Região
Criminalizar posse de drogas viola direito individual, avaliam juristas
Senado aprovou na terça-feira a proposta que inclui na Constituição Federal a criminalização do porte de qualquer quantidade de substâncias consideradas ilícitas.
Correio do Estado
18 de Abril de 2024 - 08:55
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na terça-feira (16) pelo Senado Federal que considera crime a posse ou o porte de qualquer quantidade de droga ilícita foi considerada por juristas ouvidos pelo Correio do Estado como uma violação do direto individual, direito que consta na Carta Magna.
Para os advogados consultados, a decisão poderia ser considerada como uma “retaliação” ao julgamento que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que já tem placar de cinco votos de 11 para descriminalizar a posse de pequena quantidade de maconha.
“Essa decisão do Senado foi totalmente populismo penal, no sentido do Poder Legislativo tentar rebater o que o Poder Judiciário estava debatendo. Em nenhum momento o STF iria descriminalizar o tráfico de drogas, mas estabelecer um parâmetro que a legislação não estabelece.
Numa contrapartida, o Senado aceitou essa PEC, que na realidade ele também não coloca uma pena para usuário, ele só sob para status de crime aquele porte ou posse de uso pessoal.
O que a gente observa é uma influência midiática que o Senado está tentando colocar, de que ele vai criminalizar portar a droga”, analisou advogado criminalista Gustavo Scuarcialupi. O advogado Benedicto Arthur de Figueiredo Neto, lembra que em outros países, o que tem avançado é a descriminalização da posse ou porte.
“É preciso deixar destacado que a política criminal no mundo inteiro visou o desencarceramento de quem comete o crime da posse de drogas, e que a evolução da despenalização corporal é descriminalização, como está ocorrendo na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos”, afirmou.
“Por segundo, a ideia de se descriminalizar o uso da maconha, se remete no fundamento constitucional no direito individual da inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X da Constituição Federal) que tem como principal vetor paradigma a não punição pelo direito penal da autolesão.
Realmente, não tem cabimento, e muito menos o menor nexo jurídico, punir uma pessoa que se autolesiona fisicamente fazendo uso de substância entorpecente”, continuou o jurista.
Visão semelhante tem o professor doutor em direito constitucional da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Sandro Oliveira, que listou os problemas encontrados por ele na PEC.
“A reação parlamentar ao início do julgamento [no STF] pode ser interpretada como uma manifestação do fenômeno Backlash, caracterizando um movimento conservador de natureza punitivista.
Falta de uma preocupação efetiva com propostas de políticas públicas adequadas para enfrentar o tráfico de drogas e oferecer proteção e tratamento, [há] violação dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), e erradicação da marginalização (art. 3º, III), e violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que permite a equiparação do usuário ao traficante”, explicou.
PEC
A PEC foi apresentada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e acrescenta um inciso ao art. 5º da Constituição Federal para considerar crime a posse e o porte, independentemente da quantidade de entorpecentes e drogas, sem autorização ou em desacordo com a lei.
Segundo a proposta, deve ser observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicando aos usuários penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência.
Atualmente, a Lei nº 11.343, de 2006, conhecida como Lei das Drogas, estabelece que é crime vender, transportar ou fornecer drogas. A pena é de reclusão de cinco a 15 anos, além de multa.
Adquirir, guardar, transportar ou cultivar drogas para consumo pessoal também é considerado crime pela lei atual, mas neste caso as penas previstas são: advertência, medidas educativas e prestação de serviços à comunidade. A legislação não estabelece uma quantidade de entorpecentes que diferencie os dois delitos.
A Proposta de Emenda à Constituição teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno. Ambos realizados na terça-feira.
Após aprovada no Senado, a proposta seguirá para a análise da Câmara dos Deputados. Para que a mudança seja incluída na Constituição, a PEC precisa ser aprovada nas duas Casas do Congresso.
SAIBA - JULGAMENTO DO STF
O julgamento no Supremo foi suspenso em março após pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Antes da interrupção, o julgamento estava 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal. A quantidade a ser descriminalizada ainda é discutida pela Corte.