Esporte
Adilson, volante do Atlético-MG, anuncia a aposentadoria em função de um problema cardíaco
Em coletiva, jogador, diagnosticado com uma cardiomiopatia hipertrófica, vai às lágrimas durante anúncio e é aplaudido por companheiros; ele seguirá no dia a dia do Galo
Globo Esporte
12 de Julho de 2019 - 16:46
Atlético-MG e Adilson anunciaram, no início da tarde desta sexta-feira, a precoce aposentadoria do volante, de 32 anos. Ele foi diagnosticado com uma cardiomiopatia hipertrófica, uma doença cardíaca identificada durante exame realizado na pausa para a Copa América. O anúncio aconteceu em coletiva de imprensa, na Cidade do Galo. O jogador foi às lágrimas durante o pronunciamento (veja acima), aplaudido pelos companheiros e consolado pelo lateral Patric.
O diretor de futebol Rui Costa e os médicos Rodrigo Lasmar e Haroldo Aleixo explicaram, publicamente, a situação. Os colegas de time acompanharam de perto a coletiva de imprensa.
Cardiomiopatia hipertrófica é a mesma doença que matou o zagueiro Serginho, do São Caetano, durante jogo contra o São Paulo, em 27 de outubro de 2004, pelo Campeonato Brasileiro. Haroldo Aleixo, cardiologista do Galo, explicou o diagnóstico de Adilson e a unanimidade do corpo médico para a aposentadoria do jogador.
- Fizemos uma avaliação agora no meio do ano, na intertemporada, que caracterizou e identificou uma cardiomiopatia, uma doença cardíaca que o impede de seguir como atleta profissional de futebol. Isso foi estabelecido agora. A partir do momento que se estabeleceu, nossos primeiros cuidados foi discutir com o próprio médico pessoal do atleta e também com uma terceira pessoa, um terceiro profissional, para ouvir a opinião, discutir sobre o diagnóstico e a conduta que deveria ser tomada. Houve uma unanimidade sobre a conduta, que decidiu por abreviar, do ponto de vista da continuidade, a carreira do Adilson como atleta de futebol - anunciou o médico do Atlético-MG.
Após o anúncio público do diagnóstico, Adilson fez um pronunciamento, agradeceu ao apoio recebido de familiares e companheiros e anunciou que seguirá trabalhando no Galo. Leia, abaixo, a declaração completa do volante.
- Eu não preparei nada em especial, eu vim aqui só agradecer por todo o apoio, todo o suporte do departamento médico do Atlético, diretoria e presidente, que não estava no Brasil, mas fez questão de me ligar e me dar todo o apoio. Agradecer à rapaziada que está aqui (os jogadores acompanharam a coletiva de perto), todos que estão aqui. É isso que me fortalece. Já que estou nessa condição, é isso que eu gostaria de receber, então eu realmente agradeço a todos vocês por tudo que vocês têm feito, não só por esse momento, por tudo que passamos nos últimos anos. A relação comigo foi sempre de muito respeito e muito apoio, inclusive do clube, no momento da minha chegada, da minha renovação ano passado, quando escolhi permanecer no Atlético, de coração. Tenho recebido uma série de mensagens nas últimas horas. Não pude ainda responder ninguém, esperei o pronunciamento oficial. Eu queria dizer, antes de tudo, que estou bem. Queria tranquilizar a todos. Estou bem, não tive nenhuma reação física nesse processo todo. Sempre estive muito bem, vinha treinando, me preparando pro clássico. A vida vai seguir, eu vou seguir aqui no dia a dia do clube, o clube já tem manifestado o interesse que eu permaneça aqui no dia a dia, colaborando da melhor maneira possível. Só tenho a agradecer, até então aqui tem sido tudo maravilhoso na minha vida pessoal e esportiva. Minha filha vai nascer dia 22. Tenho muitos motivos pra seguir, pra ser feliz. Então eu queria só fazer um pedido a todos vocês, principalmente da imprensa, que respeitassem esse momento que eu estou vivendo e tivessem todo o cuidado no momento de tratar dessa situação. Eu achei que ia ser mais fácil, que eu ia chegar aqui e ia ser mais fácil falar alguma coisa. Sei que minha família está sofrendo, todos estão sofrendo. Realmente peço que respeitem todo esse processo, como têm me respeitado até então, agradeço todo esse respeito que tiveram por mim. A vida vai seguir, com minha filha chegando, vou estar aqui junto dessa rapaziada, que tenho como irmãos. Acredito muito neles, eles ainda são a última chance que eu tenho de ganhar um troféu grande. Ainda tenho essa chance, acredito muito neles. Vou estar aqui nesse processo, ganhando ou perdendo, vou estar junto deles. A todos vocês, muito obrigado por tudo.
