Sidrolandia
Na internet, alunos convocam "beijaço" na USP contra homofobia em jornal
Manifestantes querem beijo coletivo de gays na farmácia, na terça (4). Ato repudiará "O Parasita", que pedia para jogar fezes em homossexuais.
Redação de Noticia
03 de Maio de 2010 - 14:12
Pela internet, estudantes da USP estão convocando pessoas que se sentiram ofendidas pelo artigo homofóbico publicado na edição de março/abril do jornal eletrônico O Parasita, produzido por alunos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, para realizarem um beijaço (espécie de beijo coletivo) em frente ao prédio do curso de farmácia, no Butantã, na capital paulista.
Por enquanto, há duas datas previstas para o protesto contra o periódico que incitava alunos a jogarem fezes em gays para, em troca, receberem gratuitamente convites para a tradicional Festa Brega da farmácia. O artigo de O Parasita sugeria ainda que essa atitude preconceituosa iria inibir casais homossexuais de se beijarem novamente em festividades. O texto lembrava que dois alunos tinham se beijado num evento em 2009 e aquele gesto eram cenas totalmente inadimissíveis.
Intitulado pré-beijaço contra a Homofobia na USP, um dos movimentos num blog chama homossexuais, lésbicas e pessoas de qualquer orientação sexual a comparecerem a partir das 18h de terça-feira (4) no gramado da farmácia. A ideia é que todos se beijem ao mesmo tempo. A convocação também está sendo feita pelo twitter, Orkut, e-mails etc.
Os manifestantes prometem outro beijaço contra O Parasita para 20 de maio (uma quinta-feira), em frente à farmácia da USP. Esse evento cairá perto de uma data emblemática. Um dia antes deverá ter ocorrido a 1ª Marcha Nacional Contra a Homofobia, programada para acontecer na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Para convocar as pessoas para o protesto de 20 de maio, os organizadores estão divulgando um texto de repúdio ao artigo do periódico feito por alunos da farmácia que pedia para atacar homossexuais. O Manifesto Beijos Para Desparasitar a Farmácia Uspiana, critica veementemente os editores de O Parasita, que usam pseudônimos para não se identificarem, e, assim, distribuem de forma anônima pensamentos preconceituosos numa vasta lista de e-mails.
Tire o seu parasitismo da frente, que eu quero passar com o meu amor, diz uma das frases do manifesto (leia texto na íntegra logo abaixo).
BEIJOS PARA DESPARASITAR A FARMÁCIA USPIANA - O pasquim "O Parasita", editado pelos estudantes de Farmácia da USP publicou em sua última edição uma promoção polêmica. O texto explicitamente homofóbico, com pretensões satíricas convidava os alunos a jogar fezes em alunos gays que freqüentam o campus. Os editores prometiam em troca convites gratuitos para a Festa Brega. Ministério Público O Parasita também é investigado pela Polícia Civil. A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) instaurou inquérito na segunda (26) para apurar a suspeita de o jornal ter incitado demais alunos ao crime de injúria. O periódico virtual ainda é investigado por homofobia pela Comissão Processante Especial da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. A quebra dos sigilos de e-mail e do Orkut de O Parasita, que serão pedidos pela polícia, poderão ajudar a descobrir quem são os responsáveis pelo jornal. A Decradi também pretende ouvir o depoimento dos dois alunos da faculdade que foram hostilizados pelo jornal. Os dois foram xingados por se beijarem numa festa universitária em 2009. No artigo do periódico eletrônico, os jovens são descritos como 2 viadinhos. Os nomes deles não são citados. Na esfera criminal, os responsáveis pelo artigo podem ser presos por até seis meses, caso sejam considerados culpados. Na comissão, poderão ser multados. O valor mínimo é de R$ 15 mil. Leia abaixo a íntegra do artigo polêmico publicado no O Parasita: "Lançe-merdas e Brega será na Faixa - Ultimamente nossa gloriosa faculdade vem sendo palco de cenas totalmente inadmissíveis. Ano passado, tivemos o famoso episódio em que 2 viadinhos trocaram beijos em uma festa no porão de med. Como se já não bastasse, um deles trajava uma camiseta da Atlética. Porra, manchar o nome de uma instituição da nossa faculdade em teritório dos medicus não pode ser tolerado. Na última festa dos bixos, os mesmos viadinhos citados acima, aprontaram uma pior ainda. Os seres se trancaram em uma cabine do banheiro, enquanto se ouviam dizeres do tipo "Aí, tira a mão daí." Se as coisas continuarem assim, nossa faculdade vai virar uma ECA. Para retornar a ordem na nossa querida Farmácia, O Parasita lança um desafio, jogue merda em um viado, que você receberá, totalmente grátis, um convite de luxo para a Festa Brega 2010. Contamos com a colaboração de todos. Joãozinho Zé-Ruela." Punição No dia 24 de março, a reportagem conseguiu localizar e conversar com um dos alunos citados no texto acima e que a polícia também pretende ouvir. Por telefone, o jovem, que tem mais de 20 anos e só aceitou falar com a reportagem sob a condição de anonimato, estuda farmácia e, apesar de ter sido hostilizado no