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Sidrolandia

ONG Brasil/Moçambique implanta creche para órfãos

Laís Inagaki

20 de Agosto de 2010 - 14:39

ONG Brasil/Moçambique implanta creche para órfãos
ONG Brasil/Mo - Foto: La

Movidos pela necessidade de gerar uma corrente de fraternidade a partir da promoção da melhoria de vida dos órfãos moçambicanos, voluntários e integrantes brasileiros da Organização Não Governamental (ONG), Fraternidade Sem Fronteiras (OFF), em parceria com aliados africanos, concretizaram a construção de creche-educativa – a primeira de uma série de ações – que apenas com duas semanas de funcionamento já vem acarretando mudanças no cotidiano e na vida dos habitantes da aldeia de Barragem, localizada no distrito de Chokwé.

Ainda que o projeto seja fundamentado em experiências realizadas em comunidades carentes por integrantes dos centros espíritas brasileiros “Amizade” (Campo Grande-MS) e “Menino Chico” (Várzea Grande-MT), o sucesso quase que imediato dessa iniciativa tem como causa principal o estabelecimento dos alicerces das atividades a partir de um diagnóstico social analisado, pensado e discutido por representantes da OFF de diferentes culturas e crenças. O nome da ONG é sugestivo, já que os trabalhos têm como foco uma região onde a espiritualidade é o “cimento” que ampara a estrutura social em que predomina a fé na igreja católica, evangélica e zione (culto afro-tradicional).

“O mundo sabe da situação de miséria em que se encontra a África subsaariana, mas ainda assim as pessoas continuam morrendo pela fome, de doenças”, explica o representante brasileiro da OFF, Wagner Moura. Conforme informações da Rede SIDA (2010), Moçambique está entre os dez países mais afetados pelo AIDS no mundo, sendo que 16,2% têm entre 15 e 49 anos. Neste ano, mais de 44 mil mulheres e 98 mil crianças poderão morrer devido à doença. O país também sofre de falta de recursos para tratar a situação.

O hoje da aldeia de Barragem

Foto: ONG Brasil

A comunidade de Barragem, que integra o grupo de 15 aldeias da localidade de Macarretane, é um exemplo da realidade dos moçambicanos que sobrevivem no campo e tem como base econômica o cultivo agrícola nas machambas (prática da agricultura familiar) e que há alguns anos vêm sendo desvalorizado, devido à dificuldade de irrigação do solo. Segundo a monitora educativa e representante da Organização das Mulheres Moçambicanas (OMM), Dora Flor Timana, na ausência da bomba de água, a colheita depende das chuvas. 

Com a impossibilidade de produção, algumas mulheres recorrem à venda de roupas e acessórios adquiridos nas grandes cidades, outros moradores fazem pequenos serviços nas aldeias ou em outras regiões. Na maioria dos casos, os homens apelam para o trabalho nas minas, na construção civil ou nas plantações, especialmente na África do Sul. Devido à melhor qualidade de vida que encontram no país vizinho, alguns jovens abandonam suas parceiras grávidas e, no pior dos casos, também são apontados como os responsáveis pela transmissão do HIV, já que o uso do preservativo não é comum.

A assessora da representante da OFF em Moçambique, Ivone Teixeira Queiroz, que vive na comunidade há dez anos, complementa que a desinformação e a falta de perspectiva da população estão resultando em altos índices de mortes que afetam todas as faixas etárias. Como na aldeia não há hospital, é preciso percorrer seis quilômetros até Manjangue para ter acesso a uma unidade de saúde mais próxima, onde não há um médico responsável. O processo de atendimento no posto, que atende a população de Macarretane, Matuba e Matchini, funciona por meio de triagem e agendamento de consultas. Quando a AIDS ou outras doenças mais graves são diagnosticadas, o caso é encaminhado para o Hospital de Chokwé.