Adilson estava afastado dos treinos nos últimos dias. Segundo o clube, até então, para resolver problemas pessoais. Versão pedida pelo volante, que não queria expor a situação antes do clássico com o Cruzeiro, pela Copa do Brasil. O cardiologista Haroldo Aleixo disse que Adilson já tinha "características específicas", que faziam o departamento médico ter um cuidado especial com ele. Entretanto, até o exame realizado durante a Copa América, não havia sido constatada nenhuma anormalidade.
- O Adilson tinha algumas características específicas que nos faziam ter um cuidado especial em monitorá-lo. Assim como ele, existem outros atletas que são eventualmente acompanhados. As baterias de exames são refeitas periodicamente, conforme determinado pela literatura médica, voltada para a cardiologia. Em todas as baterias, exceto essa última, o que se constatou é que ele estava perfeitamente apto à prática do futebol, sem riscos e em condição de continuar jogando. Nessa última, identificamos uma condição que é a cardiomiopatia hipertrófica, e essa condição o impede de seguir jogando com segurança, que é nossa preocupação. É uma doença que pode se expressar ao longo da vida, não precisa se expressar no nascimento ou adolescência, pode aparecer em qualquer fase da vida. A gente observa que agora, aos 32 anos de idade, ele tem características inequívocas da doença, e optamos por essa conduta.
- O que é a cardiomiopatia?
- A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença herdada hereditariamente. E ela se manifesta ao longo da vida, podendo se manifestar mais cedo ou mais tarde, e, em alguns casos, a pessoa tem até a herança genética, mas não expressa a herança genética mas não expressa a doença em momento algum, isso pode acontecer, não é improvável. O que ocorre é que há uma formação de fibras musculares de forma inadequada, então o coração começa a hipertrofiar em alguns segmentos, de forma heterogênea. Ele pode hipertrofiar, e essa hipertrofia específica da doença é potencialmente geradora de arritmia durante o esforço. O coração dele como bomba é um coração absolutamente normal. Se ele for pro campo, vai ter uma performance normal, porque o bombeamento do sangue é normal, a força é normal. Ele tem um potencial foco de arritmia. Esse foco pode nunca gerar arritmia, mas dentro do que preconizado na literatura internacional, nas condições do Adilson, no contexto em que ele se insere, ele não deveria praticar atividades físicas competitivas, porque a atividade física pode atuar como um gatilho para predispor uma arritmia, e essa arritmia levar à morte súbita, que é a grande preocupação. Ele não tem nenhuma doença manifesta clinicamente ou manifesta em termos de arritmia. Ele tem um potencial foco de arritmia que pode prejudica-lo se ele continuar jogando - explicou Haroldo Aleixo.
"Estamos conseguindo salvar a vida do Adilson"
O médico do Atlético e da Seleção, Rodrigo Lasmar, disse que todos no clube estavam emocionados por causa da aposentadoria precoce do volante. Mas, segundo ele, era a decisão correta a ser tomada diante do diagnóstico.
- É uma notícia triste, difícil de dar. Mexe muito com nossa emoção. Mas por mais triste que seja a notícia, ela nos deixa, de certa maneira, confortados, por saber que estamos conseguindo salvar a vida do Adilson. Se ele continuasse com a prática esportiva, isso poderia trazer riscos realmente inaceitáveis para o jogador. Antes do futebol, da carreira do atleta, cuidamos da saúde do jogador. Isso está em primeiro lugar no Atlético, sempre vai estar. Não toleramos qualquer risco que coloque a saúde de qualquer jogador em cheque. Era só pra elucidar um pouco mais o que aconteceu. Essa foi a história.
Confira outros trechos da entrevista coletiva no Atlético:
Processo para diagnóstico da cardiomiopatia
- Para deixar bem claro, e a parte final do Adilson foi bem importante, até para a torcida, familiares e amigos, ele se encontra bem, não teve nenhum sintoma, ele está vivendo uma vida praticamente normal. Voltando um pouquinho, historiando um pouquinho, o Adilson, desde que chegou, apresentava exames totalmente compatíveis com a prática esportiva, sem nenhuma restrição. Ele apresentava um histórico familiar e pequenos critérios que justificavam exames com uma frequência um pouco maior. Isso é muito comum no meio do futebol, atletas que precisam de uma avaliação mais frequente. Desde que ele chegou aqui, os exames eram perfeitamente compatíveis, sem nenhum risco diferente dos demais atletas. Nesses exames realizados agora, na parada para a Copa América, ele apresentou algumas alterações que não existiam anteriormente, ou seja, apresentou indícios de que estava iniciando uma doença, a cardiomiopatia. E essa doença, a partir do momento que se manifesta, ela aumenta muito o risco para um atleta. Aumenta o risco para níveis inaceitáveis para um atleta competitivo. Por isso tivemos todo o cuidado de, antes de qualquer coisa, conversar com o Adilson. Eu estava com a Seleção, o Haroldo se encarregou de todo esse processo. O cuidado, além da avaliação do clube, mandamos para outros dois outros especialistas. Um é cardiologista de confiança do Adilson e da família dele, tem todo o histórico dele, e um outro colega especialista renomado no Brasil inteiro com relação a esse tipo de situação. Todos foram unânimes e concordaram com o diagnóstico. A partir disso foi detectada a patologia, e isso tirou, infelizmente, o Adilson da prática competitiva, como atleta profissional. Foi o que aconteceu - explicou o médico do clube, Rodrigo Lasmar.
