Há mais de uma década, a família das irmãs Cinthia e Anne Kellye de Albuquerque Ito aluga casas no litoral paulista para passar as férias de fim de ano. Por isso, quando viram a oferta de dois imóveis à venda em Mongaguá, litoral sul de São Paulo, no site de um banco, as irmãs pensaram ter encontrado uma alternativa perfeita para o clã. Elas comprariam as duas casas e teriam, a partir de então, um lugar certo para passar as férias e feriados.
A gente queria dar a casa para os meus pais, que são aposentados, poderem passar um tempo na praia. Aqui em São Paulo a gente mora em apartamento, explica Cinthia, de 23 anos. Mas o sonho virou pesadelo.
Isso porque as duas casas que as irmãs pensavam ter comprado não foram as casas entregues. Pelas informações do site da Caixa, reforçadas pelo laudo emitido pela instituição financeira no momento da compra e também pelo Registro de Imóveis, Cinthia teria comprado a casa da Rua Etelvina Simões Salomão, esquina com a Rua Bolívia, número 303; enquanto Anne seria a proprietária da casa de número 908 da Avenida Ursulina de Lima.
Na prática, porém, a primeira recebeu a casa de número 289 da Rua Bolívia, enquanto a outra ficou com a 912 da Avenida Ursulina de Lima. Além da incompatibilidade numérica, o estado de conservação dos imóveis também foi uma surpresa ruim. As casas tinham fezes humanas no chão. O vizinho falou que ali era um ponto de tráfico. O chão cedeu, o rodapé está a cerca de cinco palmos abaixo do chão. A casa está torta, reclama Cinthia.
A história toda começou em setembro de 2009. A irmã mais velha de Cinthia e Anne, Simone Albuquerque de Souza, de 39 anos, viu os imóveis anunciados no site. Foi ela quem tomou toda a iniciativa no processo, que procurou a agência da Rua da Consolação, na capital,, pediu informações e incentivou as irmãs a investirem nos imóveis.
Fui eu que inventei essa história, me sinto responsável. Eu absorvi o problema, fiquei morrendo de vergonha com tudo o que aconteceu, relata Simone. Já engordei dez quilos por causa dessa ansiedade. Não queria passar por este estresse psicológico fora do comum.
Simone explica que, em janeiro, a parte de financiamento foi aprovada, mas o banco teria pedido um mês de prazo para a desocupação do imóvel. A entrega das chaves de um dos imóveis ocorreu em março. Um funcionário do banco entregou a chave do imóvel e, quando eu desci, cheguei lá e a casa estava ocupada, fala Simone. Ela disse que ligou para o funcionário para avisar que tinha gente morando na casa, mas foi informada que a desocupação já tinha sido feita. Ele me disse: vou descer com você para você ver que está desocupada. Até então, ele não tinha tocado no assunto de que a casa não era a mesma do laudo, porque estava com medo da minha reação, explica Simone.
Quando o funcionário mostrou a casa para Simone, ela afirmou que aquele não era o imóvel que as irmãs tinham comprado. Ele falou que estava tudo bagunçado na documentação. Falou assim: Você comprou a 908, mas a documentação veio da 912, que é essa casa do lado. Simone disse que perdeu o chão quando constatou o problema. A sensação foi horrível.
A caçula da família, a assistente jurídica Anne Kellye Albuquerque Ito, de 20 anos, diz que a primeira informação dada pela instituição financeira foi a de que havia incompatibilidade na documentação da prefeitura de Mongaguá. Quando as irmãs mostraram a foto do laudo, porém, a instituição teria admitido o erro e apresentado a proposta de desfazer o contrato de venda e compra.
As duas irmãs seguem pagando as prestações dos imóveis, nos valores de R$ 120,00, o de Anne, e de R$ 140,00, o de Cinthia. As três são categóricas ao dizer que não aceitam esta proposta de simplesmente desfazer a compra. A gente quer uma casa na praia em condições de uso, diz Cinthia. Assim que a gente comprou, a gente pensava que não teria transtorno porque era a Caixa, completa Anne.
Procurada pelo G1, a Caixa respondeu por meio de nota que no episódio relatado pelas adquirentes Anne Kellye Albuquerque Ito e Cinthia de Albuquerque Ito, ocorreu uma divergência de descrição e numeração entre as matrículas dos imóveis e a numeração existente no local, fato que está sendo apurado nos termos de levantamentos e que ainda não foi concluído. A nota informa, ainda, que tão logo foram verificadas as divergências, foi tomada a iniciativa de propor às interessadas o distrato das operações de venda e compra, com devolução dos valores pagos, devidamente corrigidos, em estrita observância à legislação vigente e aplicável à espécie. Para tanto, encaminhou a elas, via AR, em 23/07/2010, os ofícios de número 1.748/2010 e 1.760/2010.
William Santos Ferreira, advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) especializado em Direito Imobiliário, explica que em tese, a parte que vende deve entregar aquilo que se comprometeu e cumprir as suas obrigações. Como não teve acesso a toda a documentação do caso, o professor Ferreira disse que, genericamente, caso o imóvel seja do banco, o comprador tem o direito de exigir o que foi estabelecido em contrato, além de eventuais danos materiais e morais comprováveis. Se o imóvel objeto deste documento não é do banco, (...) a pessoa não vai conseguir que a Caixa cumpra o impossível, explica. Portanto, se este for o caso, a alternativa é, de fato, rescindir o contrato, exigindo a devolução das quantias pagas e eventuais danos materiais e morais.