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Região

"Controle sobre quem detém poder político tende a ser cada vez mais rigoroso"

Especialista em Direito Constitucional, Sandro Oliveira fala sobre julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos.

Correio do Estado

08 de Julho de 2023 - 10:06

"Controle sobre quem detém poder político tende a ser cada vez mais rigoroso"
Professor de Direito da Universidade Federal de MS e doutor em Direito Constitucional, Sandro Oliveira é o entrevistado desta semana do Correio do Estado - arquivo pessoal.

Após quatro sessões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os ministros decidiram que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cometeu abuso de poder político e fez uso indevido dos meios de comunicação. Em junho deste ano, Bolsonaro foi condenado a oito anos de inelegibilidade. Com a decisão, o ex-presidente ficará impedido de disputar as eleições até 2030. Cabe recurso contra a decisão.

O doutor em Direito Constitucional e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Sandro Oliveira afirma que, ao longo dos anos, a legislação e a Justiça Eleitoral têm sido aperfeiçoadas. “O controle sobre quem detém poder político/econômico tende a ser cada vez mais rigoroso, o que me parece necessário”.

O entrevistado desta semana detalha que o aumento desse controle não tem relação com a liberdade de expressão, mas com o controle do uso deliberado de informações falsas que podem dificultar o processo eleitoral.

A ação de investigação judicial eleitoral contra Bolsonaro foi ingressada em agosto do ano passado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), com a justificativa de que o então presidente praticou abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação.

A ação foi movimentada após reunião de Bolsonaro, organizada enquanto era candidato à Presidência, em 18 de julho de 2022, com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, na qual fez ataques ao sistema eleitoral e argumentou que as urnas eletrônicas poderiam ser fraudadas durante o período de eleição.

O ex-presidente também fez ataques aos ministros do Poder Judiciário e declarou que o TSE deveria acatar “sugestões de transparência” feitas pelas Forças Armadas. O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil e em redes sociais. Com isso, o PDT argumentou que Bolsonaro visava ganhos eleitorais com a publicação das imagens, até porque ele parecia ter o apoio dos países representados na reunião.

SANDRO OLIVEIRA - PERFIL

Graduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) em 1995, mestre em Princípios Constitucionais Implícitos no Controle de Constitucionalidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutor em Biodireito Constitucional, também pela PUC-SP.

Foi chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), coordenador do curso de Direito da UFMS e chefe do Departamento de Direito da UFMS. Ex-diretor-geral da Escola Superior de Advocacia de Mato Grosso do Sul.

Atualmente, é membro consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MS e procurador-geral da OAB/MS. É professor adjunto da Faculdade de Direito da UFMS. 
Juridicamente, como o senhor vê a decisão do TSE que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível?

O TSE, por sua maioria, fez análise de um ato concreto específico, reunião entre o então presidente e os embaixadores, na qual fez ataques ao sistema eleitoral brasileiro e à própria Justiça Eleitoral, compreendido como ato explícito de abuso do poder político.

Discussões honestas, técnicas e objetivas sobre eventuais melhorias do sistema eleitoral brasileiro nunca foram problema. Não tenho conhecimento, até o presente momento, de alguém ter sido processado, muito menos condenado, por discutir aperfeiçoamento do sistema, ao contrário, todos os casos de processamento e condenação ocorreram em circunstâncias nas quais houve afirmações inverídicas e propagação de notícias fraudulentas sobre o sistema eleitoral e a Justiça Eleitoral sem que se fossem apresentadas provas sobre eventuais fraudes.

Que reflexos essa decisão pode ter em julgamentos futuros?

Ano após ano a legislação e a Justiça Eleitoral vêm se aperfeiçoando. O controle sobre quem detém poder político/econômico tende a ser cada vez mais rigoroso, o que me parece necessário. Esse rigor nada tem a ver com cerceamento da liberdade de expressão, mas com controle do uso deliberado de informações fraudulentas com o propósito de enganar ou dificultar o acesso do eleitor à verdade dos fatos.

Que caminhos a defesa do ex-presidente pode tomar para tentar reverter a decisão?

Recorrer das decisões judiciais é um direito fundamental, não há discussão sobre isso. Portanto, o ex-presidente tem o direito a recorrer, o que não significa que vai conseguir o que quer.

Nesses casos, a defesa poderá propor embargos de declaração, no próprio TSE, respeitando o prazo de três dias após a publicação da decisão. Essa medida tem a finalidade de atacar algum ponto que ficou obscuro na decisão ou alegação que não tenha sido abordada nas decisões dos ministros do TSE.

Outra medida possível seria o recurso extraordinário, que levaria a discussão ao STF sob a alegação de que a decisão do TSE violaria um ou mais dispositivos constitucionais.

A defesa de Bolsonaro deve recorrer da decisão. Neste caso, como fica a situação do ex-presidente enquanto tramita a apelação? Ele só poderá se candidatar em caso de suspensão da decisão do TSE ou poderá caso o mérito ainda não tenha sido julgado?

Continua inelegível. A suspensão da decisão do TSE ocorreria tão somente por decisão do STF, o que neste momento me parece pouco provável. Que exemplos temos na história jurídica sobre esse tipo de decisão e de recurso? Houve algum sucesso na apelação?

É a primeira vez que se reconhece a inelegibilidade de um ex-presidente da República por abuso de poder político. Muito se fala em “ditadura do STF” ou do TSE. Esses tribunais estão passando dos limites? Ou é determinada parte da população que tem desafiado a Constituição?

O tribunal com competência constitucional para decidir por último sobre matéria eleitoral é o TSE. O STF é nossa Corte Constitucional e é quem dá a última palavra sobre aplicação e interpretação da Constituição, os limites de atuação estão bem claros na Constituição.

Diria que a subjetividade é um fator dominante na análise das decisões judiciais por leigos. Se estou interessado na causa e minha pretensão é atendida, a Justiça foi feita e o Poder Judiciário é bom e honesto. Mas se não sou bem-sucedido, algo está errado, o Poder Judiciário é ruim, está vendido e por aí vai.

Nosso sistema de educação falha ao não apresentar a Constituição e seus princípios às crianças e aos adolescentes. Educar para o exercício da cidadania passa necessariamente pelo contato com os valores constitucionais em todos os níveis escolares.

Muita gente critica a mudança de interpretação do STF ao longo dos anos sobre o caso do presidente Lula. Essas mudanças de interpretação de ministros são comuns? A Corte Constitucional não tem natureza monolítica, impassível a mudanças, ao contrário, e da mesma maneira que a Constituição, ambas não são imutáveis.

Quanto mais estudamos e pensamos sobre o conjunto de valores protegidos pela Constituição, mais percebemos que ela deve atender às expectativas do presente e projetar o futuro da sociedade brasileira.

Ela é projetada para atender às expectativas de proteção do presente, nem que com isso se manifeste de maneira contra majoritária, ou seja, ela tem um sistema de proteção que, vez ou outra, impede que determinada maioria transitória submeta minorias, cerceando direitos fundamentais.