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Sidrolandia

Depois de ter sido baleado Lídio Toledo Filho dá a volta por cima

Extra

06 de Outubro de 2010 - 13:34

Menos de um ano depois de ter levado três tiros durante uma tentativa de assalto na subida do Alto da Boa Vista, o ortopedista Lídio Toledo Filho, de 37 anos, já estava de volta a operar seus pacientes. Na última segunda-feira, o gari Francinei Viana, de 31 anos, estava, confiante, na mesa de cirurgia.

— Estou em ótimas mãos, não tenho dúvidas disso. Quando fui me consultar, não sabia que ele era cadeirante, mas já sabia que é um excelente médico — disse.

Falando sempre calmamente e demostrando esperança sempre, Lidinho, como é chamado por amigos e familiares, conversou com o EXTRA.

Qual foi o período mais difícil da recuperação?
Foram 82 dias internado, sendo 50 no CTI. Esses foram os piores dias da minha vida. A solidão, não conseguir falar, já que só o meu irmão e duas enfermeiras conseguiam me entender, foi horrível. Além da paraplegia, eu levei um tiro no braço e tive a lesão nervosa. Eu me perguntava: O que é que acontece?


Depois começou um outro tipo de tratamento, de reabilitação. Como foi essa adaptação?
Eu estive no Hospital Sarah Kubitsheck, em Brasília. Lá, eu fiquei arrasado. Eles não deram esperança nenhuma. Só aprendi a me virar. Hoje eu já consigo andar nas paralelas! Saí de lá arrasado. Eu já tinha um acompanhamento psicológico, já fazia análise antes do incidente e minha terapeuta ia ao hospital, enquanto estive internado.


Quando você tomou a decisão de voltar a trabalhar?
Eu não podia continuar ali deitado olhando para o teto e pensando em coisas horríveis. Meu desejo de voltar a trabalhar foi maior do que a apatia de continuar parado.


O que te fez tomar essa decisão? O que te incentivou?
Primeiro eu acordava e via a minha esposa ao meu lado. Isso foi um impulso, eu tinha uma responsabilidade. E depois, eu vi que para exercer o lado profissional não tinha praticamente nenhuma diferença. Eu precisava disso. Eu me olhava no espelho e me pergunatava: Quem sou eu agora? Um paraplégico? Sem função sexual, sem sensibilidade? Isso provocava um vazio! Resolvi seguir o meu desejo e fui à luta.


Em que dia voltou a trabalhar? Como foi?
No dia 28 de agosto de 2008 fiz a minha primeira consulta. Foi muito bom. Depois do dia trabalhado, me senti eu mesmo. No dia 15 de novembro fiz a primeira cirurgia pós-lesão. Uma operação simples, uma fratura de um osso do pé. Foi um sucesso. No meu trabalho, praticamente esqueço que sou cadeirante, realizo pelnamente as minhas atividades. Já fiz 120 cirurgias depois da lesão.


Existem outros cirurgiões  nessa situação?
Sou o único ortopedista no mundo a operar em cadeira de rodas. Há, nos EUA, um cirurgião plástico que também é cadeirante. O melhor foi  que além de voltar a trabalhar, também voltei a estudar. Estou fazendo mestrado em Engenharia Biomédica na UFRJ. Já tinha vontade, mas a minha carga horária de trabalho, antes, não permitia.


O que é mais difícil no seu dia a dia?
Não é fácil. Tive que vir morar com a minha mãe. Mas acho que o mais difícil é a diversão, a falta de acessibilidade. Acabo ficando restrito a shoppings. Ir à praia é complicado, as pessoas te olham com cara de pena e eu não gosto. Restaurantes, são poucos que têm banheiros adaptados. Vou aos jogos do Botafogo, mas só o Engenhão tem acessibilidade. No Maracanã, é um sufoco.


Como é a rotina de fisioterapia?
A rotina de fisioterapia é de umas 5 horas por semana. O custo é muito alto, se não, poderia me dedicar mais. Quando fui baleado, o estado ignorou que isso aconteceu comigo. Eu tive que fechar minha clínica, pagar despesas trabalhistas e o tratamento. Mas a cadeira vai ficar pelo meio do caminho. Eu não aceito a minha condição de cadeirante e vou lutar. Já estou andando nas paralelas.


Qual é a sua relação com a violência, hoje?
Eu sempre soube que a violência existia, tinha contato com ela. Quando trabalhei no Hospital Carlos Chagas, cheguei a operar até sete pessoas, na mesma noite, com fraturas provenientes de tiros. Mas se alguém dissesse que isso aconteceria comigo, não ia acreditar nunca. Com as UPPs, realmente acho que vai haver uma mudança. Não sei se para melhor ou se os bandidos é que vão mudar de lugar. A solução é estrutural. Tem que ser uma mudança de cima para baixo. Primeiro, as leis têm que ser cumpridas.

Você sente raiva dos assaltantes que atiraram em você e na sua esposa?
Eu nunca tinha ficado revoltado, mas quando a minha vida foi ficando mais próxima da normalidade e fui me deparando com dificuldades, em alguns momentos, senti revolta. A vontade que eu tinha era de dar uma surra em quem fez isso comigo. Mas, como sou uma pessoa espiritualizada, peço perdão a Deus e a vontade passa.

Qual mensagem você deixaria para quem, como você, passa por alguma dificuldade?
O meu recado é para que as pessoas não abandonem seus desejos para que não percam a identidade.

 

Tentativa de assalto aconteceu antes da festa de reveillon

O ortopedista Lídio Toledo Filho, de 37 anos, foi baleado no dia 31 de dezembro de 2007. Ele e a mulher, Silene de Araújo, saíram de casa, na Tijuca, para irem a uma festa de réveillon na casa de um amigo na Barra. Por volta das 22h, o casal estava no Alto da Boa Vista, na altura de um radar de velocidade onde o motorista é obrigado a trafegar a 40km/h, quando quatro bandidos, em duas motos, abordaram o médico, que dirigia um Honda Fit.

Um dos criminosos bateu no carro de Lídio, que teria acelerado quando foi baleado. O ortopedista levou três tiros, assim como a mulher dele. Os assaltantes não levaram nada e conseguiram fugir.  Policiais prenderam, na semana seguinte ao crime, quatro acusados da tentativa de assalto. Um deles, Alan de Assis Mendes, confessou ter atirado no médico e disse que só efetuou o disparo por que Lídio teria a tropelado um dos bandidos na hora da abordagem.

Segundo investigações, o acusado era um dos seguranças de Willian Robocop, então chefe do tráfico no Morro do Borel, na Tijuca, que teria emprestado a arma para ele.

Os outros acusados, Rafael Silva de Oliveira e Diego Antunes de Souza, também foram presos pela polícia. Um menor de idade também foi detido acusado de participação no crime. Ele confessou que tinha a função de abastecer a motocicleta e de vigiar a região para avisar aos comparsas sobre uma possível aproximação da polícia.