SIDROLÂNDIA- MS
Conselho Indigenista critica ministra e secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas
A estratégia, segundo o Conselho, seria “inviabilizar a eleição e reeleição de vereadores indígenas em vários municípios”.
Redação/Região News
07 de Junho de 2024 - 09:15
A Coordenação do Conselho do Povo Terena, que tem entre seus líderes o ex-cacique da Aldeia Tereré, Valcélio Figueiredo, emitiu uma moção de repúdio à atuação da ministra Sônia Guajajara e do secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Luiz Henrique Eloy Amado, que estariam atrelando os projetos do Ministério aos interesses do PT.
O Conselho está se insurgindo contra a proposta de criação da Embaixada Indígena, que seria uma “entidade chapa-branca” destinada ao lançamento de candidaturas de “pessoas que não possuem respaldo político de suas próprias comunidades, tampouco do Conselho do Povo Terena e de outras entidades tradicionais atuantes no Estado”.
A estratégia, segundo o Conselho, seria “inviabilizar a eleição e reeleição de vereadores indígenas em vários municípios”, acusando o Ministério de desvirtuar as funções que motivaram sua criação.
Leia a Nota de Repúdio na Íntegra:
MOÇÃO DE REPÚDIO DO CONSELHO DO POVO TERENA ÀS INTROMISSÕES POLÍTICO-PARTIDÁRIAS DE AGENTES DO GOVERNO FEDERAL NO MOVIMENTO INDÍGENA DE MATO GROSSO DO SUL
Nós, do Conselho do Povo Terena, instância máxima de consulta e deliberação tradicional que congrega caciques e outras legítimas lideranças das comunidades ou aldeias do povo Terena, vimos a público repudiar as intromissões político-partidárias, feitas em desfavor do movimento indígena de Mato Grosso do Sul, protagonizadas pela Sra. Sônia Guajajara e pelo Sr. Luiz Henrique Eloy Amado, que respectivamente respondem como Ministra de Estado e Secretário-Executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Entendemos que o Conselho do Povo Terena e o movimento dos povos originários em Mato Grosso do Sul e em outros estados do Brasil não podem estar tutelados por órgãos do Estado nacional, tampouco serem reféns dos projetos de poder defendidos por quaisquer legendas partidárias ou grupos políticos nelas existentes. Nosso posicionamento está respaldado pelas históricas contradições existentes entre os interesses dos povos indígenas em relação aos propósitos dos governos federal, estaduais e municipais, e dos partidos políticos existentes no país.
Esta postura possui amparo legal no preâmbulo do Art. 231 da Constituição Federal de 1988, que reconhece nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos. Ao reconhecer nossa organização social, o Estado Brasileiro reconhece a particular dinâmica política e as instâncias tradicionais para a tomada de decisões de cada povo originário e suas comunidades. Portanto, desrespeitar a maneira de agir e as decisões do Conselho do Povo Terena e de outras entidades tradicionais denota contradição e ausência de coerência por parte da Sra. Sônia Guajajara e do Sr. Luiz Henrique Eloy Amado e aliados. Eles dão a entender que não estariam apenas na posição de agentes ou servidores públicos do MPI, mas que seriam o próprio Estado nacional em carne e osso.
A crítica apresentada considera as frequentes ações regionais dos dois representantes do referido Ministério, os quais por vezes não atendem a convites para participarem de nossas assembleias e costumam visitar o estado para lançarem candidaturas políticas em tempos de eleições. As mesmas candidaturas, definidas em espaços outros que não no movimento indígena, não contam com o respaldo da imensa maioria de nossas lideranças tradicionais. Além disso, eles e seus aliados costumam impor ao Conselho do Povo Terena uma lógica política do mundo dos purutuye (“brancos” ou não indígenas na língua mãe), que contraria nossas articulações e instâncias tradicionais de decisões. Exemplo disso foi o que aconteceu no segundo semestre de 2023, durante a 16ª Grande Assembleia do Povo Terena, realizada na Aldeia Cabeceira, localizada no município de Nioaque, ocasião em que deliberamos a respeito da indicação de nova representação junto ao Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Intromissões dessa natureza causam cisões e conflitos internos, e, por conseguinte, buscam enfraquecer e tutelar o movimento indígena regional e nacional.