- O que posso dizer a todo torcedor e a todo mundo que está aqui é que a questão contratual do Adilson é secundária. Nunca nos preocupamos com quanto ele vai receber, quanto vai deixar de receber. A recomendação que tive do presidente Sérgio Sette Câmara, e ele nem precisaria nem me determinar isso, é que nosso cuidado fosse com o ser humano Adilson. Disse isso a ele pessoalmente, quando estive, junto com o Marques, na casa do Adilson. O que não nos preocupa agora é quanto vai entrar na conta do Adilson, se o contrato vai ser isso, vai ser aquilo. Ele vai estar aqui conosco por opção dele e por um pedido nosso. E ele vai experimentar, nessa nova fase da vida dele, que é um novo ciclo, experiências que possam deixa-lo aqui conosco, e ele vai perceber se vai querer ser um integrante de comissão técnica, se ele vai querer fazer um curso de gestão, se ele vai querer ficar no meu lugar, se vai querer trabalhar comigo, com o pessoal. O que não abrimos mão é do Adilson no dia a dia aqui. Nós nunca falamos de dinheiro, não vamos falar de contrato, e ele vai ter seus direitos garantidos. Porque não nos interessa agora discutir centavos, seguros. Não. O que queremos é o Adilson feliz aqui com a gente. E temos certeza que a felicidade dele passa por estar aqui com seus companheiros vestindo essa camisa que ele fez questão de vestir quando veio para cá (para a entrevista). Todo mundo perguntou: "Por que você vai com essa camisa (de treino)?”. “Porque é essa camisa que eu visto sempre”. Pra mim não interessa contrato, prazo. Espero que eu tenha sido bem claro na resposta - enfatizou o diretor de futebol, Rui Costa.
- Ele tem uma característica muito específica, que o torna um indivíduo que possivelmente pode manifestar uma cardiomiopatia ao longo da vida. A periodicidade, o aumento da periodicidade dos exames foi definido a partir disso. Ele tinha um risco maior de desenvolver, então decidimos investigar (de forma mais frequente). E a gente conseguiu identificar de uma forma bem inicial, bem precoce, certamente assegurando a saúde dele durante o período todo. Nenhum sintoma apareceu. Nunca apareceu, como o próprio Adilson deixou bem claro. Começou a aparecer a expressão da doença nos exames. Nem mesmo sintomas ou arritmias ou qualquer outra anormalidade foi identificada em momento algum, nem mesmo agora. A doença começou a se expressar nos exames de imagem, e nós buscamos profissionais pra discutir o diagnóstico e debater a conduta - disse o cardiologista Haroldo Aleixo.
Sem necessidade de cirurgia e medicamentos
- Não há nenhuma proposta e indicação, do ponto de vista médico, de tratamento ou de cuidados especiais. O único cuidado que ele deve ter é não participar de esportes competitivos. Toda essa orientação, até a orientação dos exercícios que ele deve fazer, vai fazer, vai ser baseada no quadro dele, nos parâmetros que nós temos. Não há nenhum cuidado especial de medicamentos ou cirurgia. Nada, nada. Não tem essa proposta. Ele tem que monitorar periodicamente, continuar monitorando, mas fora do ambiente de competição - completou Haroldo.
Natural da cidade gaúcha de Bom Princípio, Adilson iniciou a carreira nas categorias de base do Caxias, se transferiu para os juniores do Grêmio, chegando aos profissionais em 2007. Ele ficou no clube de Porto Alegre, pelo qual conquistou o Campeonato Gaúcho em 2007 e 2010, até 2011. Naquele ano se transferiu para o Terek Grozny, da Rússia. Em 2017, trocou o futebol europeu pelo Atlético-MG. No fim do ano passado, renovou com o Galo até o fim de 2020. Com a camisa alvinegra, disputou 99 jogos, marcou dois gols e conquistou o Campeonato Mineiro de 2017.