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Sidrolandia

Me machuquei salvando vidas’, diz morador de favela que pegou fogo

Carroceiro ficou ferido ao tentar retirar do fogo a filha, de 8 anos. Depois de ser atingido por viga, ele foi salvo por bombeiro.

G1

12 de Julho de 2010 - 07:12

É a história de um salvamento duplo: o carroceiro Antônio Carlos Joaquim, de 43 anos, tentou salvar a filha, de apenas 8 anos, e que, por sua vez, foi salvo pelo sargento Luís Carlos do Carmo, do Corpo de Bombeiros. No final da história, todos os protagonistas se salvaram do incêndio de grandes proporções que destruiu centenas de barracos na Favela Tiquatira, na Penha, na Zona Leste de São Paulo, na noite deste domingo (11). Ao menos 200 famílias perderam suas casas, de acordo com o secretário das  Subprefeituras, Ronaldo Camargo.

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Antônio Carlos escapou da morte, mas não saiu ileso. No incêndio, ele sofreu fratura exposta no braço esquerdo, além de algumas queimaduras. Depois de ser salvo, precisou ser socorrido. Já com o braço engessado, retornou à Favela Tiquatira e reencontrou o seu salvador, a quem fez questão de cumprimentar.

Em seguida, o drama que viveu momentos antes. “Me machuquei salvando vidas. Na hora que fui pegar minha menina, de 8 anos, uma viga caiu em cima de mim e desmaiei. Os bombeiros me salvaram”, contou o carroceiro, que mora há 10 anos na favela com a esposa e três filhos, a menina e outros dois rapazes, um de 22 e outro de 17. “Pegou fogo recentemente (na favela), mas desta vez eu perdi tudo.”

Apesar de ter sido salvo, o drama de Antônio está apenas começando. “Não sei para onde vou agora. O fogo destruiu tudo o que eu tinha. Vou ter de ficar 15 dias com o braço na tipoia (apoio). Como vou puxar o carrinho? Quero ver quem vai me dar comida. Deus vai ter de olhar por mim”, disse, esperançoso.

Para felicidade de Antônio, o sargento Luís Carlos estava no lugar certo na hora certa. “Ele estava no chão com a viga em cima dele. Ele estava meio desacordado, creio que por causa da fumaça. Conseguimos retirar ele e toda a família”, narrou o bombeiro.

O coelho Chita se salvou das chamas, para surpresa geralO coelho Chita se salvou das chamas, para
surpresa geral (Foto: Marcelo Mora/G1)

Mas não apenas o carroceiro Antônio tinha o que comemorar depois da tragédia que assolou centenas de famílias na Favela Tiquatira. Depois de a entrada dos moradores ter sido liberada na área atingida pelo fogo, os estudantes Geórgia Rodrigues da Silva, de 18 anos, e Juliano Novaes, de 14 anos, tiveram uma surpresa: um dos animais de estimação da família, a coelho fêmea Chita havia escapado ilesa das chamas e do calor intenso, mesmo estando presa em uma gaiola de ferro. “Ela estava presa na gaiola. Só ela sobreviveu”, disse Juliano. Mesma sorte não tiveram outros dois cachorros, um gato e até um cágado (tartaruga de água doce), os outros bichos de estimação da família.

Além de Antônio, outras cinco pessoas precisaram receber atendimento médico, por intoxicação pela fumaça ou porque passaram mal, de acordo com o secretário das Subprefeituras.

Vela ou balão

Uma vela ou até mesmo um balão foram algumas das causas apontadas por moradores da favela ouvidas pelo G1 para o início do incêndio. Camargo chegou a cogitar a possibilidade de um balão ter iniciado o incêndio depois de conversar com o comando dos bombeiros que trabalhavam no local.

A versão, no entanto, foi contestada. Segundo algumas moradoras, o fogo teria começado em um barraco que ficava justamente debaixo da Ponte General Milton Tavares. Além disso, elas contaram que a moradora saiu gritando que tinha deixado uma vela acesa e, assim, provocado o incêndio. Apesar disso, os bombeiros não souberam dizer com precisão qual a causa exata, já que na favela havia muitas "gambiarras", que poderiam causar a qualquer momento um curto-circuito.

De acordo com Ronaldo Camargo, entre 200 e 230 famílias ficaram desabrigadas devido ao incêndio. A área atingida pelo fogo fica inserida em outra maior que abriga cerca de 700 famílias; o total de moradores da Favela Tiquatira chega a duas mil famílias, segundo o secretário.

Logo após o incêndio ter sido controlado, por volta das 22h30 deste domingo (11), funcionários da Defesa Civil e da Subprefeitura da Penha iniciaram o cadastramento das famílias desabrigadas em um posto móvel instalado em plena pista local da Marginal Tietê, próximo ao Hipermercado Extra. “Estamos liberando uma área em um clube do (Parque Linear) Tiquatira para servir de abrigo”, disse Camargo.

Segundo ele, os moradores da Favela Tiquatira já estavam “em processo de remoção”. “Essa área vai virar continuação do parque linear (Tiquatira) ou até mesmo pode passar o Metrô aqui. Quem estiver cadastrado ou vai receber o bolsa-aluguel ou será transferido para um CDHU (condomínio de moradias populares construído pelo governo)”, disse Camargo.

Preocupação

O secretários das Subprefeituras, Ronaldo Camargo, conversa
com o tenente-coronel Roberto CamposO secretários das Subprefeituras, Ronaldo
Camargo, conversa com o tenente-coronel
Roberto Campos (Foto: Marcelo Mora/G1)

Depois do incêndio, o secretário das Subprefeituras manifestou a sua preocupação, primeiro, com a possibilidade de os moradores desabrigados fazerem protestos e interditarem a Marginal Tietê, como já aconteceu anteriormente, e, segundo, com a estrutura da ponte ter sido abalada com o calor provocado pelo incêndio. “A estrutura vai ser avaliada pelos técnicos da Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras) nesta segunda-feira (12). Já teve outros incêndios aqui. E existe essa preocupação também para tentarmos nos organizarmos no sentido de não haver invasão e bloqueio das vias, principalmente da Marginal”, disse.

De acordo com o tenente-coronel Roberto Campos, da Polícia Militar, o policiamento na região seria reforçado na madrugada e manhã desta segunda-feira para evitar que as casas que escaparam das chamas não fossem saqueadas e também para impedir protestos e bloqueios de vias. O G1 pôde observar a presença de equipes da Tropa de Choque da PM e da Rota em algumas das entradas da favela, que fica incrustrada entre uma linha de trem da CPTM e a Marginal Tietê.

Rescaldo

O trabalho de rescaldo por parte dos bombeiros iria durar até a manhã desta segunda-feira, segundo os bombeiros. Desta forma, a Ponte General Milton Tavares permaneceria bloqueada para o tráfego até este período. Foram enviadas pelo menos 20 equipes para tentar conter o fogo, que começou por volta das 20h. Aproximadamente uma área de 2 mil metros quadrados foi atingida pelo fogo.

A área que pegou fogo é de difícil acesso. Não há ruas que permitam a entrada dos caminhões-pipa e das equipes. Os bombeiros tiveram que descer de rapel com as mangueiras, a partir da ponte, para combater o incêndio.

O trânsito na ponte General Milton Tavares de Souza foi bloqueado e o tráfego foi desviado pela rua Gabriela Mistral. A pista local da marginal Tietê, embaixo da ponte, no sentido Ayrton Senna, também foi bloqueada para o trânsito.