Sidrolandia
Esposa acha celular, marido tenta devôlve-lo e acaba vítima de tortura policial
O encontro para a entrega foi marcado, domingo, 25 de abril às 17 horas
Midiamax
27 de Abril de 2010 - 08:58
A honestidade do comerciante Walter Mendes Rodrigues (25) o fez viver o que ele chama de pior pesadelo. Quando sua esposa encontrou um celular no buffet onde trabalha, ele logo pensou em devolver. Eu fiquei esperando o dono ligar, mas como não sabia quem era, achei melhor eu falar com ele. O dono disse que precisava do celular, mas que não poderia pegar durante a semana por conta do trabalho dele. Inclusive ele ofereceu R$ 150 para eu entregar o celular, mas eu não quis.
O encontro para a entrega foi marcado, domingo, 25 de abril às 17 horas. Eu marquei de entregar no domingo em frente ao posto policial do parque Ayrton Senna, pois ali eu achava que estaria protegido, mas eu estava enganado.
Segundo Walter, ao chegar ao posto policial, recebeu a ligação do dono do celular que estava acompanhado de outro homem. O cabo da PM, I. J. A. Eu entreguei o celular na mão dele e de repente ele [o policial] já chegou me agredindo com socos na nuca e tapas no ouvido. Ele torceu meu braço para trás e foi me arrastando para dentro do posto policial, conta.
O comerciante diz que o policial não se identificou nem perguntou nada. Ao chegar dentro do posto policial havia mais quatro policiais militares que também começaram agredi-lo. Quando eu entrei no posto policial um já bateu no meu rosto e pegou na minha garganta tentando me enforcar e bateu a minha cabeça no chão, foi ai que eu tive um desmaio e voltei à consciência.
Segundo o relato do comerciante, mesmo assim os policiais continuaram a agressão e os policiais não falavam nada, mas batiam. Eles não diziam nada para mim. O dono do celular debochava e falava: Se você fosse esperto, você pegava o chip e jogava fora. Isso eu compro outro, seu mané (sic), enquanto os outros policiais só riam, parece que eles já tinham planejado. O dono do celular que eu não sei o nome era irmão de um dos policiais, desabafa. A sessão de tortura não terminou. Quando foi a troca de turno por volta das 18h Walter conta que outros policiais chegaram ao posto policial e sem nem perguntar quem ele era, também o agrediram e debocharam da situação dele.
Eu já estava machucado, daí entrou um policial e me bateu mais, com tapas no rosto.
Suspeita de furto
Após a tortura, temendo que os policiais matassem Walter, o dono do celular disse que era para liberá-lo. O rapaz falou: vamos liberar ele. Daí, o policial disse que não tinha mais jeito, pois a m. já estava feita, então era preciso pegar meus dados e dar um jeito de me acusar. Ou seja, depois de me torturar que eles foram perguntar quem eu era e me levaram para o Depac.
Ao chegar no Depac, Walter soube que seria acusado pelo furto do celular. Eu não acreditei no que estava ouvindo, eu fui devolver o celular, fui torturado e eles iam me acusar de furto? Eles falaram que eu tinha roubado o celular e que tinha reagido à prisão. Foi quando Walter foi prestar depoimento sobre o ocorrido para o delegado de plantão, Divino Furtado de Mendonça, que a história ficou mais clara.
Esperança
O delegado e a escrivã ficaram pasmos pela versão deles. Como que alguém rouba um celular e vai entregar em um posto da polícia, ninguém no Depac acreditou.
O relógio de pulso arranhou o pescoço dele quando ele reagiu à prisão.
Segundo Walter, foi essa a explicação dada por um dos policiais para os hematomas no pescoço dele. Foi isso que eles alegaram, mas eu estou com o rosto todo machucado, e do rosto eles não falaram nada.
De acordo ainda com o jovem, o delegado ainda falou que os policiais não poderiam ter feito aquilo com ele. Eles ficaram de boca aberta, e o próprio delegado me incentivou a denunciar e me orientou a fazer o exame de corpo delito.
Ele foi liberado à 1h (madrugada), pois segundo o delegado não havia motivos para ele ficar preso.
Eu fiquei em poder dos policiais no posto policial do parque umas duas horas. Sendo torturado, humilhado. Eu sou trabalhador, tenho comércio no bairro e eles nem sabiam quem eu era.
Justiça
Ao acordar, Walter se deu conta que não era um pesadelo. Eu nem consegui dormir, fiquei pensando nas palavras do delegado e decidi correr atrás. Foi quando eu fui ao Fórum e procurei o defensor público Gustavo Pinheiro que me orientou a ir ao Depac e fazer outro boletim de ocorrência contra os policiais.
Walter diz que o que ele busca é justiça. O defensor e o delegado me incentivaram a não desistir. Isso não pode acontecer, hoje foi comigo, amanhã pode ser com um pai de família. E policial está ali para nos proteger, não para torturar. Como fica uma população que não pode confiar na polícia?, indaga.
Segundo ele, o medo é grande, mas é preciso lutar. Eu não posso desistir. Várias outras pessoas já devem ter sofrido isso, passado por isso, mas não tiveram coragem de denunciar. Eu não quero que aconteça mais nenhum um caso como aquele do motoboy em São Paulo que foi torturado até a morte por policiais. Algumas pessoas me alertaram que eles podem atentar contra mim, mas agora eu não posso desistir, o que eu quero é justiça e proteção. Mas eu não vou desistir, pois pelos meus direitos eu vou até o fim, para que essa violência policial aconteça cada vez menos. Hoje fui eu, amanhã pode ser um pai de família, uma criança ou um adolescente.
A esposa dele ,que pediu para não ser identificada, declarou que sente muito medo. Nunca imaginei que iria passar por esse pesadelo. Eu ligava no celular, mandei mensagem pedindo para me darem notícias do meu marido [e mostra a mensagem enviada], e ele estava sofrendo nas mãos de bandidos fardados, desabafou.
Os policiais I.J.A., o cabo J., registraram boletim de ocorrência contra Walter no Depac. Segundo consta no BO registrado pelo jovem, o BO de furto é de nº7048/2010.
O celular encontrado está registrado no nome de Marley Alonso Oliveira e o nome do dono do celular não consta nos autos.
O fato já foi comunicado ao Comando da Polícia Militar que deverá apurar a denúncia.
O Midiamax busca contato com os PMs para saber o outro lado da questão.