Logomarca

Um jornal a serviço do MS. Desde 2007 | Sábado, 21 de Setembro de 2024

Sidrolandia

Uma voluntária brasileira em Port Elizabeth, África do Sul

Estudante de Direito da USP trocou estágio em contencioso cível por um mês e meio de trabalho nos bastidores da Copa do Mundo

Redação de noticia

17 de Junho de 2010 - 12:11

Nos corredores da zona mista do estádio de Port Elizabeth, o craque português Cristiano Ronaldo passa apressado pelos jornalistas após um magro 0 a 0 na estreia contra a Costa do Marfim. Ele então ouve uma voz, na sua própria língua, indicar: "A saída de Portugal é a última porta à direita". Surpreso, ele vira e agradece, com genuíno sotaque luso: "Obrigadinho".

A voz que lhe guia é de Natalia Chacon, uma brasileira de 24 anos, voluntária da Fifa na Copa. Desde o dia 31 de maio, a estudante de Direito da USP está na África. Após passear por alguns dias, se apresentou em Port Elizabeth, em 5 de junho, para trabalhar no credenciamento de jogadores. "Mas estava muito chato ficar fazendo crachá, aí consegui mudar para o 'Media Center', que cuida da zona mista [área por onde passam jogadores antes e depois dos jogos] e do 'Welcome Desk'[que orienta os repórteres]", conta.

Na nova função, Natalia pode assistir aos jogos da tribuna de imprensa e arriscar um papo com os jogadores. Corintiana que frequenta o Pacaembu nos fins de semana, ela não perdeu a chance de tietar Liedson e Deco, brasileiros que jogaram pelo seu time antes de optar pela nacionalidade portuguesa e trocar de país.

"Quando eu estava segurando a portinha para os jogadores passarem fiquei conversando com o Deco. Mas é tudo na moita, logo veio uma mulher da organização e disse que eu não podia fazer aquilo". Ainda assim, missão cumprida: Natalia conseguiu um autógrafo do meia do Chelsea no seu álbum de figurinhas da Copa, que ela trouxe já completo do Brasil. E tirou fotos também.

Naquele mesmo corredor em que viu os jogadores portugueses, teve ainda breve diálogo com o grande nome da Costa do Marfim, Didier Drogba. "Ele é gigante", repara. "E responde às nossas indicações em francês, só com 'merci'".

 Uma voluntária brasileira em Port Elizabeth, África do Sul
Natalia entre os ex-jogadores do Corinthians Deco e Liedson, nos corredores da zona mista 

DE ROMA A PORT ELIZABETH. O caminho de Natalia para chegar à África começa na Europa. No ano passado, quando ela fazia intercâmbio em Roma pela faculdade, candidatou-se a ser voluntária na final da Champions League. Conseguiu então acompanhar de perto o jogo no Estádio Olímpico entre Barcelona e Manchester United, e lá um colega comentou com ela sobre o voluntariado para a Copa de 2010, no ano seguinte.

"Joguei no Google, achei o site, preenchi um formulário e me inscrevi em julho", lembra ela, que, no começo deste ano, foi convocada a fazer entrevistas no consulado da África do Sul em São Paulo. As exigências mínimas eram saber inglês e ter mais de 18 anos. Em abril recebeu e-mail contando que tinha sido escolhida e ia à África. Ela faz parte do grupo de 18 mil pessoas selecionadas no mundo inteiro entre os mais de 70 mil inscritos para trabalhar no evento.

Natalia comunicou então aos seus chefes em um importante escritório de advocacia - onde trabalhava há quase um ano - que ia ser voluntária na Copa. Deixou o estágio na área de contencioso cível para ver de perto os jogadores que até então só via nas figurinhas autocolantes do álbum. Na faculdade, combinou com os professores para adiantar as provas do fim do semestre. Recebeu o incentivo de todos, que se empolgavam com a ideia dela de acompanhar o Mundial ao vivo. Arrumou as malas (com a camisa do Corinthians dentro) e partiu.

 Uma voluntária brasileira em Port Elizabeth, África do Sul
Vista da tribuna de imprensa em jogo entre Portugal e C. do Marfim, no Nelson Mandela Bay

GREVE, BATATA CHIPS E VUVUZELAS. Os gastos com passagem aérea e hospedagem na África do Sul correm todos por conta dos voluntários. A alimentação é fornecida pelo Comitê Organizador, mas foi motivo de discussão. "No começo davam comida para a gente, mas era horrível. Queríamos fazer uma greve!". Depois de três dias de reclamações, Natalia e seus companheiros passaram a receber tíquetes para gastar com comida.

São 120 rands por dia, algo perto de 28 reais. "É bastante dinheiro, dá pra se virar bem. Mas a comida por aqui é muito ruim. Eles comem muita carne, mas que não é boa, e também muita coisa industrializada, tipo batata chips". Além dessa ajuda, os voluntários vão receber 100 rands para cada dia trabalhado ao fim da Copa.

Natalia está hospedada na casa de um ganês, que descobriu pela internet. São 17 pessoas dividindo uma espécie de alojamento babélico. Jovens brasileiros, argentinos, ganeses, franceses, canadenses, sul-coreanos e um suíço de quase 70 anos compartilham o hotel improvisado. O dono da casa imprimiu a palavra "Recepção" e colou em uma mesa na entrada. "Banheiro" ele colou na porta do único aposento da casa destinado ao desafogo das necessidades dos hóspedes.

Entre o trabalho, jogos de futebol e idas à praia, Natalia diz perceber na África do Sul um povo muito receptivo e animado. E já incorporou o zumbido das onipresentes vuvuzelas, que chegam até ao Brasil nas transmissões de jogos pela televisão. "Virou som ambiente. Não é só em dia de jogo, não - é 24 horas por dia. Às 6h da manhã você acorda com vuvuzela".

Natalia fica na África até 18 de julho. Seu trabalho como voluntária vai até o dia 2. Mas ela quer ir para Johannesburgo tentar acompanhar a final no Soccer City dia 11, de preferência para assistir à seleção brasileira conquistar o hexacampeonato. Quem sabe até lá ela já tenha reunido preparo e fôlego para assoprar a vuvuzela. Na única vez que tentou tocar o instrumento, deu três assopradas e desistiu - "Cansa demais".