Além disso, no começo do mês de junho do corrente ano, tomamos conhecimento da inauguração, na capital de Mato Grosso do Sul, da chamada Embaixada Indígena, que seria uma extensão do projeto “Aldear a Política”, conforme noticiado pela imprensa local. Segundo informado pelo jornal Campo Grande News, em 04/06/2024, por meio da matéria “Espaço de luta e política, Embaixada Indígena inaugura com presença de ministra”, assinada pela jornalista Jéssica Fernandes, “a embaixada pretende ser lugar de resistência do movimento indígena e político. No sábado, o endereço também abre as portas para o projeto ‘Aldear a Política’, que em Mato Grosso do Sul é representado por Val Eloy”. Na matéria consta a seguinte afirmativa atribuída a mesma senhora citada no texto: “A gente retorna abrangendo todos os municípios, a ideia é alcançar 16 (candidatos) em todo Estado. Vendo a intensidade e sucesso que tivemos, viemos agregando os pré-candidatos vendo que esse espaço é nosso”.
A contradição indicada está explícita na criação da Embaixada Indígena e seus propósitos. Reside no objetivo de a entidade chapa-branca querer lançar candidaturas de pessoas que não possuem respaldo político de suas próprias comunidades, tampouco do Conselho do Povo Terena ou de outras entidades tradicionais atuantes no estado. Além disso, tomamos conhecimento que vários nomes chancelados pela entidade oficial buscam tão somente inviabilizar a eleição e a reeleição de vereadores indígenas em vários municípios sul-mato-grossenses.
O absurdo apontado atesta o quanto o MPI desvirtua-se das atribuições que justificaram sua criação, segundo consta formalmente divulgado em seu site na Internet: “O Ministério dos Povos Indígenas é um órgão da administração federal, criado em janeiro de 2023 pelo Presidente Lula, a partir das necessidades identificadas pelo Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas, durante o Governo de Transição. Tem como objetivo atuar na implementação da política indígena e indigenista, a partir do reconhecimento, garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas; reconhecimento, demarcação, defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas; bem viver dos povos indígenas; proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato; e acordos e tratados internacionais, em especial a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, quando relacionados aos povos indígenas”.
Por conta disso, a pergunta que fazemos aqui é a seguinte: onde constaria que a função do MPI seria a de afastar-se das questões nacionais maiores, que dizem respeito à defesa dos direitos dos povos indígenas em todo o país, para apequenar-se ao se intrometer na dinâmica política do movimento indígena em Mato Grosso do Sul? Como se não bastasse tudo isso, lembramos que em 2023, uma pessoa ligada ao Sr. Luiz Henrique Eloy Amado não repassou à atual Coordenação do Conselho do Povo Terena a senha de acesso a nossa conta nas redes sociais, especialmente no Instagram e Facebook. Em função do impasse, optamos por não recorrer às leis dos purutuye e criamos outras contas para o Conselho do Povo Terena.
Felizmente, contudo, a postura verificada por parte do MPI não é a mesma observada na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), sob a presidência da Sra. Joênia Wapichana. Ela reiteradamente tem envidado os esforços necessários para atender as nossas reivindicações e as solicitações de outros povos indígenas em Mato Grosso do Sul. Sua postura de respeito ao Conselho do Povo Terena, acompanhada pela conduta igualmente irrepreensível adotada por parte do Sr. Elvisclei Polidoro, Coordenador Regional do órgão indigenista no estado, são merecedores de muitos elogios. Nossos enaltecimentos também são extensivos aos trabalhos realizados pela direção do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), sob liderança do Sr. Lindomar Ferreira, coordenador regional do órgão.
Tanto o Sr. Elvisclei Polidoro quanto o Sr. Lindomar Ferreira têm sido alvo de articulações políticas que buscam retirá-los de seus cargos, para que as coordenações regionais da FUNAI e do DSEI permaneçam nas mãos de pessoas que se submeterão a projetos político-partidários de alhures, que não contam com a simpatia ou a anuência do Conselho do Povo Terena.
Em face do exposto, o Conselho do Povo Terena ratifica o repúdio em relação às intromissões político-partidárias feitas pela Sra. Sônia Guajajara e pelo Sr. Luiz Henrique Eloy Amado e seus aliados em desfavor das legítimas e tradicionais instâncias de deliberação do povo Terena e de outros povos indígenas existentes no estado de Mato Grosso do Sul.
Mato Grosso do Sul, 07 de maio de 2023. Coordenação do Conselho do Povo Terena.