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Sidrolandia

Acusação de racismo faz autora tirar livro Peppa de circulação

Críticas à "Peppa" começaram com vídeo de ativista em abril de 2016. Autora Silvana Rando já recebeu prêmio Jabuti de ilustração por um dos seus livros.

G1

22 de Novembro de 2017 - 16:40

A autora Silvana Rando decidiu neste mês tirar de circulação seu livro "Peppa", lançado em 2009 pela Brinque-Book. A decisão foi tomada após a obra ser acusada de ter elementos racistas. No livro, Silvana conta a história de uma menina de cabelos crespos que decide fazer um alisamento e depois desiste da mudança ao se ver impedida de brincar para conseguir manter o visual.

Silvana é autora de mais de 10 livros e já ilustrou mais de 40 obras. Em 2011 foi vencedora do Prêmio Jabuti com "Gildo", na categoria ilustração de livro infantil. Já a obra Peppa foi eleita um dos 30 livros do ano pela Revista Crescer em 2010.

Peppa virou alvo de contestação sobretudo a partir de abril do ano passado, quando a youtuber, empresária de moda e ativista Ana Paula Xongani fez um vídeo no qual apresentava uma resenha com muitas críticas ao livro. "Quando vi o livro fiquei horrorizada", disse Ana Paula. "Todas as páginas deste livro têm um problema. É um livro extremamente racista", acusa Ana Paula.

Nos vídeos, Ana Paula Xongani diz que a obra é adotada pela rede municipal de ensino de São Paulo e que entrou em contato para cobrar que ele fosse tirada de circulação. Procurada pelo G1, a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que nunca comprou o livro para o acervo das escolas da rede.

Os ativistas apontam, entre outros, trechos com elementos questionáveis:

Peppa 'arrasta' geladeira e outros itens com seu cabelo, "resistente como fios de aço".

A mãe de Peppa usa um alicate para cortar os fios

A cabeleireira quebra pentes e usa uma furadeira com serra no cabelo de Peppa após 16 horas e quarenta e oito minutos no trabalho de alisamento

A frase final é criticada por, na visão dos críticos, trazer a oposição entre se encaixar no padrão e encontrar a felicidade: "Lá se foi o cabelão liso e sedoso de Peppa...".

"Que informação a gente está passando para essas crianças? Que seus cabelos são ruins e complicados de tratar? Já Peppa tem que escolher, ter os cabelos lisos e sedosos ou ela vai brincar. Isso é um absurdo, a gente está cerceando a liberdade de brincar com a sua beleza natural", afirma a ativista.

Liberdade de ser criança

Antes de decidir tirar o livro de circulação, Silvana argumentou que sua intenção era justamente questionar o custo de seguir padrões. E que se inspirou em uma amiga de origem asiática que tinha os cabelos crespos.

"O livro em questão fala da vaidade exagerada na infância, de trocar a liberdade de ser criança pelos padrões de beleza (...) O preço que pagamos por tentarmos entrar num molde que não nos pertence. Gostar de como somos é tão maravilhoso que quis deixar isso num livro para as crianças", argumentou Silvana.

Ainda após o post com explicações, Silvana ainda continuou recebendo críticas e acabou reavaliando a decisão de manter a publicação.

"Depois de ler e reler a opinião de todos a respeito do meu livro Peppa, gostaria de afirmar que se existe a chance de uma única criança se ofender com seu conteúdo, prefiro que o livro deixe de existir, pois só assim meu trabalho fará sentido." - Silvana Rando

"Pedi à editora Brinque-Book recolher o livro com certa urgência. Meu pedido foi aceito e as providências já estão sendo tomadas. Peço desculpa para aqueles que se ofenderam com o livro, e esclareço que essa nunca foi a minha intenção, muito pelo contrário", escreveu a autora.

Repercussões contra e a favor à retirada do livro

Depois do anúncio de retirada da obra de circulação, ativistas e a própria youtuber celebraram a decisão.

A atriz Samara Felippo, que mantém um canal no YouTube no qual fala sobre cabelos cacheados a partir da experiência com suas duas filhas, foi uma dos que fez uma reavaliação da obra. "Cada livro que leio com minhas filhas me atento a saber que história esta sendo contada. Como irá chegar até elas. Comprei o "Peppa" e de primeira achei fofo, lúdico e "tudo bem", apenas uma história de aceitação", avaliou Samara.

"Mas através do meu canal #muitoalemdecachos (gratidão) fui carinhosamente alertada sobre, como para os negros o racismo está sutilmente manifestado ali. E não!!! Talvez a autora nem tenha tido NENHUMA intenção, ela quis apenas passar a mensagem positiva de aceitação e não imposição de um "padrão", mas ela é branca. Nossa visão é outra. Retirei do meu vídeo e não recomendo a leitura", escreveu Samara Felippo.

Escritores repudiam a censura No meio literário, diversas vozes se levantaram em defesa da autora e contra a censura. Entre os que se pronunciaram está o autor Ilan Brenman. "O livro fala de uma menina de cabelo crespo incrivelmente forte, inspirado numa amiga da autora. Minha filha pequena que tem cabelo crespo amava esse livro, é um livro que fortalece as crianças e não as rebaixam", afirma o autor.

"Peppa é um livro que exalta a identidade infantil, fala de uma jornada de busca por identidade e com muito humor (pecado mortal hoje ter humor). A blogueira fez uma leitura rasa e enviesada da obra da Silvana. É a mesma leitura pobre e rasa que fizeram do livro do José Maura Brant o acusando de estímulo ao incesto. Se não pararmos com isso agora será um pandemônio literário", afirma Brenman.

"Os livros produzem ruídos, incômodos, sensações e pensamentos. Precisamos fortalecer as crianças com livros que criem imunidade simbólica. O que estamos fazendo é uma eugenia literária" – Brenman.