificação e correlação e nos informaram de que ele estava realmente preso, no presídio Samut Prakan, e que lá ficaria num setor de isolamento até o dia 7 de março. A embaixada, então, nos deu um indicativo de que, para que conseguíssemos atuar melhor e verdadeiramente na defesa de uma pessoa presa na Tailândia, precisaríamos contratar um advogado de lá,por conta da língua, conhecimento local etc — acrescentou o advogado. — Agora, estamos fazendo contatos com escritórios que atuam na área do Direito Penal na Tailândia, e sempre há um delay na demora das respostas, por conta do fuso horário. Depois de tudo acertado, no dia 7 esperamos poder fazer um contato com ele via vídeochamada através de um aplicativo do presídio.

'Não sei se um dia vou voltar': quem é o brasileiro de 23 anos preso na Tailândia por tráfico, onde há pena de morte e prisão perpétua
Jordi em foto nas redes sociais: jovem teme não conseguir voltar mais ao Brasil Foto: Reprodução

O advogado afirma que Jordi não tem bens de luxo, não possui qualquer tipo de antecedente criminal e que é um jovem "simples" e "normal". O bom retrospecto do rapaz irá servir para montar a estratégia de defesa perante o tribunal tailandês. O problema é que, assim como já explicado por especialistas em matéria publicada pelo GLOBO nesta terça-feira (22), tanto Jordi quanto os outros jovens só devem ter alguma chance de retorno ao Brasil depois que o processo for concluído, ou seja, em trânsito em julgado, o que pode demorar anos.

— Ele não tem carro, não tem moto, roupa de marca, não ostenta nenhum tipo de riqueza. Mas é um jovem que, como qualquer outro, acessa redes sociais, vai para a balada, é um menino padrão. Nunca respondeu a nem um único processo e também nunca foi detido ou preso. Estamos fazendo todo um levantamento de vida pregressa dele para demonstrarmos que é um réu absolutamente primário, sem nenhuma passagem na Justiça estadual, criminal, não é envolvido com ninguém que sabidamente mexe com isso. A gente acredita que ele foi utilizado como mula, mesmo. Iludido, enganado na promessa de viagem a um lugar paradisíaco e lindo, como sabemos que é a Tailândia — afirmou.

Apesar de frequentar baladas, o advogado afirma que Jordi não ia a festas eletrônicas, conhecidas como rave, como era o caso de Mary Helen, de 21 anos, também presa no dia 13, um ambiente conhecido pelo consumo deliberado de droga e, também, terreno fértil para que traficantes cooptem as chamadas "mulas". No entanto, ele acredita que o rapaz tenha sido atraído por promessas feitas no mundo virtual.

— Por tudo o que vimos, especialmente pelo retrospecto dele, eu acredito que ele tenha sido cooptado ou em rede social ou em ambiente gamer. Inclusive, deixo um alerta aos pais sobre isso. Porque ele é um menino do interior do Paraná, uma cidade relativamente tranquila, sossegada... e de repente um menino que mora sozinho com os pais é cooptado de uma maneira que é quase abduzido. Só pode ter vindo do ambiente on-line.

Advogado nega que jovens se conhecessem

Naquele dia 13 de fevereiro, as autoridades tailandesas prenderam, além de Jordi, Mary Helen, de Pouso Alegre (MG) e um terceiro rapaz não identificado, que seria também do Paraná. Os dois chegaram horas antes de Jordi, com o mesmo tipo de droga, e em quantidade parecida e escondidas em malas. Por isso, houve um entendimento prévio de que o trio estaria atuando em conjunto. A quantidade de droga, inclusive, foi divulgada como sendo 15,5kg: o valor somado. Questionado, Petronio Cardoso afirma que não há relação entre seu cliente e os demais réus.

— Não há nenhum indicativo de que eles se conheciam. Nas redes sociais você não encontra qualquer ligação de um com o outro. Os amigos de Jordi também nunca ouviram falar de ninguém do estado de Minas Gerais que fosse sequer conhecido dele. O outro rapaz, ainda não sabemos quem é. Mas na própria mensagem o Jordi fala: "Estou preso aqui", no singular. Então, acreditamos que foi uma infeliz coincidência de três brasileiros presos no mesmo dia. Eram voos diferentes, companhias diferentes... mas a gente sabe que o tráfico internacional de entorpecentes utiliza sempre a mesma técnica: esconde no fundo de mala, sola de tênis.

Mary Helen e homem que a acompanhava, no momento em que foram pegoscom 15kg de drogas no aeroporto Foto: Reprodução
Mary Helen e homem que a acompanhava, no momento em que foram pegos com 15kg de drogas no aeroporto Foto: Reprodução

Por fim, Cardoso fala ainda sobre a estratégia que utilizará na defesa de Jordi, e afirma que, na sua interpretação, não há margem hoje nas leis tailandesas para que o rapaz seja condenado a penas máximas como a prisão perpétua ou pena de morte por conta do tipo de droga que estava com ele e, também, pela quantidade. Bem oposto ao que entendem alguns especialistas, e até do medo que criou-se no rapaz de não voltar mais ao seu país, o advogado acredita que possa conseguir uma pena branda, de apenas 5 anos.

— A Tailândia, diferente da Malásia, aboliu em 2016 a pena de morte para alguns casos de tráfico, ficando uma ali apenas uma possibilidade remota quando tem metanfetamina, heroína, ou quando o tráfico de alguma forma ameaça a família real. Não é o caso dele porque foi preso com cocaína. Portanto, não vislumbramos essas infelizes possibiidades de pena de morte ou prisão perpétua — explicou o advogado. — Entre 2016 e o finalzinho de 2019, a legislação tailandesa mudou e criou 3 níveis de apenamento para posse de drogas: o primeiro nível para pequenas porções, consumo próprio, mas com penas que podem chegar a 5 anos; depois, vem um nível intermediário, onde está o tráfico internacional de cocaína, que pode chegar a 20 anos, a depender da quantidade da droga e do perfil da pessoa. Dentro desse universo, recentemente, uma jovem de Santa Catarina foi apenada em 5 anos, em circunstâncias muito parecidas com a dele. Então, estamos na perspectiva de mostrarmos que ele é uma mula, não um traficante, não ostenta vida de traficante. Portanto, merece pena mais branda.