Logomarca

Um jornal a serviço do MS. Desde 2007 | Quarta, 27 de Novembro de 2024

Mato Grosso do Sul

Ameaça de massacres é o novo trote em escolas

"A gente fica inseguro em mandar os filhos pra escola, porque pode ser brincadeira, mas vai saber?".

Campo Grande News

20 de Maio de 2022 - 08:42

Ameaça de massacres é o novo trote em escolas

Os pais preocupados e os filhos com medo de irem à escola. Ameaças de massacres estão cada vez mais frequentes, mas há apenas a intenção, nunca se concretizando, para alívio de todos. Ao que parece, tudo não passa de brincadeira, mas também é sintoma de latente de problemas que precisam ser resolvidos.

Para a psicóloga educacional, Cristiane Valdez Albuquerque, toda ameaça deve ser encarada como tendo 50% de chance de se concretizar e 50% de não ser consumada. Coordenadora de Psicologia e Assistência Educacional da Semed (Secretaria Municipal de Educação), ela fala que “não posso descartar, porque pode acontecer, mas por que esse adolescente está tentando chamar atenção? O que ele está tentando comunicar?”, questiona.

Somente neste mês de maio, em duas situações, o Campo Grande News reportou casos em escolas distintas: uma estadual, no dia 11 e outra particular, hoje. Depois disso, pais encaminharam mensagens de mais casos em escolas municipais, o que mostra que há preocupação de que as mensagens encontradas em carteiras ou mesmo nas portas do banheiro se tornem reais.

Uma das mães é a recepcionista de hotel, Ana Paula Bozzonni de Oliveira, de 36 anos. O filho dela é pequeno e chegou em casa ontem desesperado, porque ouviu sobre ameaça de massacre na Escola Municipal Eduardo Olímpio Machado, no Jardim Ouro Verde, programada para 25 de maio. A mensagem estava escrita em porta do banheiro masculino.

“A gente fica com medo, porque eu já assisti até filme sobre isso ter acontecido fora do Brasil. A gente fica inseguro de mandar os filhos pra escola, porque pode ser uma brincadeira, mas vai saber?”, analisa, lembrando que falou com a direção da escola, que informou que os encaminhamentos necessários já estavam sendo tomados.

De outra escola municipal, desta vez, no Bairro Vila Planalto, o pai Diego Mazuko, de 40 anos, programador, conta que recebeu mensagem de pais de alunos que estudam na Padre José de Anchieta, onde o filho dele também estuda, dizendo que massacre ocorreria hoje. “Eu não o levei pra escola hoje, está em casa”, disse.

Segundo ele, a direção da escola recolheu a carteira onde estava escrito a ameaça de massacre e conta que ouviu que a Polícia Militar estava lá nesta tarde acompanhando a suposta ocorrência. “Meu filho, como tem quatro anos, sai mais cedo e não tenho visto PM por lá, mas disseram que ficam alguns policiais de olho por lá, sim”, comentou.

Outro caso que não veio à tona e também não se concretizou foi na Escola Estadual Olinda Conceição Teixeira Bacha, no Bairro Buriti. Pais ficaram em polvorosa, mas a ameaça marcada para 4 de maio não aconteceu. Mãe que preferiu não ter o nome divulgado disse que o policiamento dentro da unidade escolar aumentou depois da mensagem que foi escrita na porta do banheiro.

Para a psicóloga da Semed, a fase da pré e da adolescência é época de “reprodução de comportamentos”, por isso, se vê um “efeito cascata” nessas ameaças. Somente na rede municipal, foram seis este ano. “O adolescente é impulsivo. Faz primeiro pra depois pensar. E ele quer afirmação, aceitação nos grupos e acaba “indo na onda” e reproduzindo comportamentos”, explica.

Pandemia – Mas há que se analisar também o efeito do isolamento social e das aulas remotas nesse contexto. Cristiane Valdez avalia que os alunos voltaram desconectados e com dificuldade de interação social. “Voltaram fragilizados, com dificuldade de socialização”, disse.

Na escola, eu não meço meu comportamento diante de um conflito, eu bato, eu escrevo um bilhete ameaçando o colega ou na porta do banheiro. Os professores estão tendo que resgatar as regras de convivência, porque os alunos não estão se dando conta que o outro importa”, afirma.

Para a doutora em Educação pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Ângela Maria Costa, é isso mesmo que está ocorrendo.

“Isso tem sido recorrente, não só em Campo Grande, mas no Brasil, no mundo e é uma consequência da pandemia que deixou os jovens enclausurados em casa, sofrendo, muitas vezes, violência psicológica e física, passando horas assistindo ou jogando sozinhos e tendo que enfrentar todos os problemas dos pais dentro de casa, as desavenças e até a crise financeira”, enumera.

Ela defende que as escolas não poderiam ter fechado e que agora, diante das consequências, é preciso ampliar o debate sobre a situação e a escola se recolocar como essencial na educação.

“Se a família não educa, a escola também não educa e ninguém assume essa responsabilidade. As famílias estão despedaçadas há tempos, já sabemos disso, mas a escola precisa se importar com o tipo de pessoas que eles estão formando”, afirma.

Ações – Na rede municipal, desde 2018, há atuação do Egeprev (Equipe de Gerenciamento de Conflitos contra a Violência e Evasão Escolar), cuja coordenadora é Mônica Silvano. “Os estudantes voltaram com questões disciplinares bem diferentes de antes da pandemia. São questões mais conflituosas”, sustenta.

PM acompanhando ameaça de atentado na Escola Estadual Blanche dos Santos Pereira, no Jardim Tijuca. (Foto: Marcos Maluf)

Nos seis casos identificados este ano, Mônica diz que o procedimento foi o mesmo: encaminhar a Guarda Municipal para realizar a segurança nas escolas com dois objetivos, sendo de tranquilizar a comunidade escolar e também de mostrar aos alunos que a atitude de indisciplina não vai passar despercebida.

“A Guarda monitora a entrada, a saída, dentro da escola, no recreio e se há suspeita de quem fez a ameaça, fala-se direto com o aluno e com a família. A situação é monitorada de perto de forma a tranquilizar as famílias e fazer um trabalho coletivo, de sala em sala, mostrando que a escola está atenta”, diz.

Em um dos casos, por exemplo, após essa atuação coletiva, os próprios alunos confessaram que haviam escrito a mensagem de ameaça, porque não queriam ter aula. “Aí, nós convocamos as famílias, conversamos e vamos acompanhando prestando atenção em todos os indícios”, enfatiza Mônica.