jornal, afirma que vai continuar na faculdade em São Paulo. Ele, no entanto, quer a punição dos responsáveis pelo artigo homofóbico. Quem escreveu essas coisas deve ser punido. Não gostei do que foi escrito. Eu sou revoltado com preconceito. Isso, no entanto, não vai impedir que eu continue a estudar farmácia na USP porque amo a faculdade, diz o estudante, que beijou outro homem na Cervejada da farmácia e medicina no ano passado. Outro lado A reportagem enviou dois e-mails para o correio eletrônico de "O Parasita", mas não obteve resposta. Nenhum responsável de O Parasita também foi identificado ou localizado para comentar o assunto porque os editores usam pseudônimos. O jornal, no entanto, chegou a divulgar uma nota posterior, pedindo desculpas pelo comentário contra os gays, classificando o fato como exagero cometido na última edição. O texto diz que o periódico é feito de humor, e pede ainda desculpas aos alunos da faculdade. A identidade dos editores do periódico ainda é desconhecida. A Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP diz que uma sindicância administrativa também vai apurar os responsáveis pelo jornal O Parasita. De acordo com a assessoria de imprensa da instituição, a abertura da sindicância é orientada pela consultoria jurídica da USP. Além disso, a faculdade ressalta em nota que não apoia o artigo publicado recentemente pelo jornal O Parasita e desconhece seus autores. Repudiamos o que ocorreu. Apesar de não sermos responsáveis pelo jornal, queremos discutir uma maneira de pedir desculpas aos alunos. Não vamos delegar punições aos responsáveis. Isso caberá à faculdade e à polícia, afirma Guilherme Loverbeck, de 20 anos, segundo anista do curso de farmácia, representante da atlética. Em nota, o centro acadêmico da faculdade informa que não apoia "atitudes homofóbicas, machistas, racistas ou que expressem qualquer outro tipo de preconceito". O texto diz ainda que as diferenças são respeitadas, pois pensamentos distintos representam "crescimento pessoal" e "aperfeiçoamento da sociedade".
Em um Estado democrático é intolerável que tal comportamento declaradamente homofóbico e mais ainda -, violento e ameaçador, seja tolerado e encontre eco.
A sociedade não pode ficar refém daqueles que abusam de seu direito à liberdade de expressão ou mesmo de imprensa para atacar covardemente lembrem-se que o texto foi escrito de forma anônima uma parcela da população brasileira, seja ela qual for.
Vale lembrar que a Constituição Federal veda o anonimato, assim com a lei condena a homofobia e, acima de tudo, defende a dignidade humana e os direitos humanos A sociedade deve repudiar tais atitudes: a homofobia, a violência e a ameaça. Um ambiente acadêmico e de alto nível como a USP não pode ser palco para demonstrações preconceituosas e para a perpetuação de lugares-comum e estereótipos preconceituosos e discrepantes ao ambiente e à humanidade.
O respeito e a convivência com semelhanças e diferenças é um princípio básico para a coexistência humana e, o ambiente acadêmico deve ser marcado com este respeito e este convívio para que seja perpetuado e reproduzido.
Longe de aceitar que o assunto seja tratado como mera brincadeira inconsequente ou como algo corriqueiro, a sociedade, e a comunidade uspiana, devem agir de forma decidida, firme e direta, contra este tipo de demonstração incompatível com a vida em sociedade.
Um beijo, contração e distensão muscular, encontro de corpos que só se dá na liberdade. Na farmacopéia da terapêutica da existência, não há receita melhor para combater o parasitismo que gera a discriminação e a homofobia que o exercício democrático da liberdade. Liberdade, que para a jazzista Nina Simone, é não precisar sentir medo do outro. Beijar é, politicamente, o ato mais simples que o desejo pode construir. Ainda mais, se ele unir a liberdade à terapêutica anti-parasitária e à uma profilaxia do existir. Sem frustrações, sem dor, sem medo. Beijar é um ato político, ao mesmo tempo simples e radical. Uma forma de alargar o espaço da liberdade e da democracia.
Nada que os parasitados Parasitas, homofóbicos (com ênfase no fóbicos, pois que o medo que eles cultivam é o pai da violência que os domina), suportem. Ver um beijo livre é a dor suprema para quem teve os lábios selados pelo parasitismo da frustração.
Por isso, e para enfraquecer essa força coercitiva que se insinua como predominante no curso de Farmácia da USP, é que convocamos todas as pessoas livres (ou seja, quem quiser e puder participar), para um beijaço (Kiss IN), no dia 20 de maio, às 18:30 horas, em frente ao prédio da Farmácia/USP[1]
Tire o seu parasitismo da frente, que eu quero passar com o meu amor.
Todos aqueles que se sentirão ofendidos pelo texto de ódio, brasileiros ou não, homossexuais ou não, estão convidados para participar desse ato independente de sua orientação sexual.
Na última quinta-feira (29 de março), o Ministério Público informou vai apurar quem são os responsáveis pelo jornal "O Parasita", que recentemente distribuiu pela internet um texto homofóbico para outros alunos da USP.