Região
Bonito e Pantanal, em Mato Grosso do Sul, combinam turismo 'raiz e Nutella'
Uma viagem por Mato Grosso do Sul pode, inclusive, mostrar as vantagens em combinar o melhor dos dois mundos
Correio do Estado
27 de Outubro de 2023 - 15:55
Que tipo de turista você é, raiz ou Nutella? O primeiro tende a abraçar experiências mais cruas para extrair um gostinho local da "vida como ela é". Para o segundo, digamos que conhecer outras culturas é lindo, mas se for para passar muito perrengue, melhor nem sair de casa.
Sinceramente, não há mal algum em entender qual o seu estado de espírito para as férias. Uma viagem por Mato Grosso do Sul pode, inclusive, mostrar as vantagens em combinar o melhor dos dois mundos.
A primeira parada é Bonito, com atrações turísticas que fazem jus ao nome da cidade. O Zagaia Eco Resort, onde a reportagem ficou hospedada, é uma daquelas opções de estadia que comportam de tudo: famílias com criança, excursão de velhinhos, casais apaixonados e despedidas de solteiro, às vezes todo mundo junto e misturado na mesma piscina aquecida indoor, bebendo seus Toddynhos ou caipirinhas.
O complexo tem ainda playground aquático e piscina com borda infinita, queridinha das selfies com pôr do sul ao fundo, mais onipresentes que chaveiro de arara em lojinha da região.
Há quartos em que só o banheiro é maior do que muito studio para alugar em São Paulo. A depender, claro, do quanto se está disposto a desembolsar. Cinco diárias para dois adultos podem superar os R$ 10 mil, valor que as rapaduras de cortesia bem que tentam adoçar. Mas que a sinfonia de passarinhos na janela pela manhã ajuda, isso ajuda.
Dá para passar o dia no hotel, que oferece versões light do turismo ecológico, como trilhas, árvores carregadas de amora e pescaria no estilo pegue-e-solte. Para isso se aluga por R$ 30 uma vara de pescar que, na internet, compra-se por menos que isso. Tudo bem, ser turista tem dessas.
Outros luxos pagos à parte são as massagens do spa. Elas podem ser combinadas com banho de ofurô, calibrado com mel, sais, espuma, leite ou óleos essenciais. Oitenta minutos tudo, por R$ 440.
Não que as alternativas de passeio na área deixem a agenda livre. O Buraco das Araras é uma delas. Trata-se de uma depressão com 500 metros de circunferência e 100 metros de profundidade, formada após o colapso do teto de uma caverna milhares de anos atrás.
Araras usam as fendas da encosta para montar ninhos e se reproduzir, um mix de maternidade e motel. Como muitas aves, só têm um par pela vida toda, embora na tarde em questão a reportagem tenha testemunhado um trio não monogâmico ziguezagueando pelo céu.
O guia conta que no passado, sem qualquer regulamentação ambiental, o local era usado para atividades nada lícitas. O pessoal ia dar tiros por esporte, improvisar lixões e até desovar cadáveres. A carcaça de um carro Brasília que despencou (ou foi despencado) décadas atrás continua lá, escondido pela vegetação.
Outro buraco para se enfiar é o Abismo Anhumas, uma das incursões mais caras da região. São R$ 1.350 para fazer flutuação (boiar de colete salva-vidas e snorkel) e R$ 1.800 para os adeptos do mergulho.
É uma aventura com mordomias: não faz muito tempo, quem quisesse chegar ao interior da caverna, até se deparar com um lago cristalino, precisava dominar o rapel. Agora, não. Uma cadeirinha elétrica desce a pessoa por quase 80 metros, o que é desaconselhado para grávidas (as cordas podem apertar a barriga), crianças pequenas e fóbicos de altura.
Embaixo há um deque com banheiro e trocador, onde se veste um macacão de neoprene mais justo que muito modelito da Kim Kardashian. Guerreiros são os que dispensam a roupa de borracha, antídoto térmico contra uma água com temperatura média de 18°C.
Há opções mais amigáveis ao público infantil, como a flutuação por rios translúcidos, onde em julho turistas avistaram uma cobra sucuri de quase sete metros.
Outra: o Bio Park, uma versão mais politicamente correta dos zoológicos. Os animais ali precisam de cuidados e estão inaptos a viver na natureza selvagem. Uma das proprietárias, a zootecnista Ada da Cunha explica no tour sobre a origem de alguns moradores, como a lobo-guará Flor, que perdeu toda a família atropelada por um trator, e o tamanduá Chiquinho, resgatado ainda com cordão umbilical.
Roteirizar os passeios com ajuda de uma agência faz diferença aqui, onde nem tudo é perto, e há muita estradinha de terra no caminho. "Bonito é um destino ímpar e múltiplo, daí a importância de otimizar tempo e poder aproveitar as mais de 40 maravilhas locais", diz Marco Antonio Tiago, da M26 Assessoria de Viagens.
A rota gastronômica bonitense inclui dois restaurantes badalados. O Juanita começou com uma chef que administrava um self service, até o filho transformá-lo num daqueles empreendimentos que cobram dezenas ou centenas de reais pelo prato. Não faria feio na paulistana Vila Madalena.
O pacu na brasa é um dos favoritos. Para a entrada, sugestões como carne de jacaré na manteiga. De sobremesa, petit gateau com sorvete de jaracatiá, fruta regional que lembra o coco.
Na Casa do João, com uma parede superpovoada por fotos de famosos como Alcione e Fábio Porchat, duas boas pedidas são o pintado com urucum e o ceviche de banana da terra.
A quatro horas de carro fica a segunda perna da viagem, no Pantanal Jungle Lodge, hotel em Corumbá (MS), mas afastado de maior infraestrutura urbana. É uma experiência mais rústica, ainda que tenha lá seus confortos, como ar-condicionado nos quartos.
Sem restaurantes badalados por perto, faz o estilo pensão completa, com todas as refeições incluídas na diária de R$ 780 para um casal. Comidinha honesta e saborosa —no primeiro dia, o almoço foi costela de pacu frita, arroz, feijão, farofa, bife acebolado, abóbora e salada, mais doce de figo para arrematar.
Sempre acompanhadas por um guia, que de manhã oferece o cardápio do dia, as atrações também são contempladas na diária. Vai de cada um decidir o grau de aventura que quer encarar.
A pescaria é feita na beira do rio Miranda, em frente ao hotel, entre capivaras e tuiuius (a ave-símbolo do Pantanal, de pescoço vermelho e bico preto) que correm solto pelo gramado.
Mais intrépidos são os que acampam uma noite no meio do mato. Um perigo algo controlado, claro, mas sempre sujeito a contingências. Caso de duas hóspedes que foram pegas de surpresa, em setembro, por uma tempestade daquelas. Mas só se alarmaram, segundo o guia que as acompanhava, quando uma delas acordou sobressaltada por um pesadelo. Tinha sonhado que um jacaré invadia a barraca.
A população pantaneira desses répteis fica em torno de três milhões. Tem muitos deles no rio onde zanzam barcos e caiaques do hotel, em trajetos que podem ir noite adentro.
É quando escurece que fica mais fácil de ver onça nas margens, embora o evento seja bem esporádico. Tentar achar uma lembra aquela antiga brincadeira do Fusca azul, quando você dava um soquinho na pessoa ao lado se passasse na rua um carro desse modelo e cor.
A reportagem não avistou uma onça que fosse, mas se deparou com um céu estrelado que deixa qualquer pintura de Van Gogh no chinelo. E viu também muitos pássaros, como o joão-grande, traduzido pelo cicerone turístico como "big John" para os vários estrangeiros na embarcação.