Sidrolandia
Artur Araújo: A crise do crescimento acelerado
Artur Araújo: A crise do crescimento acelerado O PSDB, o FMI e a turma dos 30%
Região News /Carta Maior/ Cláudio P. Souza
29 de Abril de 2010 - 13:16
O espectro de uma pergunta ronda as redações e, se formulada, desnudará o que realmente separa as duas principais candidaturas à presidência. Basta indagar de José Serra: o senhor propõe parar o Brasil?
Explico-me, a partir de três exemplos muito recentes: um artigo de Luis Carlos Mendonça de Barros, os 50 anos de Brasília e as manchetes sobre a orientação do FMI para que o Brasil reduza sua taxa de crescimento.
Em artigo publicado na FSP de 16/04, Mendonça de Barros , o ex-ministro de FHC de volta a sua vida de financista, revela o que é o centro da economia política do PSDB. Tido e havido como desenvolvimentista, anti-Malan, da escola de Sérgio Motta e José Serra, Mendonça expõe uma tese: a euforia pelo crescimento nos levará a bater no muro das restrições econômicas; esse filme tem final triste. E para quem esperava as clássicas formulações sobre os gargalos de infraestrutura, a baixa taxa de expansão da capacidade instalada, a gastança em custeio que impede o investimento público ele abre seu coração e surpreende:
A maior parte da oferta na economia brasileira é constituída por bens e serviços que não podem ser importados. O mais importante deles é o mercado de trabalho e nele é que está a componente mais ameaçadora que vejo para a frente. [...] Poderemos chegar ao fim deste ano com uma taxa de desemprego da ordem de 6%, mantido o crescimento atual da geração de postos de trabalho. Em março, o número de empregos formais aumentou em 266 mil, número muito forte para o mês.
[...] A pressão sobre os salários desse segmento dos trabalhadores já está ocorrendo e deve se acelerar. [...] São evidências de instabilidade grave. Dou um exemplo: a produção de caminhões da Mercedes-Benz brasileira em março foi o dobro da matriz na Alemanha. Mesmo com a crise na Alemanha esse número é um aleijão para mim.
Trocando em miúdos: crescer rápido é um problema, porque pode gerar aumentos salariais para os trabalhadores e reduzir a taxa corrente de lucros. A ótica do imediatismo salta aos olhos; nem mesmo de relance, o articulista se refere a um ciclo virtuoso, em que o crescimento real da massa salarial implica ampliação da demanda efetiva, cria as condições para expansão da capacidade produtiva (e da formação de mão-de-obra) e para a expansão da própria acumulação de capital, pelo crescimento do volume produzido e realizado.
O seu negócio é o aqui e agora, é o lucro já; e o futuro, provavelmente, nem a Deus pertence. O espantalho que agita é o da inflação de demanda, que se recusa a atacar pela via do choque de oferta, do mercado interno de massas e da expansão das exportações de maior valor agregado. Sua panacéia é o aumento dos juros.
Já na cobertura dos jornais paulistas sobre os 50 anos de Brasília, um velho espectro ressurgiu, explicitamente referido, por exemplo, em editorial de O Estado de São Paulo: Brasília, entre outras mil de suas supostas mazelas, estaria na origem da espiral inflacionária do início dos anos 1960. Sem, até hoje, compreender o que de fato Brasília operou, como meta-síntese do programa de desenvolvimento nacional de Juscelino, as vozes do passado afloram, opondo-se às obras públicas, à ação do Estado na criação de infraestrutura, na indução econômica e na integração democrática de todos os brasileiros e de todo o território nacional.
A rádio CBN tem apresentado uma ótima série de reportagens sobre a história da criação de Brasília. Em um dos programas, o tema era o debate na imprensa daquela época. A matéria narrava a campanha cerrada que o engenheiro da UDN Gustavo Corção, guru de Carlos Lacerda, movia contra a construção da cidade. Um de seus temas preferidos era o Lago Paranoá que, do alto de sua sapiência, o Dr. Corção garantia que nunca ficaria cheio, dados o regime de chuvas e as características do solo do cerrado.
No dia em que o lago ficou completo, JK, pleno de mineirice e bom humor, telegrafou para a redação do jornal em que Corção escrevia. Usou uma só palavra: Encheu.
O que Juscelino enfrentava era uma herança maldita, um Brasil litorâneo que só via a si mesmo, que desprezava mais de dois terços de seu território. A Marcha para o Oeste significou, muito além de Brasília, a experiência pioneira de Ceres, cidade-modelo agrícola implantada em Goiás, em que se desenvolveram as técnicas de correção de solo que permitiram a expansão agrícola, que hoje faz do Brasil um ator mundial em alimentos e biomassa para geração de energia. Significou, também, a abertura da rodovia Belém-Brasília (aquela que Jânio e a UDN chamavam de estrada para onça), articulando os eixos Norte e Oeste do nosso desenvolvimento.
E significou, mais do que tudo, para todos os brasileiros, trabalhadores ou empresários, uma mudança de postura e ângulo; Brasília permitiu que olhássemos mais e melhor para os nossos próprios potenciais e capacidades.
O FMI, que não é daqui, ecoa a lógica de Mendonça. Seu mais recente relatório, diz a FSP em manchete, vê economia brasileira no limite. Forçado pelos fatos a revisar para cima sua estimativa de crescimento da economia do Brasil, o Fundo aponta demanda em estágio avançado e espera medidas para desacelerar crescimento de 5,5% neste ano para 4,1% em 2011. Tanta coincidência, até nas palavras, é sintoma de um alinhamento automático, de um modo de ver e conduzir o país.
O PSDB de hoje, por vezes até mais que os demos, olha a economia e o Brasil com esse viés. O que o orienta é o mundo internacional das finanças e a propensão a pensar em pedaços, em satisfazer-se com políticas que incluem só um terço dos brasileiros os mais ricos e só uma parte de nosso território o sul-sudeste. É a turma dos 30%.
Expansão de consumo, crescimento de salários, ampliação da produção, desenvolvimento da infraestrutura, inclusão e capacitação das pessoas, todos esses são temas ausentes de suas formulações ou vistos como aleijões. Aumento continuado e real do salário mínimo, instituição de pisos salariais nacionais, redução de jornada de trabalho, diminuição de desemprego, PAC, PROUNI, são pautas que os levam à beira do pânico. Tudo que seja para todos é risco, não oportunidade.
Ainda que se dê a José Serra o benefício da dúvida, do quanto ainda preserva de seu suposto desenvolvimentismo, não é despropositado indagar como ele resistiria à pressão combinada do tucanato econômico, do udenismo paralisante e elitista e da banca mundial, falando pela boca do FMI. A experiência FHC não traz muitas esperanças quanto a isso. Um jornalista arguto qualificaria a pergunta que abre este texto e questionaria o que o candidato fará com a turma dos 30%, aqueles que, há décadas, estiveram do seu lado e sempre quiseram que o Brasil pudesse menos.
*Artur Araújo é consultor especializado em gestão pública e empresarial