Só a aldeia de Barragem tem uma população estimada em três mil habitantes e que, devido ao desconhecimento da doença, à dificuldade de tratamento e à falta de dinheiro para as necessidades básicas como alimentação, muitas das pessoas infectadas não recebem medicação e acabam falecendo e as causas são ignoradas. “Muitas vezes, a pessoa não tem dinheiro para ir a Chokwé fazer o tratamento e fica em casa”, explica o responsável pela Unidade de Saúde, Simão Machado. O valor da passagem custa 40 meticais (moeda nacional) que equivale a um dólar.

Conforme Machado, as doenças constantemente diagnosticadas na comunidade são malária, enfermidades respiratórias como pneumonia e AIDS. “40% das pessoas da Barragem que procuraram a Unidade são portadoras do vírus e fazem tratamento com retroviral”, alerta.

Uma nova oportunidade é possível 

Foto: ONG Brasil

Frente a esta realidade, a criança, vulnerável ao mal estar resultante da miséria ao qual são submetidas suas famílias, é a que mais sofre. “Eu vejo as carências das crianças, o fato de não terem pais para acompanhar seu crescimento, mas não sabia exatamente como ajudar, até que conheci o projeto da Fraternidade Sem Fronteiras e percebi que se pode começar do nada, é só começar,” conta a coordenadora geral da OFF em Moçambique e proprietária da revista Mozceleb, Ângela Leão, sobre o encontro com Moura por meio da coordenadora do Sorriso da Criança, Ana Paula Pina, que também é parceira do projeto. 

A partir dessa iniciativa, muitas ideias, trabalho e dedicação, a equipe de trabalho composta por Moura, Dora Flor, o representante da OFF na aldeia de Barragem,  Armando Dinis Banze, e as monitoras educativas, Marta Alexandra Ngovene e Judite Felipe Sigauque, construíram em um tempo recorde o projeto “Creche Fraternidade Sem Fronteiras”. Um processo inicial, acompanhado passo a passo, desde a pesquisa do local de implantação, articulação política com as lideranças de Barragem, passando pela visita às famílias, compra da comida e material didático, até o desenvolvimento do método pedagógico.

Atualmente, a creche atende a 70 Foto: ONG Brasilórfãos de três a 12 anos, que vivem com familiares em situação mais precária que as demais, com pessoas da comunidade ou até mesmo, sozinhas. Segundo os monitores, até o momento, foram registradas 100 crianças nas condições mencionadas, mas acredita-se que este número é bem maior.

As atividades da creche, que começam às 12 horas e terminam às 17 horas, incluem duas refeições, baseadas na culinária local, aulas de reforço escolar ministradas em shangana (idioma tradicional) e português, brincadeiras e esportes como o futebol e voleibol. Os miúdos (como são chamadas as crianças em Moçambique) também contam com aulas de educação ambiental e tem a oportunidade de conhecer mais sobre sua cultura e a própria comunidade a partir de apresentações culturais, como o coral da Igreja. Para permanecer no projeto é exigido que as crianças frequentem a escola.

Um dos principais objetivos desta ação de cunho humanitário, mantida por vários parceiros voluntários, é desenvolver a cultura de ajuda mútua na própria comunidade, fortalecendo assim a auto-estima das crianças e dos envolvidos e, desta maneira, provocando mudanças no cotidiano local. Os moçambicanos de Barragem já estão percebendo os reflexos dessa ação, em duas semanas de existência da creche. Há casos em que a melhora é visível, como no apoio a crianças portadoras do HIV e na permanência de meninos e meninas que trabalhavam em troca de comida. 

A etapa seguinte do trabalho corresponde à divulgação e busca de recursos para continuidade dos trabalhos, uma vez que, os recursos se esgotam dentro de seis meses e, todavia, há muito que ser feito como, melhoria na alimentação mais nutritiva, contratação de profissionais, aumento de beneficiados, aumento do espaço físico, recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, entre outros.